A sexta-feira treze de 1968: 54 anos do AI-5
Edmundo Siqueira 13/12/2022 21:19 - Atualizado em 13/12/2022 21:21
Arquivo Nacional

13 de dezembro de 1968. A ditadura militar instalada quatro anos antes, não se contentava com controle e repressão que exercia na sociedade, tendo o temido Serviço Nacional de Informações (SNI) em ação. A edição de um Ato Institucional, decretado pelo general e então presidente Artur da Costa e Silva, vinha  possibilitar que o regime intensificasse ainda mais a repressão.

Em um dia como hoje, o Ato Institucional Número Cinco, conhecido como AI-5 — ou o "golpe dentro do golpe" — endurecia ainda mais o regime. Permitiu o fechamento do Congresso, a cassação de mandatos parlamentares, intervenções do governo federal nos Estados, prisões e suspensão dos direitos políticos sem necessidade de justificativa.

O que o AI-5 fez foi dar poderes absolutos aos militares. Ao contrário do que se possa se pensar, o golpe de 1964 não foi a tomada do poder por um grupo de militares insurgentes. Foi um golpe combinado, pactuado com setores da sociedade brasileira que pretendiam colocar “ordem” no país.

No ano do golpe, de março a junho, uma série de manifestações públicas ocuparam as ruas contra uma "ameaça comunista”. As manifestações foram chamadas de “Marcha da Família com Deus pela Liberdade” — qualquer semelhança com os dias atuais não é mera coincidência.
Assinatura do AI-5, pelo presidente Costa e Silva, em 13 de dezembro de 1968.
Assinatura do AI-5, pelo presidente Costa e Silva, em 13 de dezembro de 1968. / Arquivo Nacional

Comunistas imaginários - Não havia uma ameaça comunista substancial no país, assim como não há hoje. Em outra semelhança com os dias atuais, uma fake news foi criada em 1937, dando início ao temor infundado na sociedade brasileira. Durante o governo Vargas, o “Plano Cohen” foi uma invenção que dava conta que havia um suposto plano, arquitetado pelos comunistas, para provocar desordem e tomarem o poder. Tudo mentira, revelado alguns anos depois.

De concreto, o que causou verdadeiro temor em parte da sociedade brasileira foram as ideias que defendia o então presidente João Goulart. Em 13 de março de 1964, Goulart anunciava que iria autorizar, via decreto, a desapropriação propriedades rurais subutilizadas, uma necessária reforma urbana e o direito de voto aos analfabetos.

As propostas do presidente caíam, essas sim, como uma grande ameaça à classe média e parte da elite brasileira. Reforma agrária e urbana — necessárias em qualquer país democrático e socialmente responsável — eram confundidas por esses setores como a iminência de perder seus imóveis para os inquilinos, ou suas terras para assentados.

Essas ideias nunca estiveram na mesa de João Goulart, assim como não estão hoje. A propriedade (assim como a liberdade) não é um direito absoluto em uma democracia, possui limite, e cumpre, obrigatoriamente, funções sociais.
Porém, despejar famílias de classe média, que tem um imóvel para moradia e outro na praia, ou pequenos e médios produtores rurais que utilizam suas terras como fonte de renda, não são objetivos das reformas — em nenhuma democracia séria.

AI-5 foi para conter os ex-apoiadores - A golpe militar de 1964 foi apoiado por diversos setores da sociedade. Acreditou-se que seria apenas um governo provisório, e que uma vez que restabelecem a “ordem” no país, os militares voltariam para a caserna pacificamente, retornando o poder para os setores dominantes até então.

Mas foi apenas mais uma ilusão vendida pelo regime. A ditadura militar no Brasil iria durar 21 anos.
O AI-5 não foi uma resposta à ameaça comunista — fictícia ou não. O endurecimento da ditadura foi para conter os apoiadores do golpe que, quatro anos depois, estavam descontentes. A Igreja Católica, a imprensa, o Poder Judiciário e líderes políticos começaram a perceber o tamanho do erro que havia sido apoiar o golpe. E tentavam impedir que o regime continuasse.

Um erro que resultou em mortes, torturas e um regime de exceção que durou mais de duas décadas. A ideia de que seria um apoio “necessário” e “temporário”, deu lugar à realidade imposta pelas armas: partidos políticos foram dissolvidos, a eleição para presidente foi indireta, parte significativa da grande imprensa, que havia apoiado o golpe, começou a ser censurada e o medo infundado de perder imóveis se tornou o que de fato era: uma tolice.

As classes trabalhadoras perdiam direitos importantes, com arrocho salarial e sendo reajustados abaixo da inflação, e os movimentos grevistas começavam a ganhar um fôlego maior.

Para frear esses movimentos de insatisfação, os militares recorreram à repressão ainda mais severa. O AI-5, que hoje faz 54 anos, permitiu poderes absolutos a um grupo. Que usou e abusou disso.

Ninguém apoiou o AI-5? - Sem a simpatia de antes de algusn setores da sociedade, os militares começavam a ficar isolados. Mas tiveram apoio de um grupo, que foi essencial para o “golpe dentro do golpe” ter sucesso: os empresários.

O AI-5 teve o apoio de diretores de instituições como a CNI (Confederação Nacional da Indústria) e a Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo).

O AI-5 ainda vive no imaginário de ditadores - Nos dias atuais, o AI-5 ainda é um fantasma, rondando a democracia com seu bafo fétido, mas desperta sentimentos nostálgicos em políticos representantes do clã Bolsonaro, por exemplo.

O deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do atual presidente, disse em 2019 que caso a esquerda “se radicalize”, seria preciso uma “resposta”: “pode ser via um novo AI-5”. O ministro da Economia, Paulo Guedes, também falou do AI-5. “Não se assustem se alguém pedir o AI-5”.

O dia 13 de dezembro de 1968 foi uma sexta-feira. Simbolismos e superstições à parte, representa uma data extremamente sombria da história brasileira. Pedir intervenção militar nas portas dos quartéis — essencialmente pedir novos AI-5´s — não é apenas insanidade. É um ato inaceitável e uma afronta aos mortos e torturados da ditadura. Em qualquer tempo. 

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