Arthur Soffiati - As três baixadas do norte fluminense
* Arthur Soffiati 15/06/2024 12:09 - Atualizado em 15/06/2024 12:09
Em 1933, foi criada a Comissão de Saneamento da Baixada Fluminense pelo governo federal. A finalidade era promover a drenagem sistemática das áreas baixas do estado do Rio de Janeiro, empreendimento a que se destinaram cerca de nove comissões anteriores sem o resultado esperado. Para dirigir o novo órgão, foi designado o engenheiro Hildebrando de Araujo Góes. Ele reuniu os relatórios das comissões anteriores para sintetizá-los num só, que seria o ponto de partida para o grande empreendimento. Em 1934, ele apresentou o relatório “Saneamento da Baixada Fluminense” (Rio de Janeiro: Ministério da Viação de Obras Públicas).
Pelo título, tem-se a impressão de que ele identificou apenas uma baixada porque esta palavra figura no singular. Mas, ele identificou quatro: Sepetiba, Guanabara, Araruama e Goitacazes. Das quatro, a maior é a de Goitacazes. A divisão simplificava a realidade para fins objetivos de obras de drenagem. Não existiam ainda estudos detalhados de geologia e formação geológica. Contava-se, em 1934, com estudos de Everardo Backeuser, ainda incipientes. Alberto Ribeiro Lamego ainda não havia publicado “O homem e o brejo”, (Rio de Janeiro: Conselho Nacional de Geografia, 1945), em que propõe a primeira tese sobre a formação da planície dos Goitacazes.
No mapa com as baixadas fluminenses apresentado por Hildebrando de Araujo Góes, a planície dos Goitacazes é bem maior que as outras por reunir a mais antiga área serrana do estado, hoje classificada como formada por colinas e maciços costeiros (Mapa Geomorfológico. Projeto RadamBrasil, 1983), uma pequena unidade de tabuleiros junto à lagoa Feia e outra entre os rios Paraíba do Sul e Itabapoana (com idade estimada de 5 milhões de anos), a restinga de Jurubatiba (com idade de 123 mil anos), a planície da bacia do rio Macaé, que começou a se formar a partir de 5.100 anos antes do presente, e a planície constituída pelo rio Paraíba do Sul.
Em 1950, Renato da Silveira Ramos, em seu clássico livro “Paisagens culturais da Baixada Fluminense” (São Paulo: USP), exclui da baixada dos Goitacazes a zona de colinas e maciços costeiros, os tabuleiros e a planície fluvial da bacia do rio Macaé, conservando a planície fluviomarinha do rio Paraíba do Sul e a restinga de Jurubatiba.
Em 1997, os geólogos Louis Martin, Kenitiro Suguio, José M. L. Dominguez e Jean-Marie Flexor publicam “Geologia do Quaternário Costeiro do Litoral Norte do Rio de Janeiro e do Espírito Santo” (Belo Horizonte: CPRM, 1997), sintetizando artigos escritos anteriormente que defendem nova tese sobre a formação da planície do rio Paraíba do Sul. Ela se compõe de uma parte aluvial e outra parte de restinga. É relativamente recente, começando a se formar após o fim do último grande avanço do mar (transgressão marinha) sobre o antigo continente de tabuleiros. Chegando à beira da lagoa de Cima (dentro da zona de colinas e maciços costeiros, o mar começou a recuar (regressão) e o rio Paraíba do Sul foi formando uma planície aluvial com sedimentos transportados da zona serrana e dos tabuleiros. Essa planície foi arrematada por uma restinga formada por correntes marinhas. Seus limites se estendem do rio Guaxindiba a Barra do Furado. Dela, ficam excluídos a área de colinas e maciços costeiros, os tabuleiros e a restinga de Jurubatiba, a mais antiga planície da região, com 123 mil anos.
Assim, a grande baixada dos Goitacazes que figura no mapa de Hildebrando de Araujo Góes em 1934 foi sendo desmembrado ao longo do tempo. A área geológica mais antiga incluída nele é a de colinas e maciços costeiros. Ela é drenada principalmente pelos rios Macabu e Urubu, tendo a lagoa de Cima como principal corpo hídrico receptor. Em seguida, por ordem de antiguidade, figuram as unidades de tabuleiros, que formavam uma apenas e que foi separada pelo grande avanço do mar entre 7 e 5.100 anos antes do presente. Sua idade é estimada em 5 milhões de anos. Em seguida, a restinga de Jurubatiba, entre Barra do Furado e a foz do rio Macaé, com 123 mil anos. Ela resistiu ao avanço do mar por ser alta e sofreu um processo de rebaixamento (subsidência). Depois, a planície fluviomarinha do rio Paraíba do Sul, formada nos últimos 5.100 anos. Paralelamente, com o recuo do mar (regressão), formou-se também, nesses últimos 5.100, a planície aluvial da bacia do rio Macaé. Trata-se do antigo Brejo da Severina, um grande banhado no baixo curso do rio Macaé, seu afluente São Pedro e a bacia independente do rio dos Quarenta.
Essas são as três planícies independentes do norte fluminense. As do Paraíba do Sul e de Jurubatiba apresentam continuidade territorial, mas formaram-se em tempos distintos. A segunda é mais antiga que a primeira e conta com muitos estudos promovidos pelo Núcleo de Pesquisas de Macaé (ligado à UFRJ), mas carece ainda de maior conhecimento quanto à formação geológica. O divisor de ambas é o canal da Flecha. A terceira, correspondente à baixa bacia do Macaé, foi drenada pelo Departamento Nacional de Obras e Saneamento a partir do fim da década de 1960 e também carece de mais estudos.

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