Um monumento instalado na entrada da cidade, no início a década de 1990, gerava polêmica entre os campistas e despertava curiosidade entre os visitantes. A estátua que tinha em seu interior placas de espuma de poliuretano unidas por adesivo, esculpidas em formato anatômico, revestidas por uma fina camada de fibra de vidro que imitava pedra, buscava representar de forma estilizada o índio Goitacá, com as pernas flexionadas, empunhando arco e flecha. A escultura de cerca de cinco metros foi retirada do local —Trevo do Contorno — em 2006 e abandonada a céu aberto no Arquivo Público Municipal Waldir Pinto de Carvalho. Hoje, “os restos mortais dela não estão acessíveis”.
A retirada do local foi realizada no governo interino de Roberto Henriques. Segundo Henriques, a decisão se deu após laudo da Defesa Civil de Campos, que previa um grave acidente no local, dado o desgaste da estrutura.
— A primeira vez em que fiquei prefeito, por 30 dias, em 2006, uma engenheira da Defesa Civil me trouxe um laudo que dizia: 'prefeito, tenho aqui uma situação grave, que estou alertando, mas o prefeito Mocaiber(Alexandre Mocaiber, prefeito de Campos de 2006 a 2008)não tomou qualquer providência, tampouco o secretário de Defesa Civil teve qualquer diligência. Aquela estátua do índio, vai cair. Ela está derretendo. Seus pilares estão comprometidos. Crianças brincam por ali, turistas...aquilo vai cair e causar um acidente'. Assim, eu prontamente despachei no processo que ela me apresentou, determinando o recolhimento ao Arquivo Público, que era o único lugar que tinha espaço para o monumento. O Mocaiber retornou de viagem (Mocaiber teria ido a Alemanha) e não tomou qualquer providência para a restauração ou mesmo a feitura de outro monumento. Nada, absolutamente nada. E aquilo foi ficando lá, ao tempo— relata o ex-prefeito.
Embora a retirada do índio pudesse ter causado a indignação de campistas que gostavam daquela homenagem, ela significou o alívio estético de muitos e grande conforto histórico em representantes da cultura e historiadores da cidade.
Segundo o historiador e museólogo, e ex-diretor do Arquivo, Carlos Freitas, “deveria haver outra forma de homenagear o índio goytacá, de uma maneira menos frágil, fazer algo em bronze ou em concreto”. O local também estaria equivocado segundo o historiador — “colocar na beira do rio, em frente aos Bombeiros, onde era o porto grande da cidade, a parte mais importante, e perto do rio como era a característica do índio”, relatou Freitas.
"O local de origem (da estátua do índio), na entrada da cidade, sob a contínua ação do sol, chuva, poeira, vento e a trepidação ocasionada pelo intenso fluxo de veículos que há na rodovia BR 101, sua estrutura sofreu avarias tanto pela ação inclemente do tempo, como também pela ação predatória do homem (há mais de 20 perfurações em tamanhos diversos produzidas por arma de fogo)" O historiador e museólogo Carlos Freitas defendia que a estátua deveria ser colocada em outro local, mais adequado e representativo. Além de criticar a forma da escultura.
O “arquivamento” do índio
O Arquivo Público foi morada do “índio do trevo” por anos, “partido, seccionado em dois grandes pedaços”. O monumento do índio sofria com a ação do tempo. Em laudo de 2015, o então diretor do Arquivo alertava dos perigos que a estátua trazia, mesmo abandonada:
“A escultura encontra-se depositada no terreno nos fundos do Solar do Colégio, sede do Arquivo Público Municipal Waldir Pinto de Carvalho, desde o ano 2006 quando para ali foi transferida após a remoção do pedestal que ocupava no trevo rodoviário na entrada da cidade (Trevo do Índio). Por se achar muito próxima da edificação, há risco de incendiar-se e colocar o Solar em perigo”, dizia trecho do laudo.
O laudo também solicitava a retirada do rejeitado monumento:
“Sugiro que a escultura seja definitivamente retirada do local, pois não oferecerá a permanência e a segurança necessária, e o custo para repará-la dentro de padrões técnicos e de segurança aceitáveis, será muito alto”.
Atual diretora do Arquivo, a historiadora Rafaela Machado falou sobre sua experiência com o índio:
— Em verdade, às populações nativas que habitavam a região precisam ser objeto de mais pesquisas e também da criação de espaços de memória significativos e de educação patrimonial. No entanto, o Arquivo era um local absolutamente impróprio para receber “os restos” daquele monumento, dada a sua frágil composição e risco iminente ao Solar, ao acervo e frequentadores da instituição — relatou Rafaela.
O destino trágico do monumento ao índio goytacá
Caso um saudoso morador de Campos quiser rever a estátua, provavelmente não terá sucesso. Segundo Cristina Lima, presidente da Fundação Cultural Jornalista Oswaldo Lima (FCJOL), “os restos mortais” do monumento “não estão acessíveis”.
— A estátua era feita de um material de fácil combustão, semelhante ao isopor, sendo depositada diretamente na terra, em local sem nenhuma proteção e perto da cozinha e de local por onde as pessoas circulavam entre eles funcionários, consulentes e, inclusive, crianças que visitavam o Arquivo. Foi observado que, além do risco de incêndio, a estátua se tornara ninho de cobras e outros insetos, além de roedores e outros. Assim, de pleno acordo com a Direção do Arquivo, que na pessoa do museólogo Carlos Freitas já havia produzido um laudo técnico a respeito das precárias condições da escultura e do claro risco que representava à saúde do edifício e da documentação, fizemos uma consulta à Procuradoria Geral do Município, que deu parecer favorável a uma medida que prevenisse um mal maior, como um incêndio ou ataque de uma cobra. Assim, com a ajuda da Defesa Civil, colocamos o índio em um local que não representasse risco às pessoas, nem ao prédio e à documentação — informa a presidente da Fundação.
Entre polêmicas e falta de referência: um novo índio deveria ser erguido?
“Na verdade, segundo o que me foi falado por uma das pessoas que participou da confecção dessa estrutura do índio, eles se basearam em um bonequinho de plástico que vinha numa embalagem de um achocolatado, sobre os índios americanos. Então, era um índio que não representava”.
Neste relato curioso, o historiador Carlos Freitas evidencia a falta de cuidado com as questões histórico-culturais no município. De acordo com os relatos contidos nos manuscritos de Manoel Martins do Couto Reis (1785), restaurados e disponíveis no Arquivo, várias tribos indígenas habitavam a região, os Guarulhos, por exemplo, que habitavam o “outro lado do rio” e que dá nome ao hoje bairro Guarus, Coroados, Puris, Saruçus Guanhãss, e também a etnia Goytacá.
O monumento estava em desacordo com o biótipo dos índios Goitacá, segundo dados empíricos encontrados no sítio arqueológico do Caju. Ou seja, o monumento não representava o povo originário da planície campista.
Uma das propostas dos historiadores que se debruçaram no assunto é a criação de novo conjunto escultórico em Campos, mas dessa vez de maneira que atenda os objetivos de valorização das populações nativas e de educação histórico-patrimonial. E para além de um monumento, fomentar a criação de um memorial das origens de Campos, indígena e negra.
O tratamento dispensado à estátua do índio pelo poder público municipal, abandonada em Tocos desde 2006, que hoje não tem paradeiro conhecido, representa mais uma negação do nosso passado histórico, mais uma tentativa de negar nossa identidade cultural. Uma cidade que não se reconhece não poderá se desenvolver, pelo menos não da forma necessária: inclusiva e mais justa.