Nove palavras que você pode usar para ameaçar a democracia brasileira nesse feriado - veja lista
06/09/2021 15:49 - Atualizado em 06/09/2021 15:51
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O Brasil está submerso em crises inócuas que afetam sobremaneira a democracia, invertendo significados linguísticos e se apropriando de símbolos nacionais. Ou poderíamos dizer: “o Brasil está afundado em problemas que não existem por causa de políticos que manipulam a gente”.
As duas frases dizem o mesmo, mas são formas distintas de se expressar que não são inocentes, despretensiosas. Principalmente quando falamos em política. Direita e esquerda manipulam narrativas, linguagem e símbolos desde sempre, mas um fenômeno recente — que não é exclusividade brasileira — fez ressurgir uma direita radicalizada e disposta a ocupar espaços de poder por meio de elementos que, tradicionalmente, a esquerda dominava. Quer dois exemplos? Manifestações de rua e manipulação da linguagem.
Poder executivo e judiciário estão em uma briga de foice. Mais especificamente, Jair Messias Bolsonaro e o Supremo Tribunal Federal. Amanhã, 7 de setembro, Dia da Independência, estão marcadas diversas manifestações de rua Brasil a fora. São atos da direita, justificados pela defesa da “liberdade”. Para os apoiadores do presidente, o STF é um "vilão a ser combatido", cerceador de garantias fundamentais alheias.
"Nós vamos todos juntos falar que com a nossa liberdade, não. Eu jurei dar a minha vida pela pátria, vocês juraram pela liberdade." Disse Bolsonaro para inflamar seus apoiadores, no último sábado, em evento ultraconservador.
A liberdade e a realidade
Mas a realidade não é apoiada em narrativas e deturpações de significados linguísticos. A “liberdade” defendida pela claque bolsonarista, por exemplo, é confundida com ameaças armadas aos poderes da República. Um ex-parlamentar que ensina em vídeo a matar policiais, e instiga a invasão de prédios públicos, não está usando de sua liberdade, está cometendo crime. Além disso, pedir intervenção militar é incompatível com qualquer definição possível de liberdade.
Ex-deputado Roberto Jefferson em vídeo que ameaçava instituições brasileiras.
Ex-deputado Roberto Jefferson em vídeo que ameaçava instituições brasileiras. / Reprodução
A direita brasileira parece ter aprendido como levar as pessoas para as ruas. Enganando-as, mas acharam um caminho. Criar inimigos ocultos — ou inexistentes, de fato — faz parte da farsa. Uma Corte superior malvada, ou uma ameaça comunista que não faz sentido no Brasil — sequer fazia quando ela realmente existia na geopolítica mundial. Alias, parte do militarismo chama o evidente golpe de 1964 de “contrarrevolução”. Espantalhos linguísticos, somente. Mas que engana incautos até hoje.
Bolsonaro ganha de lavada do Supremo quando o assunto é comunicação de massa. Enquanto a Corte apela para excesso de juridiquês e votos enfadonhos, o presidente da República se aproxima do “homem comum”, como poucas vezes ocorreu no país. Com vocabulário limitado, comportamento grosseiro, posicionamentos toscos e diversos flagrantes de ignorância plena, Bolsonaro se apresenta como “autêntico”, alguém que “diz o que pensa”. Com suas constantes analogias românticas e eróticas vai atraindo um público fiel, que entra em êxtase a cada “abraço étero” do presidente ou de autoafirmações “imbroxáveis”.
"Abraço hétero" flagrado em 'motociata' de Bolsonaro. / Reprodução
 
A esquerda esquece-se das ruas e alimenta narrativas
Se todas as pesquisas estiverem certas, nas próximas eleições presidenciais teremos que decidir entre Lula e Bolsonaro. Lula também utiliza-se da linguagem como aliada, e se aproxima propositadamente do mesmo “homem comum” a cada “adevogado” proferido. Em episódio recente, disse que sua “alegria é o trabalhador falar 'eu posso comer picanha e tomar cerveja'”.
Embora se assemelhem na estratégia, se distanciam na qualidade retórica. Lula é um orador eloquente, extremamente habilidoso em traduzir o complexo em linguagem palatável a todos — goste-se dele ou não. E está muito distante da afronta aos protocolos mínimos de civilidade que Bolsonaro insiste em praticar.
Tão evidente quanto à superioridade política de Lula, está o distanciamento das esquerdas — em seus mais diversos campos — do (de novo) homem comum. Abandonou-se a luta de classes para a dedicação às lutas identitárias. Refletido na linguagem. Esticou-se o significado de ‘golpe’, ‘fascismo’ e até mesmo de ‘democracia’.
Semelhanças visíveis entre o fascismo de Mussolini e atuação de Bolsonaro
Semelhanças visíveis entre o fascismo de Mussolini e atuação de Bolsonaro / Reprodução
 
Embora os elementos do fascismo clássico estejam presentes no bolsonarismo, chamar qualquer adversário político de ‘fascista’ acabou igualando-se à alcunha de ‘comunista’ em polo oposto. Ficou vago, perdeu o sentido. Vale lembrar que PSDBistas e liberais também são vinculados ao fascismo, mesmo não sendo. Bolsonaro prova a diferença gritante, todos os dias. O que também favorece chamar regimes autoritários e ditatoriais como os da Venezuela e de Cuba de democracia, deturpando o significado real, levando o termo a banalidade.
Nove palavras para você repetir nesse 7 de setembro para derrubar a democracia no Brasil
Veja lista:
1. Comunista – normalmente classificar alguém como adepto ao comunismo não tem relação com o regime político-social. Passou a ser uma ofensa generalista. O ofensor costuma não saber do que se trata.
2. Fascista – termo banalizado que também passou a ser uma ofensa vazia. Embora o termo designe com fidelidade o bolsonarismo raiz, o efeito da palavra não produz o resultado esperado, e serve para desqualificar quem trata o tema com seriedade.
3. Rachadinha – chamar um esquema de desvio de dinheiro público pelo diminutivo demonstra a complacência da sociedade pelo delito. Frequentemente atribuído ao presidente Bolsonaro e sua família, acabou se transformando em deboche.
4. Liberdade – tônica das manifestações golpistas das manifestações de amanhã (7), o significado inverteu-se. Crime e golpismo passaram a justificar uma liberdade falsa.
5. Democracia – também como uma das tônicas das manifestações, o termo está caindo em uma generalização perigosa. Defensores da ditadura militar, que pedem sua volta, tentam impor a ideia que a democracia se conquista com a força. Contestado, o termo não tem força para demonstrar seu real significado.
6. Golpe – com diversas formas possíveis de execução, o termo se desgastou. A forma clássica, com tanques nas ruas, dificilmente é aplicada no mundo de hoje. A democracia morre por dentro, com o enfraquecimento das instituições.
7. Genocida – Bolsonaro foi chamado pela oposição de genocida não sem razão. O flagrante atraso em compra e disponibilização de imunizantes, campanhas para uso de medicação sem eficácia e negação da ciência, justificam a acusação de genocídio. Mas o termo não pegou. A maioria da população não entendeu a gravidade que a palavra carrega apenas em ser citada como possível.
8. Tratamento Precoce – a dificuldade aqui está na compreensão do termo. Se precoce disser respeito ao uso de medicamentos ou atitudes que impeçam o contágio do vírus, não passa de negacionismo barato. Se fizer referência ao tratamento médico antes das consequências da doença passarem a um estágio agravado, não se trata de ideologia. São protocolos médicos, dos mais corriqueiros, assim como tratar uma pneumonia.
9. Gripezinha – Embora já desgastado (adjetivo dado por Bolsonaro ao Covid-19 no início de seu caráter pandêmico), o termo representa outro exemplo de diminuição proposital de algo grave, com fins políticos. O diminutivo serviu para alicerçar pensamentos que até hoje negam a gravidade pandêmica, e narrativas que atribuem aos prefeitos e governadores medidas extremas que não passaram de necessidade.
 
 
 
 
 
 
 
 

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    Edmundo Siqueira

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