Marcão Gomes: Atenção às fake news
Apesar da crença comum de que quase todo o Brasil está conectado, pesquisas revelam que, embora mais de 90% dos domicílios brasileiros tenham acesso à internet, 76% dos brasileiros com mais de 16 anos não conseguem utilizar a internet diariamente. Essa desconexão é mais evidente entre as classes C, D e E, negros, moradores de periferias e aqueles com menor escolaridade.
As pesquisas apontam que o acesso à internet nas classes C, D e E foi disponível, em média, por apenas 23 dias no último mês, demonstrando as dificuldades enfrentadas por esses grupos. O alto preço dos planos e aparelhos, a instabilidade no sinal, a velocidade baixa e a qualidade do sinal são as principais barreiras para a conexão.
O abismo digital entre ricos e pobres é agravado pela limitação de acesso e pelo tamanho restrito dos pacotes de dados. O estudo aponta que entre os usuários de planos pré-pagos, 74% acessam a internet apenas em locais com wi-fi, adotando práticas de “autoprivação” para economizar dados. Esses consumidores, principalmente das classes C, D e E, ficam restritos a conteúdos e aplicativos patrocinados após o término da franquia, como WhatsApp e Facebook.
Essa realidade tem implicações significativas no comportamento dos eleitores, reforçando a tendência de polarização eleitoral. A limitação de acesso a redes sociais e a restrição no pacote de dados contribuem para a formação das chamadas “Bolhas de Filtro”. Nesse ambiente restrito, os eleitores acabam pesquisando poucos temas, se conformando com um padrão de gostos e interesses.
A proliferação de fake news é alimentada pela precariedade do acesso à internet. Um estudo revela que 49% dos brasileiros das classes C, D e E deixaram de buscar notícias por falta de acesso à internet, e 40% deixaram de pesquisar se uma informação era fake news. Os modelos de internet móvel contribuem para aprisionar internautas dessas classes ao WhatsApp, aumentando a disseminação de desinformação.
Em um exemplo recente na Argentina, durante o segundo turno das eleições, o presidente eleito, Javier Milei, utilizou uma deepfake contra seu adversário Sérgio Massa. O vídeo manipulado expunha Massa fazendo uso de substâncias ilícitas. Essa prática exemplifica o avanço da desinformação, agora potencializada pela inteligência artificial, e ressalta a urgência de lidar com crimes digitais.
A deepfake tornou-se uma arma sofisticada na disseminação de fake news, ampliando escala, velocidade e alcance. No entanto, o desafio reside na falta de preparação para crimes digitais, conforme apontado pelo ministro do STJ Sebastião Ricardo.
A situação também é crítica no Brasil, como evidenciado nas eleições de 2022, quando a ministra Cármen Lúcia, do TSE, ordenou a remoção de vídeos com deepfakes que visavam difamar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Essas manipulações audiovisuais, ao criar discursos falsos, representam um perigo iminente para a integridade eleitoral, exigindo medidas efetivas para enfrentar esse desafio digital.
A conclusão a que se chega é que a ideia de um Brasil totalmente conectado é um mito. Prevalecem os subconectados, com limitações de acesso a redes sociais e dados, enfrentando severas dificuldades na distribuição de comunicação para quase 90% da população brasileira. É imperativo que todos os setores da sociedade, incluindo cidadãos, instituições políticas e plataformas digitais, assumam a responsabilidade coletiva no combate efetivo às técnicas prejudiciais, preservando assim a essência e integridade da democracia. Sigamos em frente.
*Marcão Gomes é advogado