Fernando da Silveira
- Atualizado em 08/06/2021 13:58
A capacidade de Alberto Ribeiro Lamego dialogar intelectualmente com eminentes figuras de outros países, sempre em defesa dos interesses do Brasil, foi às vezes questionada por bobalhões da Rua do Homem em Pé, ao vê-lo caminhar tranquilamente e sem se achar o tal pelo centro de nossa cidade. É que os bobocas mostravam com tal atitude ignorar ter Lamego Filho, embora nascido na cidade de Campos dos Goytacazes, feito o curso primário no Colégio de Campolide de Lisboa e o secundário no Colégio Saint Michel, em Bruxelas, ambos dos Jesuítas. E os seus cursos superiores iniciados na Universidade de Louvain, na Bélgica, e cujo fim resplendente ocorreu na Royal School of Mines, de Londres. Tendo sido também diplomado em engenharia de minas e licenciado em ciências pela Universidade de Londres. Para ver de perto tais informações, basta manusear o Curriculum Vitae de Lamego Filho constante do seu livro “O Homem e a Serra”. Obra em que ele pôde descortinar, segundo o entendimento de José Carlos de Macew Soares, então presidente do I.B.G.E., “um estudo profundo, marcado pela seriedade e pelo sentido construtivo, que caracteriza toda obra de caráter altamente científico”.
Gostaria de acrescentar, nestas minhas considerações sobre o notável Alberto Ribeiro Lamego, que eu o admirava apaixonadamente como intelectual. Mas uma nova paixão irrompeu, ganhando proporções ciclópicas, quando vi desenhar com toda força o seu reconhecido caráter. É que, como soube pelo Dr. Izimbardo Peixoto, ele foi criticado educadamente pelo professor Álvaro Duarte Barcelos, numa reunião da Academia Campista de Letras, por ter afirmado que a mata é o maior obstáculo para que o ser humano domine economicamente a serra. E que o referido professor o convidou para ver de perto pobres moradores da floresta do Imbé valendo-se dela para viverem com dignidade e ainda trazendo alimentos nela produzidos para vender nas cidades. Embora tenha rebatido elegantemente a crítica demonstrando que interpretaram mal o seu texto, aceitou o convite para visitar a floresta do Imbé. E numa outra presença, na Casa de Nelson Pereira Rebel, aplaudiu o professor Álvaro Duarte Barcelos por se preocupar com as florestas. E elogiou os habitantes do Imbé pela preservação inteligente do macuco e de outras aves ao saborearem moderadamente os seus quitutes, os seus petiscos carnívoros. Sem deixar de ressaltar o ótimo almoço que deles recebeu e no qual preponderou alimentos vegetais, dentre eles o gostosíssimo grão-de-bico. Podendo-se dizer, ainda, para os que sabem ler e ver, que Lamego Filho, nas últimas edições do seu livro “O Homem e a Serra”, voltou a aplaudir, embora nas entrelinhas, o querido professor do Liceu de Humanidades de Campos, que também brilhava como membro da ACL. Atentem bem para o que ele disse no seu livro “O Homem e a Serra”: “Desenvolvimentos técnicos gananciosos e aventureiras ambições, por toda parte agitam os povos, mesmo os mais letárgicos e de estabilidade milenar”. Indo além ao escrever que a fome do dinheiro nos leva a corroer “corpos e almas”. E como cristão nos alertou que, “sob tais escombros rui a honestidade, esvai-se a fé e nasce o cepticismo”.
Devo dizer, ainda, que o aspecto pragmático de Alberto Ribeiro Lamego também me empolga, porque já na década de trinta do século passado demonstrava teoricamente a existência de petróleo na plataforma continental ao longo do litoral campista. Sendo lícito pensar que esteve mais uma vez nos abrindo os olhos para nos revelar o perigo do nosso petróleo ser abocanhado pelos tigres do mundo. Devendo destacar, também, que em face de suas atividades nobilitantes, o seu valor foi reconhecido como respeitada figura nacional e internacional. Daí o seu nome ter sido escolhido para denominar um acidente geográfico em terras cariocas. O que levou este acidente geográfico a ser conhecido como Pedra do Lamego. Tal fato me empolgou mais ainda. É que, na verdade, a célebre Pedra do Lamego significa para mim, embora para muitos possa parecer estranho este entendimento, uma síntese da trajetória fulgurante de um homem que entregou a sua alma ao bem comum. Poucos cidadãos do planeta Terra podem, como nós brasileiros, dizer alto e de bom-tom que tivemos um compatriota que o amor à Pátria jamais desfigurou o respeito e a estima aos estrangeiros, a não ser que aspirassem indevidamente o que é nosso. Não é, assim, por uma mera coincidência, que a Pedra do Lamego está na Guanabara. É que tanto pelo céu dos cariocas, quanto pela baía do Rio de Janeiro, que nos encantam, podemos encontrar o próprio mundo com as suas características mais representativas. Ou como dizia tomada de intensa emoção a Madame Louis Hermite: “Não há lugar no mundo que se possa comparar em grandiosidade e nobreza a esta baía. Reunidos acham-se aqui os elementos da paisagem, belos como em nenhuma outra parte, e que alhures somente são encontrados separadamente: o mar enquadrado de vegetação tropical, as montanhas audaciosamente a se elevarem sobre as ondas, e um firmamento estupendo. Quando os navios que vêm ao largo deslizam sobre suas águas e rapidamente se atravessa a garganta profunda desta baía, todos os olhares se dirigem para este cenário teatral, e de chegada sente-se sempre uma viva emoção diante de uma natureza, da qual um dos encantos é o de mudar os seus aspectos cada dia e cada hora”.
Eu sinto, sobretudo em razão da abordagem da Madame Louis Hermite, que o perfil de Lamego Filho não se capta de pronto, pois pode ganhar novas figurações, em cada dia e em cada hora. Sem dúvida, desenhadas quando se olha de baixo para cima e de cima para baixo a pedra que tem o seu nome. Após esta possível inoportuna digressão, devo confessar ao fim das minhas considerações que, vendo a Pedra do Lamego, eu me encontro de fato com o próprio Alberto Ribeiro Lamego. É que nele sempre divisei o geógrafo e o geólogo, como que formando uma unidade aparentemente de irmãos siameses, que jamais se separaram. Mas, pensando melhor, irrompe em mim a certeza de que a Pedra do Lamego é, na verdade, a própria alma do grande intelectual e escritor de Campos, como que envolvendo todos os recantos do nosso município e até a conduta daqueles campistas que não concordavam com a escravidão. É que no fundo somos, como salientou Lamego Filho, “inteiramente fora da escola da guerra” desvirtuada a permitir todas as maldades. E ele parece nos dizer, nas entrelinhas de sua obra, que a nossa elite do respeito e da bondade pertence a uma estrutura essencialmente agrária, destituída inteiramente de quaisquer tradições violentas, “quer nos elementos da sua cultura material, quer nas suas expressões espirituais e morais”. Acredito que, em consequência de ser um campista de verdade, chegava a ouvir, sem dúvida com alegria, quando “o estampido dos batuques africanos predominava nas noitadas brasileiras”. É que ele não se prendia apenas à nossa origem lusa, como se pode constatar pelo estudo que realizou focando muxuangos e mocorongos.
Agora, o Degas aqui vai ser mais ousado criando o neologismo “pertencimentista”. É que estou convencido de que Lamego Filho por ser “pertencimentista”, jamais deixou de amar grandemente a sua cidade de Campos dos Goytacazes, em que nasceu, mesmo quando estava em outras plagas. Chegando a ver a então Capital do Brasil iluminando todo o município que pertenceu aos índios Goytacazes, tornando assim “A Planície do Solar e da Senzala” cada vez mais nítida. E de tal forma, que me leva a pensar que ele via também a terra do abolicionista campista Luís Carlos de Lacerda entranhada no coração do Rio de Janeiro. É que sempre enxergou a grandeza moral dos brasileiros em todos os recantos do maior País da América Latina. Por que não identificar, no Rio de Janeiro, algo que sempre resplendeu no coração das verdadeiras elites da terra de Benta Pereira, de José do Patrocínio e de Nilo Peçanha? Sem dúvida, no par ou ímpar do jogo da vida, Lamego Filho sempre teve na mão a carta certa, sem a mínima ausência de dúvida. Daí a sua paixão pela sua Campos dos Goytacazes.
E lá vou eu confessando que, em decorrência de tal detalhe, devo ao campista Lamego Filho, sobretudo pela sua obra, o empenho de jamais deixar de lembrar os tempos de outrora, quando, depois do estudo ardoroso e do trabalho intenso, a que nos levava o professor Newton Périssé Duarte, no curso clássico do Liceu de Humanidades de Campos, éramos naturalmente conduzidos para a descontração luminosa a nos mostrar que vivíamos num lugar maravilhoso. O que me leva até hoje ficar à vontade, totalmente descontraído, para sonhar vendo novamente o rio Paraíba do Sul com a sua água acariciando a nossa cidade. Momento de tanto prazer, que o vejo ainda repleto de pranchas e de prancheiros, nos trazendo alimentos para o nosso dia a dia. Ah! Como esquecer dos vapores (sim, vapores) nos levando pelo rio Paraíba do Sul para a cidade de São Fidelis, em dias de inesquecíveis festas. Eu chego a me deparar também com o nosso município repleto de usinas. E até com a então Destilaria Martins Lage, criada e mantida pelo Governo Federal, a sacudir a economia de nossa terra. Ah! Como não ser tomado por uma saudade imensa das festas carnavalescas campistas atraindo até cariocas com os desfiles dos clubes Tenentes de Plutão, Macarrone e Indianos Goytacazes. E das cavalhadas de Santo Amaro, que não podem morrer.
Mas, por outro lado, como me entristece, nesta minha volta ao passado, o dia em que tomei conhecimento, pelos comentários na rua do Homem em Pé, que as cidades de Campos e de Macaé tinham sido muitos anos atrás agraciadas pelo Governo Monárquico com um canal navegável a ligá-las para estimular a criação de peixes, a agropecuária, o comércio e a própria proteção do rio Paraíba do Sul. Obra inaugurada por Pedro II e que hoje poderia até nos levar a explorar o turismo ecológico. Sendo bom destacar que, na época, o canal que ligava Campos a Macaé só perdia em extensão para o Canal de Suez. Daí ser possível, segundo os estudiosos do assunto, a possibilidade de este nosso canal desencadear o progresso alcançado pelas mais importantes nações europeias. Tendo, porém, o Canal Campos-Macaé sido criminosamente morto, sufocado pela ganância dos incultos de nariz em pé, que não pensam no amanhã. Alguns até bem-intencionados, mas que só se preocupam com o presente. O que me leva a acreditar que são também responsáveis de não se ver mais o Clube de Regatas Rio Branco, o Clube de Regatas Saldanha da Gama e o Clube de Regatas Campista, que chegavam a atrair até a fina flor da beleza de nossa terra, nos convocando para assistir as competições náuticas pelo caudaloso rio Paraíba do Sul, que hoje agoniza.
A obra de Lamego Filho, apesar de sua complexidade, faz até os cegos refletirem sobre a caminhada do homem ao longo dos tempos pelo planeta Terra. E com o propósito de não incorrermos em mais erros. Sendo bom destacar que os seus livros chegam às vezes me levar ao sonho de um mundo melhor. Confesso que fico a ponto, prestes de aceitar a possibilidade de até viver num país imaginário. Aquele Eldorado (lugar pródigo em delícias e riquezas) sonhado no século XVI. Mas vou adiante, procurando me esforçar para tornar real o possível Eldorado Brasileiro, pois temos tudo para alcançar esta condição prodigiosa calando a boca dos inimigos de nossa Pátria. E com esta possibilidade me empolgo grandemente, mesmo vendo a modernidade deformada gananciosamente querendo destruí-lo. Mas, apesar de o perigo da bocarra dos tigres do nosso tempo, eu mantenho o meu sonho, não deixando de acreditar na Terra de Canaã da América Latina. Num Torrão Natal com suas florestas protegidas, como nos pedia José Bonifácio de Andrada e Silva, o Patriarca da Independência do Brasil. Uma Nação, com letras maiúsculas, sem favelas degradantes, sem fome, sem a matança generalizada de seres humanos. País no qual o respeito mútuo prepondera cristãmente.