O banco que derrubou o Trianon e a história se repetindo
Edmundo Siqueira 10/09/2023 17:56 - Atualizado em 10/09/2023 20:18
Palco do antigo Trianon - tijolos que emitiram lamentos
Palco do antigo Trianon - tijolos que emitiram lamentos / Coleção Dario Marinho/ Livro Nos Tempos do Trianon Campos se Diverte - Juliana Carneiro e Victor Andrade (Numa Editora)
A década de 1980 já havia passado da metade quando alguns representantes do setor cultural — como Marcelo Sampaio, ainda presente na cena atual — de Campos decidiram criar a “Comissão Trianon”. Lamentavam-se os 10 anos da demolição do teatro mais bonito e simbólico que a cidade possuía. O objetivo era cobrar do banco que capitaneou a destruição, para que ele erguesse uma nova casa de espetáculos.

Verdade seja dita, o Trianon já havia sido vendido antes. O seu idealizador e construtor, o usineiro conhecido como Capitão Carneirinho, sonhava com trazer para Campos os maiores espetáculos de teatro, dança, música e cinema. E havia público para isso na Campos do início do século 20, levando o Trianon ao sucesso por anos. Porém, mesmo com o sucesso, o teatro precisou ser vendido. Carneirinho o vendeu em meados de 1940.

Depois que Carneirinho saiu de cena, o Trianon perdeu parte de seu encantamento. Além de profunda crise social e econômica na cidade, principalmente pela decadência das usinas. O teatro e a dança foram abandonados, e o cinema passou a ser a única arte exibida no Trianon. Em 1975, Campos assistiu, com a complacência de muitos, sua ruína, após a venda para o Banco Bradesco.
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Houve resistência. Atos públicos aconteceram, parte da intelectualidade se mobilizou, e discussões aconteciam para tentar achar uma solução para que o Trianon pudesse sobreviver. Mas parte significativa do empresariado e do poder público de Campos lavou as mãos. O capitalismo perverso do sistema financeiro não foi a causa, foi a consequência.

A última e melancólica exibição no Trianon trouxe o filme estadunidense “Gilda”, um drama noir estrelado por Rita Hayworth. Antes que o espelho côncavo da lente do antigo projetor do Trianon jogasse na tela o que estava nos rolos de película de 35 milímetros, um campista pediu a palavra e leu um manifesto sentido:
“Dentro de mais alguns dias será demolido o Trianon. Cada tijolo que tombar levará consigo um pedacinho da alma de cada um. Cada tijolo que tombar ecoará como um suspiro. Cada investida da picareta arrancará de nosso peito um gemido de saudade”.

Os gemidos de saudade levaram à Comissão Trianon, e depois ajudaram a eleição do candidato a prefeito que usou politicamente a omissão de seu antecessor no caso da demolição da casa de espetáculos mais emblemática de Campos. Em 1991, esse mesmo candidato, já prefeito, negociou com o Bradesco os custos de construção de um novo teatro.

O novo teatro foi construído. A 700 metros do antigo, o segundo Trianon de Campos tem linhas modernas e se constituiu como um centro cultural importante, palco de espetáculos de teatro, dança, música e tantas outras expressões de arte e cultura. Mas os tijolos tombados do primeiro levaram pedaços da alma de Campos e, caso ainda erguido, seria um patrimônio de importância nacional.

Cíclica, como sempre se mostrou, a história agora afeta o banco. Segundo informações do jornalista Saulo Pessanha, da Folha, e Edvar Jr., da CDL, o Bradesco pretende mudar de endereço e dar outro uso ao prédio construído sob os escombros do antigo Trianon.

Na mesma linha, a história e o mercado, o mesmo que possibilitou a compra do Trianon, está impondo à livraria mais antiga do Brasil — a Ao Livro Verde — seu fechamento. E assim como em 1975, a sociedade civil se mobiliza, mas parte do empresariado e do poder público lava as mãos.

Uma das principais funções do poder público é equilibrar o jogo. Garantir direitos das pessoas, da maioria, em detrimento de interesses particulares — ou mesmo de apenas uma pessoa vulnerável quando colide com interesses econômicos. No caso do Trianon, a prefeitura deveria achar uma solução viável que trouxesse uma agência bancária — ação importante para aquela época — e garantisse a sobrevivência do patrimônio. A prefeitura de Campos, atualmente, tem papel fundamental para que a mesma ideia seja possível.

Caso houvesse em Campos uma política pública cultural que tratasse do patrimônio como um potencial, e não como um problema, essas questões seriam abraçadas. E se fosse perene, e não apenas apagasse incêndio. Aliás, em Campos sequer incêndios são apagados, basta olhar para o que resta e para o que se foi.

*Este artigo usa informações e imagem do livro "Nos Tempos do Trianon Campos se Diverte!", de Juliana Carneiro e Victor Andrade, da Numa Editora, de 2021. 

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