Ele é Christian Lynch, historiador e professor de ciência política do IESP-UERJ e da FGV, e editor da revista Insight Inteligência. A sua análise era sobre os fatos e movimentos políticos enquanto eles aconteciam; no mesmo tempo histórico. E ele também previa as consequências. A tal “novíssima República” (“e que república!”, como ironicamente disse Lynch) de fato eclodiu, “pela unânime aclamação dos povos": os movimentos de rua de 2016, os maiores já registrados no país, que levaram o governo Dilma à condição de "colapsado e impedido”.
Dois anos depois, Bolsonaro foi eleito presidente, com um forte discurso antipetista. Apesar da ausência de propostas e truculência, foi alçado à presidência do país canalizando a insatisfação e ódio de parcela relevante da população.
Mas o que seria uma República “novíssima” levou o Brasil de volta ao século 19. Como todo reacionário que se diz conservador, Bolsonaro reforçou a ideia de que o Brasil de antes era melhor, onde o “homem de bem”, pai de família, branco e com algum recurso deveria ter a palavra final — na família e na sociedade. Defendia a ideia de um Brasil que deveria ser um eterno centro periférico agroexportador, que deveria abandonar a ideia de laicidade do Estado e proibir qualquer tipo de evolução social.
Os movimentos pendulares das democracias são previstos e saudáveis; costumam trazer oxigenação nas ideias e formas de governo. Porém, a chegada de Bolsonaro ao poder representou desiquilíbrio. E com ele veio uma indústria de desinformação impulsionada para sustentar as narrativas bolsonaristas. E que consegue manter uma militância resiliente, ativa em redes sociais e com capacidade de mobilização para movimentos de rua.
Entrevista: Bolsonarismo, o papel dos militares e a possibilidade real de um golpe
Christian Lynch é colaborador do canal Meio, comandado pelo jornalista Padro Doria. É requisitado para dar entrevistas e colaborar com vários veículos de comunicação de abrangência nacional. É um pensador e observador arguto desse estado de coisas que o Brasil apresenta desde que, de forma inédita, é governado por alguém que opera no extremismo e no conflito constante; além de ser um historiador experimentado.
Já para definir o modo de fazer política de Bolsonaro — no que convencionamos chamar de “bolsonarismo” —, o cientista político resume como um “movimento reacionário que adota técnicas fascistas de mobilização”. Para ele, uma das estratégias é produzir um “pânico moral” na população, fazendo que uma parcela passe a crer que “seus valores estivessem permanentemente ameaçados”.
Edmundo Siqueira - Em 2016 tivemos movimentos de rua pró-impeachment de Dilma e, embora tivessem pautas difusas, a direita e a centro-direita se apoderaram daquele sentimento coletivo e souberam aproveitar melhor. A fidelidade da base eleitoral de Bolsonaro, e o engajamento que conseguem, mostram que a extrema-direita manejam melhor, atualmente, tanto as manifestações de rua, quanto o fazer político desse mundo digital. Já a esquerda parece ter perdido a capacidade de mobilizar as pessoas, para além da sua militância. Como você avalia esses movimentos e porque, hoje, o bolsonarismo consegue levar mais gente para a rua, como vimos no último sete setembro?
Christian Lynch - A crise da globalização levou a uma crise do cosmopolitismo e do progressismo, seja liberal ou socialista. O Bolsonarismo é um movimento reacionário que adota técnicas fascistas de mobilização de seus adeptos mais radicais. Ele está baseado no isolamento comunicacional de seu eleitorado e seu condicionamento pelo bombardeio de mentiras que lhe instilem desconfiança das instituições e de outras fontes de informação, levando-a ao pânico moral, como se seus valores estivessem permanentemente ameaçados. O medo produz o ódio, criando um radicalismo de enorme capacidade de mobilização.
Edmundo Siqueira - Christian, uma de suas teses é de que o golpe é uma ideia do Bolsonarismo, uma estratégia política para manter seus apoiadores mais radicais ativos. Embora existam muitos militares no governo, o alto comando se recusa a participar de ações evidentemente golpistas. E a conjuntura internacional também não favorece para um golpe nesse momento. Seguindo essa linha, parece ser mesmo improvável um golpe militar nos moldes 1964, porém os golpes mais modernos atuam corroendo a democracia por dentro, com o enfraquecimento das instituições e incentivando o ódio na população. Você acredita que um golpe “moderno” seria possível caso Bolsonaro vença em outubro? O voto útil no Lula se justifica, aderindo ao temor que o PT usar como estratégia política, prevendo um golpe militar e a manutenção de um “protofascismo”?
Christian Lynch - Há três tipos de golpe no ar. O primeiro, o clássico, militar, é mobilizado retoricamente como um "mito" capaz de mobilizar os bolsonaristas, para comprovar a tese da origem divina do poder de Bolsonaro (o golpe funciona como um milagre que salvará o "povo eleito" do comunismo ateu). Servem também para meter medo nos demais poderes, principalmente o judiciário, e intimidar os críticos, levando-os a aceitar medidas que não aceitariam normalmente.
O "golpe nosso de cada dia"
Christian Lynch - O segundo tipo golpe é aquele real, encoberto pelo primeiro, o "golpe nosso de cada dia". Golpe da PEC eleitoral, golpe dos decretos ilegais liberando as armas, golpes de APARELHAMENTO da administração para arruinar órgãos da saúde, direitos humanos, educação e cultura com gente desqualificada; intervenção na PF e na PGR, etc. São esses os pequenos golpes que vão vulnerando a democracia e que são praticados diante da inação d PGR, aparelhamento da PF, da AHU, da intimidação do STF e do TSE, etc.
O terceiro golpe é a arruaça pós eleitoral em caso de derrota. Bolsonaro não pode reconhecer a derrota porque isso seria renunciar à sua condição de encarnação viva dá vontade popular, de modo que ele acusara a fraude eleitoral e incitará seu eleitorado a encenar uma "insurreição popular contra a fraude".
A “arruaça” como barganha
Christian Lynch - Bolsonaro é o homem que luta contra o sistema de dentro do sistema; quem prepara e organiza as eleições são parte ou o epicentro do sistema (o judiciário), então está "claro" que lhe estão preparando uma fraude para impedir que prossiga restituindo ao povo o autogoverno de si mesmo por intermédio de sua própria pessoa. Mais pragmaticamente, o objetivo da arruaça é ter poder para negociar um acordo geral que lhe permita sair do poder ileso junto com seus filhos, generais e acólitos.