O pai e a necessidade de holofotes
Edmundo Siqueira 13/08/2023 22:44 - Atualizado em 13/08/2023 22:52
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Na mitologia grega, uma dos arquétipos paternos conhecidos é Urano, que nasceu de Géia (algo como uma mãe-terra, geradora de tudo) e passou a ser seu companheiro, tendo com ela os doze titãs, sendo Cronos o último dos 12 titãs do deus Urano.

Urano simboliza o céu, as estrelas. Precisa de luz a todo momento, vivendo e absorvendo a iluminação. Era um tipo de deus que temia o poder de outros deuses, mesmo que eles fossem seus filhos. Após terem os 12 titãs, Géia e Urano tiveram mais seis filhos, e o pai, temendo que seus poderes ficassem grandes demais, prendeu a nova prole no útero da mãe novamente.
Essa prisão materna era especialmente perversa para Géia, que pediu ajuda dos primeiros filhos para libertar da prisão, ela e seus irmãos, do castigo perverso do pai.

O único que aceitou salvar a mãe e seus irmãos foi Cronos. A tirania do pai o afetava, e ele estava cansado de ver Urano como um genitor apenas, alguém que desconhece a função paterna, que estaria ali simplesmente para gerar, e para afirmar sua própria masculinidade. Urano não demonstrava nenhuma culpa ou angústia perante os filhos, os vendo como algo que nasceu para servi-lo, e não ameaçá-lo.

Perante a tirania, Cronos decide agir e castra seu pai, Urano. Assim liberta os seus irmãos da prisão na mãe, e inaugura a era do pai patriarcal, o pai agente da lei. A partir dele, o ego não estaria mais à mercê do mundo, e não lutaria apenas pela sobrevivência; não estaria mais entregue aos impulsos.

O filho Cronos começa a inserir-se no mundo da cultura, dos limites e da construção existencial. Com o simbolismo do ato de violência contra o pai, começa então a se deslocar de uma posição passiva para uma posição mais ativa no mundo.

A simbologia da mitologia grega explicita que não é papel do pai ser tirânico e mercurial. É função primordial do pai direcionar luz para seus filhos, pois a vida irá florescer novamente em sua prole. A lei da natureza determina que há o tempo do pai, e há o tempo do filho, e que eles não podem ser conflitantes e sim complementares.

O exemplo de Cronos também evidencia que contra um pai tirano restam poucas opções, e quando a tirania recai sobre filhos, com a complacência ou submissão da companheira, o resultado pode ser desastroso.

Nos espólios da guerra, territórios antes conquistados podem ser perdidos. E embora a relação entre pais e filhos possam ser por vezes conflituosas, existem limites a serem obedecidos. Quando se busca a luz, a qualquer custo, sombras podem encobrir as próprias vitórias.

E pior: quando há uma disputa visceral pela luz e pelos holofotes, as consequências podem recair sobre os que dependem dos líderes, e fazer com que o Olimpo , antes buscado como ideal, passe a ficar cada vez mais distante.

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