José Eduardo: Transtorno de jogo eletrônico (gaming disorder)
Bem, hoje, na seara psicológica, aproveitando minha especialização em Saúde Mental, com foco em adolescentes e adultos, vamos discorrer, brevemente, sobre uma patologia que se insere no contexto de nossa vida cotidiana, muito das vezes, inocentemente incentivada pelos próprios pais e que depois de instalada, tem por condão trazer inúmeros colapsos familiares, podendo chegar a contextos drásticos. Trata-se do conhecido, em linguagem coloquial, como “Jogo Patológico”, sendo um transtorno psiquiátrico que vivenciamos há muito tempo, mas agora intensificado pela pluralidade de instrumentos e possibilidades disponíveis full time. É uma forma de transtorno do espectro impulsivo-compulsivo, de tendência alienante e que pode evoluir para agressividade.
É comum, hodiernamente, com o advento dos celulares com características smart, multifacetados e em rede global, que estes possam, até por razões laborais, estarem inseridos na rotina diária, além, é claro, de propiciarem momentos de desprendimento, conhecimento e lazer. Por estas razões, inclusive no sentido da inclusão digital, é comum pais ofertarem consoles, celulares, tablets ou similares para que menores impúberes possam divagar pelas brumas do desconhecido. Ocorre que o uso fora do contexto específico e estritamente regrado, conduz, invariavelmente, a transtornos comportamentais e sociais, desaguando na conceituação atual de “Gaming Disorder”, sendo uma dependência arraigada do uso persistente dos games, seja inespecífico, off-line ou on-line.
Uma das probabilidades de antever ou mesmo tratar um paciente com este transtorno é o fortalecimento dos laços familiares, com ações que tangenciem o uso excessivo dos games, de forma a “desmamar” o paciente, sem operar a abstinência ou de forma reduzida que possibilite a intervenção psiquiátrica, psicológica e familiar. Note que os jogos eletrônicos, mídias sociais e demais dispositivos eletrônicos não são, via de regra, perniciosos, mas sim a falta de controle sobre o uso dos mesmos. Muito se discute nos dias atuais sobre a influência eletrônica na vida cotidiana, ainda mais com o avanço acelerado (exponencialmente) das IAs (inteligências artificiais), bem como o efeito que tais inovações podem conduzir sobre a Raça Humana.
Os jogos digitais, ab initio, são condutores de incentivo cognitivo, aprimorando conhecimento sobre questões sociais e sendo um precioso aporte evolutivo e na formação educacional. A questão, como tudo na vida, é o excesso desmensurado. Um dos primeiros sinais que emergem é a diminuição do sono, disponibilidade, com os jogos incessantes, levando a queda de desempenho, torpor, ocasionando uma disrupção social, progredindo para agressividade, diminuição extrema da autoestima e, por fim, um retraimento quase total do convívio humano, salvo nas intersecções com parceiros dos jogos, isso considerando apenas o universo online. Estudos ainda convergem no sentido que muitos tipos de jogos estimulam a violência e o despudor quanto à humanidade, podendo reforçar traços de esquizofrenia e até mesmo de psicopatia. Tais jogos estimulam um ambiente onde há ausência de limites no uso do vernáculo (xingamentos), com postura de racismo, homofobia e xenofobia, entre outras, que passam a ser consideradas como “normais”.
Neste passo, a “Gaming Disorder” - dependência em jogos eletrônicos - foi reconhecida como Distúrbio de Saúde Mental pela Organização Mundial da Saúde (OMS), com uma esquematização para análise do momento em que o paciente estaria inserido, em três graus (descontrole, priorização e inserção total), de forma que o terapeuta possa entender o contexto e prescrever a forma de atuação mais efetiva e consistente. Assim, identificado tal comportamento na pré-adolescência ou adolescência, os profissionais envolvidos (pediatra, psiquiatra e psicólogo) devem atuar de forma conjunta, trazendo para a terapia, necessariamente, os responsáveis (nem sempre os pais), de forma que este “combo desintoxicante” possa revelar novamente, as cores do mundo real a este paciente que se encontra alienado no mundo virtual.
Pela OMS, na CID-11, a “Gaming Disorder” é classificada com o CID 6C51, sendo que se tratando de jogos inespecíficos, o detalhamento da CID é 6C51“Z”; se predominantemente online seria 6C51“0” e se predominantemente off-line, seria 6C51“1”. O fato é que se trata de um transtorno que cresce assustadoramente, na mesma proporção que o cenário eletrônico e os jogos são colocados à disposição de seres humanos ainda pouco habilitados para tarefas de autocontrole, sendo que sua presença causa a ruptura com as atividades rotineiras diárias de inter-relação social, trazendo evidentes consequências negativas, a ponto de ruir a estrutura familiar. Não obstante, trata-se de transtorno tratável, notadamente nos graus iniciais, onde a detecção é fundamental para o sucesso, bem como a inserção familiar no contexto do tratamento. Caso tenha identificado um caso similar, procure um profissional abalizado que possa, não somente iniciar a terapia, como indicar demais profissionais que atuarão em conjunto na busca da Saúde Mental. Cuide de si e dos seus entes queridos. Até a próxima.
* José Eduardo Pessanha da Silva é Psicólogo Clínico, com especialização em Saúde Mental.
* José Eduardo Pessanha da Silva é Psicólogo Clínico, com especialização em Saúde Mental.