Edmundo Siqueira
18/04/2022 22:32 - Atualizado em 18/04/2022 22:38
Talvez o único consenso que há sobre a trama da novela trágica que se arrasta na Câmara de Vereadores é que ela precisa de um desfecho. Como todo enredo, o encadeamento de eventos que vão compondo as narrativas da trama principal precisa resultar em algo com princípio, meio e fim. E o fim depende de respostas a algumas perguntas.
Para respondê-las, os vereadores precisam se submeter ao estado democrático de direito e a prevalência das leis e regimento. As narrativas importam, mas elas precisam estar amparadas nos normativos quando tratamos de poder público.
A trama começa com a antecipação da eleição para a Mesa Diretora, onde a base governista perdeu, inclusive tendo o resultado declarado pelo candidato à reeleição derrotado, Fábio Ribeiro. Depois da “traição” do vereador Maicon Cruz — que havia acordado voto em Fábio —, e o “não voto” de Nildo Cardoso durante a votação, de forma nominal, a eleição foi anulada.
Em contragolpe, a oposição tenta a retomada da sessão que deu vitória a Marquinhos Bacellar na justiça, mas é negada em duas instâncias. Após paralisação por mais de um mês, as sessões foram retomadas com a abertura de processo para destituição da presidência da Casa. Dobrando a aposta, a situação abre procedimento para a perda de mandato dos 13 vereadores oposicionistas.
Esse fio de acontecimentos coloca a Câmara na situação que hoje se encontra: inoperante e com a imagem manchada. Algumas perguntas ainda parecem sem respostas. Quais sejam:
1 – Os 13 vereadores oposicionistas compõe um bloco parlamentar? A resposta a essa pergunta pode parecer sem importância, mas conferem aos 13 vereadores, que hoje se colocam como oposição, prerrogativas e vantagens legais e regimentais específicas. Eles, os 13, formariam um bloco parlamentar, de fato? Como tal, foi comunicado à Mesa Diretora a sua formação?
2 – Houve obstrução ou falta dos vereadores? As ausências dos vereadores de oposição aconteceram como forma de protesto, onde alegava-se abuso de poder por parte do presidente Fábio Ribeiro, e como forma de pressão para que a eleição da Mesa fosse retomada. Esse movimento pode ser caracterizado como “obstrução”, o que é legítimo das minorias em uma Casa Legislativa. O próprio regimento da Câmara de Campos, na seção sobre perda de mandato, ressalva o movimento para computar as faltas: “se em obstrução declarada por líder partidário ou de bloco parlamentar”.
Portanto, estando o vereador em exercício do seu mandato, em atividades inerentes ao seu cargo, mas não comparecer as votações como forma de obstrução, pode ser considerado um movimento político legítimo. Mas, os 13 representam um bloco parlamentar?
3 – É cassação ou perda de mandato? Uma vez considerada como faltas as ausências dos vereadores, e indeferidas as justificativas, é prerrogativa da Mesa Diretora decretar a perda de mandato, podendo ser de ofício, sem a necessidade de passar pelo plenário ou mesmo tendo o pedido de algum vereador.
Diz a Constituição Federal, no artigo 55: “Perderá o mandato o Deputado ou Senador (parlamentar municipal pode se equipara aqui): que deixar de comparecer, em cada sessão legislativa, à terça parte das sessões ordinárias da Casa a que pertencer, salvo licença ou missão por esta autorizada”.
Diz a Lei Orgânica de Campos, no artigo 14, inciso III: “Perderá o mandato o Vereador: que deixar de comparecer, em cada ano parlamentar, à terça parte das sessões ordinárias da Casa, ou a 05 (cinco) sessões em cada mês, mesmo não subsequentes, salvo por motivo de força maior, licença ou missão por esta autorizada”.
Diz o Regimento da Câmara, no artigo 14: “Compete à Mesa da Câmara, privativamente, em colegiado: declarar a perda do mandato do Vereador, de ofício ou por provocação de qualquer Vereador, do suplente de Vereador ou de partido político representado na Câmara, nas hipóteses previstas nos incisos III a VI do artigo 14 (acima) da Lei Orgânica do Município, assegurada ampla defesa".
Portanto, uma vez cumpridos os ritos necessários, é facultado à Mesa Diretora determinar a perda de mandato dos vereadores faltantes com justificativas indeferidas. É a lei, não a vontade do presidente. É, em última análise, a prevalência da lei e do regimento. Porém, foi assegurada a ampla defesa? Por qual meio?
Além de responder esses questionamentos, é preciso diferenciar o que se entende por perda de mandato e cassação. Este último ato, cassar um mandato de vereador, ou 13, cabe ao plenário da Casa, não à Mesa. Declarar perda de mandato por faltas nas sessões, sim, é ato próprio da Mesa.
4 – A quantas anda o processo de destituição do presidente da Casa? Foi lida em plenário uma “representação subscrita pela maioria absoluta da Câmara”, pelo vereador Anderson de Matos, um dos signatários, um pedido de destituição da Mesa Diretora da Câmara. Cumprido, ali, estritamente o regimento. Depois foi realizado o sorteio de “três vereadores, entre os desimpedidos, para constituírem a Comissão Processante”.
Novamente o regimento estava sendo cumprido, na íntegra. Mas, o que acontece depois disso? A Comissão Processante teria 48 horas para se reunir. O fez? Depois, três dias para notificar os acusados, o que abre um prazo de 10 dias apresentação da defesa. Tendo “posse ou não da defesa prévia, procederá (a Comissão) às diligências que entender necessárias, emitindo, ao final, seu parecer”. O parecer foi emitido?
O regimento não pode ser cumprido pela metade. Uma vez iniciados os ritos, eles devem ser finalizados. Assim como essa novela, os atos dos vereadores quando amparados por dispositivos legais devem ter desfecho. Assim como a cassação dos 13, a destituição deve ser decidida em plenário, após o parecer da Comissão.
Casa de Leis deve obedecer a elas – Demonstrando inabilidade para o diálogo, os 25 vereadores precisam, ao menos, respeitar os ordenamentos — internos e externos. Cabe a um Parlamento elaborar novas determinações legais ou alterar as leis vigentes. E para isso configura-se em um colegiado, que possui outros órgãos internos com capacidade decisória. São sempre decisões coletivas, e devem ser sempre pensadas na coletividade.
Não aceitar a derrota no voto e usar todas as brechas possíveis para tentar reverter o resultado é uma atitude que demonstra uso excessivo do poder conferido. Mas obedece aos ditames regimentais e utiliza interpretações possíveis de leis estabelecidas. Cassar 13 vereadores não cabe à Mesa, cabe ao plenário. Correr com votações depois dos possíveis suplentes tomarem posse, não é moral, embora, cumprido os ritos, legal. Mas cabe judicialização, neste caso.
Faltar às sessões é um ato de renúncia do parlamentar. Demonstra descumprimento de suas funções mais básicas e, de acordo com o Regimento, construído coletivamente, enseja perda de mandato. Porém não aconteceu isoladamente, fazia parte de um movimento de obstrução legítimo aos parlamentares. Não seriam faltas, e sim jogo duro parlamentar, mas dentro da democracia. Mas deixar inoperante um poder, fundamental em uma cidade que possui mais 137 mil pessoas em extrema pobreza, não é moral, embora possa ser considerado um movimento legítimo.
Quando o diálogo — em uma casa que precisa dele como instrumento — se mostra impossível, a lei deve imperar. E ela deve impor o desfecho desse enredo trágico.