Matheus Berriel
14/09/2021 20:41 - Atualizado em 15/09/2021 09:26
Há um ano, a expectativa para o dia 15 de setembro de 2021 era muito positiva quanto ao tombamento do Mercado Municipal de Campos pelo Instituto Estadual do Patrimônio Cultural (Inepac). Então diretor geral do órgão, o historiador e arqueólogo Cláudio Prado de Mello realizou visita técnica quatro dias antes do 99º aniversário do prédio e disse que a efetivação do tombamento deveria ser publicada ainda naquela semana no Diário Oficial do Estado do Rio de Janeiro. Foi além: informou que o objetivo era angariar recursos para viabilizar a restauração do Mercado até o seu centenário, que é comemorado nesta quarta-feira (15). Cláudio foi exonerado quatro meses depois, sem que a promessa fosse cumprida, e o quadro se mantém até hoje. Dirigido desde o final de janeiro pelo professor Cláudio Elias, o Inepac não informou a situação atual do processo.
— O Mercado, efetivamente, precisa de ajuda. Mas, até nisso o Estado pode ajudar. Hoje, a gente tem, na Lei de Incentivo Fiscal, de ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços), 100% do valor que é concedido pelo Estado para o beneficiário, que vai poder investir na restauração — afirmou Cláudio Prado de Mello em 11 de setembro de 2020. — Queremos entregar o tombamento agora, para, ao longo deste um ano até o dia 15 de setembro de 2021, a gente já ter conseguido recursos e feito a restauração, para o Mercado completar os seus 100 anos já restaurado — prometeu.
Em julho deste ano, seis meses após a sua demissão, Cláudio Prado de Mello enviou ao Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MP-RJ) um relatório de 27 páginas apresentando o que considera “descaso e preterimento” dos assuntos relacionados ao patrimônio histórico e cultural no Norte Fluminense. Sobre Campos, além do Mercado Municipal, ele abordou também o atraso na instalação de um escritório técnico regional do Inepac, outra promessa de 2020. Contudo, a denúncia foi indeferida, como noticiou a Folha no dia 10 daquele mês. O historiador, então, entrou com recurso, e o caso é analisado pelo Conselho Superior do MP. Procurado na última segunda-feira (13), o atual diretor do Inepac disse que faria um levantamento sobre a situação do Mercado, mas não o enviou. Também não houve resposta da assessoria do órgão.
Outra polêmica atual envolvendo o prédio é a obra do novo Shopping Popular Michel Haddad, retomada pela Prefeitura em 28 de junho com autorização judicial. A decisão foi do desembargador Agostinho Teixeira, da 13º Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, exigindo apenas emissão de laudo do Corpo de Bombeiros para que fossem reiniciados os trabalhos, que se arrastam desde 2014. Entidades ligadas à preservação histórico-cultural contestam a obra, alegando que o entorno do Mercado, onde a Prefeitura pretende instalar o popular camelódromo, faz parte do tombamento existente a nível municipal, feito em 2013 pelo Conselho de Preservação do Patrimônio Histórico e Cultural de Campos (Coppam). Poderia ser prejudicada, por exemplo, a visualização da torre do relógio, um dos principais símbolos do prédio. Em agosto, o prefeito Wladimir Garotinho assinou um termo de cooperação com a Sociedade Artística Brasileira (Sabra) para recuperar prédios históricos municipais, entre eles o Mercado.
Tradição
Um dos principais patrimônios históricos da planície goitacá, o Mercado Municipal tem como base a arquitetura francesa. A construção começou na gestão do ex-prefeito Luiz Sobral, que teria se encantado com o Mercado de Nice durante uma viagem à Europa e contratou um escritório de engenharia de São Paulo para fazer um similar em Campos. Na inauguração em 1921, já com César Tinoco à frente da Prefeitura, o prédio ficou conhecido como Mercado Novo.
— Com estilo arquitetônico eclético, o Mercado Municipal foi construído como local de venda e troca de mercadorias de primeira necessidade, tendo sua construção pensada a partir de reformas urbanas e de ações higienistas na cidade. Antes do Mercado Municipal, os primeiros pontos de comércio eram juntos aos portos do rio Paraíba do Sul e, depois, pelas praças da cidade, como por exemplo na Praça das Verduras, atual praça Presidente de Moraes (Chá-Chá-Chá) — explica a diretora do Museu Histórico de Campos, Graziela Escocard.
Para a diretora do Arquivo Público Municipal, Rafaela Machado, o Mercado é um marco da relação entre os monumentos e a história campista, devendo ser visto como símbolo de pertencimento.
— Criado num contexto em que Campos priorizava a apresentação de uma cidade moderna, progressista e em sintonia com as práticas higienistas importadas da Europa, o Mercado ainda se mostra como guardião de uma história que vai além do seu valor como monumento ou patrimônio. O Mercado é valioso em si por tudo o que enseja em sua própria história, seja a construção em si, sejam todas as práticas cotidianas que trazem experiências culturais e sociais ricas e múltiplas, como também quem lhe deu vida ao longo desses 100 anos: seus trabalhadores e frequentadores. Quando falamos deste centenário mercado, devemos pensar numa Campos que intencionava se tornar capital, no uso e na ocupação daquele espaço em associação com o canal Campos-Macaé, e, em especial, ao crescimento urbano da cidade — afirma Rafaela.
O presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Campos, Genilson Paes Soares, adjetiva o Mercado Municipal como “a memória viva da cidade”.
— Muito além da troca do material e do encontro com o imaterial do nosso patrimônio cultural, o espaço é local de celebração da sociabilidade do povo campista. Comemorar um século de existência não é para qualquer um, e isso mostra o quanto são fortes as nossas tradições históricas. Ao mesmo tempo, a data pede reflexão sobre o futuro do Mercado, uma vez que o prédio se encontra em estado precário de conservação e com o seu entorno ameaçado pelos “puxadinhos” de gestões passadas. Além do tombamento feito pelo Coppam, solicitamos o reconhecimento em nível estadual, através do Inepac, pois entendemos que seria um grande presente para um antigo aniversariante, que precisa de muito carinho e proteção — enfatiza Genilson.
Comemorações
Está marcada para as 9h desta quarta-feira uma solenidade no Mercado Municipal, com apresentação da Sociedade Musical Lyra Conspiradora, interpretação de poesias, descerramento de placa comemorativa pelo centenário e um bolo simbólico. “ Queremos que seja um evento de resgate à nossa história e também um momento de otimismo para a atualidade, porque o Mercado Municipal possui grande importância histórica e econômica”, diz o secretário municipal de Desenvolvimento Econômico e Turismo, Marcelo Mérida.
Foi preparado um vídeo com declarações de Rafaela Machado e Graziela Escocard, como também da presidente da Fundação Cultural Jornalista Oswaldo Lima, Auxiliadora Freitas. Haverá ainda atrações na programação 4º Festival Doces Palavras (FDP!), que começou nessa terça (14) e segue até o dia 26.
— O Mercado Municipal é um dos nossos maiores patrimônios, e sua importância histórica estará em evidência na edição deste ano do FDP!, com palestras que enaltecem tanto a sua arquitetura quanto as suas memórias — enfatizou Auxiliadora Freitas.
A partir das 19h, Genilson Paes Soares discursará sobre a tradição do Mercado Municipal e a trajetória dos mercados públicos da cidade. Entre as palestras do presidente do Instituto Histórico e Geográfico, haverá uma com a arquiteta e professora Maria Catharina Reis Queiroz, também sobre a memória dos mercados. Por fim, às 20h30, a arquiteta e professora Teresa Peixoto Faria vai falar sobre a inclusão do Mercado Municipal no plano urbanístico do início do século XX. O vídeo e as palestras podem ser assistidos na TV Câmara Campos e no canal de YouTube da Fundação Cultural Jornalista Oswaldo Lima, a partir das 18h30.
Em parceria com a Fundação Cultural, o Instituto Histórico e Geográfico fará uma visita guiada ao Mercado, a partir das 15h, sendo obrigatório o uso de máscara de proteção contra a Covid-19. Participarão como guias Genilson Paes Soares, Graziela Escocard e a historiadora Sylvia Paes.