Felipe Manhães: O que a sociedade espera de um juiz?
Está cada vez mais comum o noticiário estampar matérias sobre juízes e desembargadores suspeitos de práticas corruptas, antiéticas, que extrapolam suas funções em benefício próprio ou abusam do “poder” que detém, e aí, ponho entre aspas pois esse conceito de poder já mudou faz tempo.
Tanto é que existe o CNJ e as Corregedorias, que não estão vazias de procedimentos investigatórios. Somente nos últimos dias dois episódios vieram a público.
O Superior Tribunal de Justiça determinou o afastamento do desembargador Ivo de Almeida, do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, suspeito de vender sentenças. A determinação partiu do ministro Og Fernandes, relator da “Operação Churrascada”. A residência e o gabinete do desembargador de 66 anos, no centro da capital paulista, foram alvos de buscas.
No outro episódio, o Conselho Nacional de Justiça aposentou compulsoriamente o juiz Pedro Jorge Melro Cansanção, da 13ª Vara Cível de Alagoas, por alterar a minuta de uma decisão de outra vara, em um processo que não estava sob sua responsabilidade, para ajudar seu próprio filho, que nele atuava como advogado.
Na prática, o juiz se aposenta com vencimentos proporcionais ao tempo de serviço.
Sem a menor dúvida, para 99,9% da população brasileira, essa “punição” mais parece um presente de Natal. É o castigo que todos gostariam de ganhar.
É quase clichê falar que “todo o poder emana do povo”, frase que está insculpida na nossa Constituição, mas é exatamente isso.
É preciso retirar essa pecha de “poder” que marca esse e outros cargos públicos, pois os servidores têm, previstos em lei, muito mais deveres do que “poderes”.
Não estamos mais no século XIX. O juiz e até mesmo o advogado ou médico não são e nem devem ser aquelas figuras quase sobre-humanas que detinham um conhecimento tão inalcançável à grande maioria da população, que eram tratados quase que com temor.
A realidade que deve ser posta em prática pelos próprios e pelo povo é que os juízes são servidores públicos, tal como todos os outros que integram o Poder Judiciário. O poder não é do indivíduo, é do Estado. É o exercício de uma função do estatal através de um agente público.
Não há razão, nos tempos modernos em que vivemos, em tratar um servidor público com mais respeito, formalismo ou reverência do que outro. Todos prestaram concurso público e todos são remunerados pela mesma fonte, o Estado, que é mantido pelos impostos pagos pelo povo.
Muitos podem considerar que a função do juiz é mais importante, mais difícil, ou mais essencial à sociedade, do que as outras que giram em torno de um processo judicial. Mas, se retirarmos a figura do advogado do processo, simplesmente não haverá processo. Se retirarmos a figura dos servidores que trabalham na vara, tudo, e absolutamente tudo, vai parar. Se retirarmos as partes do processo, todos estarão desempregados. Ou seja, tudo isso que chamamos de Poder Judiciário, fórum, processo, simplesmente deixaria de existir se faltasse apenas um desses elementos que o compõem. Logo, todos são importantes, todos são essenciais, e todos devem ser tratados com o mesmíssimo respeito.
Essa figura do juiz que as pessoas têm que reverenciar, chamar de excelência, esse medo, essa submissão, é coisa de dois séculos atrás. E há dois séculos o mundo era outro. Mulheres e animais tinham quase os mesmos direitos, não havia cidadania, democracia, não escolhíamos nossos representantes, a escravidão era normal em quase todo o planeta. O mundo inteiro é outro.
Pessoas cada vez mais jovens ocupam o cargo de juiz, com trinta e poucos anos e até menos. Essa geração vem despida dessa formalidade empoeirada, e cheia de objetividade, produtividade e eficiência, que é o que o jurisdicionado precisa e tem direito. É assim que devia ser, há muito tempo. Em vez de se preocuparem em chamar ou serem chamados de excelência, estão mais interessados em resolver o problema das pessoas e dar conta da quantidade enorme de processos que têm para julgar.
De fato, decidir algo sobre a vida de uma pessoa é realmente muito poder, só que esse poder não advém da caneta ou da vontade do juiz, mas da lei, e se essa não for clara, ou der azo a interpretações, deve ser aplicada a forma que a jurisprudência majoritária assim consolidou. E ponto.
O magistrado é aplicador da Lei, está amarrado a ela e não pode criá-la ou mudá-la. Esse papel é do legislador. Esse, sim, tem que “dar a cara a tapa” nas ruas de quatro em quatro anos e representar a vontade do povo no Congresso Nacional, nas Assembleias Legislativas e nas Câmaras de Vereadores, e ser julgado por ele.
É cafona, é feio, é antigo, é exigir uma superioridade que não se tem e não se deve ter. A simplicidade é muito mais bonita.
É hora de evoluir.
*Felipe Manhães é advogado