Ato de Bolsonaro demarca território, mas sem alto impacto
Com pedido de anistia aos presos pelo ato de 8 de janeiro e exaltação a Elon Musk, empresário estadunidense, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) reuniu apoiadores na orla de Copacabana, no Rio de Janeiro, nesse domingo (21). O ato também atraiu campistas, como o vereador Tony Siqueira (PL). Para o sociólogo e professor da Universidade Federal Fluminense (UFF), George Gomes Coutinho, a manifestação foi um ato relevante, porém “dizer que se tratou de fato político de alto impacto e capaz de mudar as direções da conjuntura, é uma fantasia”.
Bolsonaro criticou o presidente Lula e os ministros do governo, citou Elon Musk como “mito” e voltou a defender a anistia para os presos pelos atos de 8 de janeiro – como já havia feito em São Paulo, no fim de fevereiro. “Quando eu estive com Elon Musk em 2022 começaram a me chamar de ‘mito’. Eu falei: ‘Não’ - aqui, em 2022 - ‘temos um mito da liberdade, Elon Musk’”, disse, antes de pedir palmas para o bilionário, que tem usado sua rede social, o X (antigo Twitter), para atacar o ministro Alexandre de Moraes por suspender da plataforma contas de apoiadores de Bolsonaro.
O ex-presidente voltou a falar sobre as eleições de 2022, que perdeu para Lula, mas alegou ter havido fraude nas urnas, sem nunca apresentar provas. Desta vez, disse que “não estava duvidando” e que era uma “página virada”. “O que mais nós queremos é que o Brasil volte à sua normalidade, que possamos disputar eleições sem qualquer suspeição. Afinal de contas, a alma da democracia é uma eleição limpa onde ninguém pode sequer pensar em duvidar dela. Temos problemas hoje em dia. Façamos a coisa certa. Não estou duvidando das eleições, página virada”, disse.
O sociólogo George Coutinho disse que “o ato funcionou como um comício para propaganda de determinados personagens e valores”.
— Foi um ato relevante que demarcou simbolicamente e na opinião pública brasileira a ação coletiva da extremadireita. Sim, demarcaram posição. O ato funcionou como um comício para propaganda de determinados personagens e valores. Também pode ser considerado um ato de inauguração de campanha da extrema-direita para as eleições municipais de 2024. Sempre lembro que as eleições de 2024 são interpretadas como a possibilidade de revanche eleitoral pela derrota deste grupo político em 2022 na disputa pelo governo federal — comentou.
George também analisou que, apesar da manifestação ter sido relevante, ainda é cedo afirmar que o ato foi de alto impacto. “Assim sendo, dizer que ‘flopou’, ou que a manifestação da extrema-direita em Copacabana foi um retumbante fracasso, me parece um grande erro analítico e político. Mas, daí a dizer que se tratou de fato político de alto impacto e capaz de mudar as direções da conjuntura, é uma fantasia. Os pouco mais de 30 mil indivíduos presentes no ato indicam a capacidade de mobilização da extrema-direita brasileira. Contudo, parece que os grandes movimentos de massa deste lado do espectro político talvez estejam refluindo. É preciso aguardarmos novas tentativas de organização de ação coletiva nos curto e médio prazos para confirmarmos essa hipótese. Podemos explicar essa perda de fôlego, que pode ser momentânea ou não, pela derrota de 2022, a perda de controle sobre a máquina federal dos Bolsonaro e o processo de enfrentamento dos setores pró-democracia em diversas instâncias. Aparentemente o bolsonarismo enquanto movimento pode ter sentido as reações, a exposição penal-judicial, etc”, avaliou.
Vereador campista esteve no ato
O vereador campista Tony Siqueira participou do evento e postou nas redes sociais. “Participei da manifestação pacífica com o presidente Jair Bolsonaro em Copacabana. Trabalhamos diariamente em prol da família, da liberdade e do nosso Brasil. É muito gratificante ver essas pessoas indo ao evento por vontade própria, todos om a mesma missão: ter um país livre!”, postou Tony em suas redes sociais.
O sociólogo George Coutinho comentou o ato visava se apropriar da Inconfidência Mineira. “O ato, como sempre organizado utilizando as diferentes redes sociais como via de aglutinação e propaganda, visava se apropriar do simbolismo da Inconfidência Mineira, e da própria imagem de Tiradentes, em nome de uma leitura muito particular da ‘liberdade’ enquanto valor, premissa jurídica e prática social. Digo se tratar de uma percepção muito particular por apresentar uma recepção singularíssima da Primeira Emenda da Constituição dos EUA, portanto, de uma premissa jurídica alheia a nossa própria Constituição. Digo se tratar de uma recepção singular da Primeira Emenda pela extrema-direita nativa ignorar as aplicações práticas da defesa da liberdade de expressão em solo estadunidense (por exemplo, não há sigilo inviolável de fonte jornalística nos EUA). E além disso, por óbvio, não faz qualquer sentido inserir a fórceps um princípio jurídico totalmente alheio aos nossos princípios e cultura jurídica... Aqui mais uma vez os patriotas caem em uma contradição performativa: a soberania jurídica pode ser descartada de acordo com a ocasião. A premissa é tão criativa quanto querer utilizar o código penal da Austrália para julgar réus no México”, analisou.
Ataques couberam a Silas Malafaia
Sobre a exaltação de Elon Musk, George observou o empresário como o novo “Messias” para a extrema-direita.
— Bastante curiosa a rapidez como a extrema-direita buscou um novo objeto de adoração, um novo Messias. Bolsonaro, bastante debilitado com a justiça brasileira, parece ter cedido lugar na ocasião do 21 de abril para um outro personagem masculino que, aparentemente, atende às projeções de poder, autoridade e representa os valores daquelas milhares de pessoas. Elon Musk, presente em camisetas, slogans e cartazes, talvez seja a “fonte de testosterona” clamada pelo deputado Nikolas Ferreira. Precisamos confirmar o quanto essa identificação com o novo objeto irá persistir...e arrisco dizer que talvez não dure tanto tempo. A postura ambígua de Musk até mesmo sobre a atuação das redes sociais na China talvez redunde em algo tão sólido como os romances ocorridos no Carnaval brasileiro: algo de curta duração e usualmente sem maiores consequências — disse Coutinho.
Diferente de atos anteriores, coube a aliados o papel de fazer críticas às instituições brasileiras. Nesse domingo, o líder religioso Silas Malafaia foi o porta-voz da vez.
Para Coutinho, o comportamento de Bolsonaro foi mais comedido devido a consequências de investigações nas quais é alvo.
— Bolsonaro se encontra suficientemente submerso nas possíveis consequências das investigações da polícia federal em curso. Por isso seu comportamento mais comedido. Todavia, há os megafones da extrema-direita que ali estão para reafirmar valores, destacar inimigos, etc... Houve a terceirização do extremismo de Bolsonaro para emissários. Neste sentido, o pastor Silas Malafaia se destaca de maneira inconteste antes e durante o ato de Copacabana. Antes do ato ele já produziu lamentável episódio de chantagem com o judiciário brasileiro: tal como os valentões, intimidou o judiciário dizendo representar milhões de pessoas da fé cristã e, caso fosse preso, sugere ele não poderia conter “seu povo”. No ato vocalizou ataques ao STF, fez ameaças e insuflou as narrativas de perseguição que estão no imaginário da extrema-direita... além de representar mais um passo contra a laicidade no sistema político brasileiro. Eis o ponto que mais me preocupa. Esta indesejável conexão entre religião e sistema político tem dado energia para os diferentes regimes autoritários e fundamentalistas pelo mundo. Não precisamos de mais esse problema — concluiu.