O X da questão: heroísmo fake, homens de capa preta e o autoritarismo
Edmundo Siqueira 10/04/2024 21:13 - Atualizado em 10/04/2024 21:14
Imagem gerada por IA - criação própria


Na definição de herói está alguém que executa ações excepcionais com bravura e coragem, e resolve situações extremas com ética e moral inabaláveis. É uma figura idealizada, sempre. O heroísmo real não se manifesta de forma concentrada, tampouco é possível que um indivíduo, ou mesmo um grupo, seja capaz de ser a reserva moral do mundo.

O Brasil costuma idealizar heróis e salvadores da pátria. O “pai dos pobres” serve ao ideário do progressista ingênuo, assim como o “capitão” cai como uma luva ao conservador moralista com memória afetiva do tempo dos militares.

Na história recente, homens de capa preta fizeram boa parte do país acreditar que os heróis estavam no judiciário, e ainda ontem um bilionário foi alçado ao panteão dos defensores da liberdade.

A lógica que idolatra esses personagens é a mesma, em ambas as ideologias polarizantes. Alguém com poder assume uma posição e defende uma ideia que confirma que aquele lado está certo, e que as convicções pessoais e coletivas podem ser reafirmadas sem medo, pois há um herói que as sustente.

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Joaquim Barbosa, ex-ministro do Supremo, foi um desses heróis do país que vestia capa preta (a toga de magistrado). Aliando imagem, símbolo e discurso — necessários a qualquer construção mitológica —, Barbosa foi visto como um redentor, alguém que iria vingar o país contra os corruptos. Em uma foto, durante o julgamento do Mensalão, o ex-ministro aparecia andando de costas, com a toga acompanhando seu movimento, formando uma capa preta de super-herói. Era algo como o Batman limpando as ruas de Gotham City.


Depois de Barbosa, um juiz federal nascido em Maringá, no Paraná, liderava uma operação batizada de Lava Jato, onde era o responsável pelo julgamento em primeira instância dos crimes de colarinho branco envolvendo um grande número de políticos, empreiteiros e empresas, como a Petrobras e a Odebrecht.

Mas Sérgio Moro não precisou de uma capa preta. Em 2016, em Brasília, um boneco inflável de 12 metros trazia o rosto do juiz no corpo do Super-Homem, com o peito estufado e os punhos cerrados sobre a cintura. Na base, também inflável, que sustentava o boneco, estava escrito: “Herói do Brasil”.

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Hoje senador, Sérgio Moro aceitou ser ministro do ex-presidente Bolsonaro, após agir com comprovada parcialidade no julgamento que levou à prisão o seu principal opositor. Além de abandonar a imparcialidade, necessária a qualquer julgador, o caminho jurídico que levou Lula à prisão foi semeado por nulidades processuais e extrapolação das prerrogativas de um juiz que foi elevado ao posto de herói nacional do dia para a noite.


No último domingo (7), o empresário Elon Musk, dono da rede social X (antigo Twitter), protagonizou um embate direto com o ministro Alexandre de Moraes, do STF. Em publicação no seu perfil, afirmou que Moraes deveria renunciar ou sofrer impeachment. Moraes, horas depois, incluiu o empresário no inquérito do Supremo que investiga a existência de milícias digitais antidemocráticas.

A partir daí, dois novos heróis foram criados: de um lado o empresário bilionário, dono de Big Tech, colocado em um patamar de salvador da liberdade, estaria lutando contra a “ditadura do judiciário” brasileiro. Do outro, o ministro destemido, que impediu um golpe e garantiu a democracia brasileira, aparece com a toga preta esvoaçante, debaixo do Brasão da República, sendo visto como o vilão que se converteu à herói, alguém que tem legitimidade para agir extrapolando alguns limites em nome da democracia.

Os contornos desses “heróis” brasileiros invariavelmente são autoritários. Debaixo de capas e poder econômico, agem em interesses corporativos, incompatíveis com o heroísmo real.

Embora o caso do duelo de titãs entre Elon Musk e Alexandre de Moraes evidencie que há (ou deveria haver) o ordenamento jurídico e a Constituição acima dos caprichos virtuais de um bilionário excêntrico, e a certeza que a toga precise, de fato, se fazer prevalecer, não se trata de uma disputa de heróis para saber quem é mais virtuoso. E novamente, se reduz aos individualismos algo que deve ser nacional.

Os egos feridos parecem ser o X da questão, e a confirmação de verdades ideológicas polarizantes parecem fabricar os “heróis” atuais. Em um mundo cada vez mais autoritário, o vilão é sempre o outro.

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