Resistência ao mar para continuar a viver em Atafona
27/11/2021 08:02 - Atualizado em 02/12/2021 19:09
Avanço tem sido constante entre a foz e os escombros do Julinho
Avanço tem sido constante entre a foz e os escombros do Julinho / Aluysio Abreu Barbosa
Ter o mar na porta de casa pode ser o sonho de muitos, mas em Atafona, que há sete décadas sofre com a erosão costeira, tem sido um pesadelo para os moradores. Alguns resistem, buscam apoio do poder público em uma tentativa cada vez mais distante de contenção do mar. O sentimento local é de uma luta sem perspectivas de vitória, apesar de intervenções no mesmo sentido estarem acontecendo em cidade com Balneário Camboriú (SC) e Gurapari (ES), na praia de Meaípe. Há quem resista às investidas do mar, que nos últimos dias tem avançado de maneira mais severa entre a foz do Paraíba e os escombros do antigo prédio do Julinho. Contudo, a força do oceano sempre vence e parte de uma residência foi levada. A Prefeitura de São João da Barra informou que vai retomar um diálogo com Instituto Estadual do Ambiente (Inea) para um projeto de contenção — as conversas, e existem três projetos, foram iniciadas em 2015. Apesar de o problema ser antigo, o município informou que ainda estuda a elaboração de um projeto para construção de casas para as famílias afetadas pelo avanço do mar. “Protegidos” por morrinhos de areia, levantados pela Defesa Civil a cada maré alta, moradores da localidade da Baixada temem que sejam os próximos a terem as casas levadas pela força das águas.
Nascido em SJB, mas com vivência em Atafona desde criança, é provável que ninguém o reconheça quando se apresenta pelo nome de batismo: Edivaldo Gonçalves, de 60 anos. Já o “Nino”, é figura conhecida na praia. Há oito anos ele mora em uma residência que já havia sido atingida pelo mar. Hoje, convive com as forças das águas na porta. Desalentado quanto a uma solução de contenção, insiste em recuar a cerca do que sobrou da casa — na última quarta-feira (24), repetia o ato pela terceira vez. Vizinho da casa do casal Vitória Sciammarella e Paulo Maia, que caiu, em parte, neste mês, Nino conta que se recusou a deixar o seu lar, mesmo sendo orientado pela Defesa Civil.
Nino recua a cerca da sua casa pela terceira vez, após várias investidas do mar
Nino recua a cerca da sua casa pela terceira vez, após várias investidas do mar / Arnaldo Neto
Antes de o mar chegar, ele derrubou o primeiro quarto. Assim, na visão dele, a estrutura do restante da casa — um banheiro e um pequeno espaço onde ficam seus santos de devoção; um quarto e cozinha— ficaria menos comprometida do que se o cômodo fosse levado pelas ondas. Nino diz não ter medo do mar, mas deseja construir ao menos um quarto e banheiro em Chapéu de Sol, em um pedaço de terra cedido por um amigo. Porém, desempregado, não tem como começar a construir:
— Eu fui até a casa da prefeita (Carla Machado, PP), ver de que forma ela poderia me ajudar. Ela mandou eu procurar a Carla Caputi(DC, vice-prefeita e secretaria de Assistência Social. O que me ofereceram foi um aluguel social. Mas aí, o pagamento atrasa, é difícil encontrar casa no valor do benefício e eu estou desempregado. Não vou correr o risco de ser despeja. Prefiro continuar aqui. Se eu conseguisse o material de construção, poderia ir começando o meu barraco novo (informando que ele mesmo ira construir) e enquanto isso continuaria aqui.
A administração municipal informou, em nota, que “auxilia as famílias com o Cartão Cidadão, cestas básicas e aluguel social para as que concordam em sair. A Prefeitura está em dia com o pagamento do aluguel social, que é feito diretamente ao usuário e ele deve mensalmente levar o recibo ao Cras. O valor do aluguel social é de até R$ 400”. Diz ainda que “há um estudo sendo elaborado para construção de casas para as famílias afetadas pelo avanço do mar em Atafona. O projeto terá como prioridade as famílias que estão em aluguel social”.
Em setembro, o presidente da Câmara, Elísio Rodrigues (PL), propôs um projeto para que o município realizasse reformas de residências, sobretudo daqueles que estão no aluguel social porque seus imóveis estão comprometidos. Como o projeto não foi fechado, existia a possibilidade de se enquadrar casos até como o do Nino, que precisa construir em outro lugar, já que vive com o risco de ser atingido pelo mar. Mas nada avançou.
Outro pedaço do muro
Antes de Nino recuar a cerca três vezes para não deixar a casa, Sônia Ferreira, 77 anos, saiu da principal residência do seu terreno, e se mudou para uma casa mais modesta, na qual ficavam documentos guardados. O motivo da troca também foi o avanço do mar. A alternativa foi a que encontrou para continua no lugar que escolheu para viver, sem descumprir o combinado dela com os filhos, que era o de sair de casa quando o mar atingisse o muro do terreno. Nos últimos dias, mais um pedaço foi levado. O mar está atingindo a casa pelo lateral, em diagonal, uma vez que parte da área é protegida pelo escombros do Julinho. Ainda que sentida por ver mais um pedaço do seu imóvel levado, Sônia lamentou, nas redes sociais, o que ocorreu com os vizinhos no último dia 16. “Mais uma casa caindo em Atafona, residência dos queridos vizinhos Vitorinha e Paulinho... E nada acontece”, cobrou.
Morrinhos de areia
Morrinhos de areia para
Morrinhos de areia para "proteger" as residências / Arnaldo Neto
Três possíveis soluções para conter o avanço do mar foram apresentadas nos últimos anos. Em recente entrevista ao Folha no Ar, a secretária de Meio Ambiente de SJB, Marcela Toledo, afirmou que, em julho do ano passado, o Inea emitiu um parecer ponderando não haver comprovação de eficiência dos projetos apresentados e que seriam necessários novos estudos. No próximo dia 7, será realizada uma reunião da Câmara Técnica de Erosão Costeira do Conselho Municipal de Meio Ambiente. A Prefeitura informou que “será encaminhado um documento elaborado na reunião para retomar o diálogo com o Inea”.
Por ora, “a Defesa Civil Municipal faz o monitoramento diário da situação do mar no Pontal, monitora também os alertas de ressaca da Marinha e todas as condições meteorológicas. Com a lua cheia e a lua nova as marés têm sido altas e são feitas contenções com areia, que são autorizadas pelo Inea. Quando ocorre maré mais forte as contenções não suportam e algumas casas são atingidas pela água do mar. A Defesa Civil faz a limpeza das valas para escoar a água”.
Em recente ação, a Defesa Civil retirou árvores secas do antigo manguezal que ficava atrás de residências da Baixada. A ação repercutiu nas redes sociais, como se fosse negativa, mas moradores elogiaram a atitude. “As árvores caíram no meu muro e o mar jogou areia em todo o encanamento existente há anos. Várias árvores estavam mortas”, relatou Ana Beatriz Amaral, moradora da Baixada, que tem a casa, agora, na direção do mar, protegida pelos “morrinhos” de areia.
Inscrições bíblicas em casas sendo levadas pelo mar
Inscrições bíblicas em casas sendo levadas pelo mar / Arnaldo Neto

Inea aguarda documentos para análise e técnico defende projeto

O Inea não respondeu diretamente sobre o questionamento da inviabilidade dos projetos de contenção em Atafona. Informou, mais uma vez, que “recebeu requerimento de licença ambiental prévia da prefeitura de São João da Barra para implantação de solução elaborada pelo Instituto Nacional de Pesquisas Hidroviárias (INPH), visando a recuperação da orla de Atafona. Entretanto, como a prefeitura não apresentou o Estudo de Impacto Ambiental/Relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA), com os projetos necessários para o licenciamento ambiental, o Inea permanece aguardando o atendimento destas exigências para prosseguir com a análise”. O órgão ambiental estadual complementa que “entende a complexidade do assunto, e está aberto para buscar soluções, ainda que as mesmas envolvam competências compartilhadas com outros entes federativos”, conclui a nota.
O geógrafo Eduardo Bulhões, professor na Universidade Federal Fluminense (UFF), diz desconhecer a posição contrária do Inea contra a viabilidade das propostas de contenção do avanço do mar. Afirmou ter em mão um parecer da 4ª Câmara de Coordenação e Revisão (Meio Ambiente e Patrimônio Cultural) do Ministério Público Federal (MPF) “que pontuou as dificuldades de recomendar algum projeto em particular uma vez que as bases de comparação entre as propostas disponíveis não são as mesmas. Tal relatório recomendou por fim a necessidade de um Estudo de Viabilidade Técnica, Econômica e Ambiental (EVTEA) como o ponto de partida para se eleger uma melhor solução para a erosão costeira em Atafona”.
Bulhões assinou um dos projetos de recuperação da orla, com a transposição artificial de areias do leito do Paraíba do Sul, para a recomposição da praia. “À época, os custos giravam em torno de R$ 40 milhões. No entanto, tudo isso precisa ser revisto, pois há variações importantes na forma como tal recuperação pode ser feita e nos custos da operação propriamente dita”, observou o geógrafo.
Eduardo ainda destaca que a questão da erosão em Atafona tem mais de uma causa para ser explicada: “Uma das mais importantes, e notórias, é que ela guarda uma relação direta com a redução na vazão do rio Paraíba do Sul. As vazões mínimas históricas ocorrem entre os meses de agosto a novembro e é de se esperar que nesta época do ano a praia sofra um pouco mais com o fenômeno. Então, mesmo que chova mais do que o normal nesses meses, não é de se espantar que o problema continue a ocorrer”.
Mar causa destruição na área do Pontal desde os anos 1950
Mar causa destruição na área do Pontal desde os anos 1950 / Aluysio Abreu Barbosa
*Publicado na edição desta sábado (27) da Folha da Manhã

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