Somos mesmo 70%?
10/06/2020 13:16 - Atualizado em 10/06/2020 13:30
Três movimentos iniciados recentemente prometem unir adversários históricos, como Ciro Gomes (PDT) e Fernando Henrique (PSDB). E ainda com Marina Silva (REDE) a tiracolo. Quais sejam o “Estamos Juntos”, iniciado pelo WhatsApp e que tem como signatários artistas, intelectuais e políticos de peso, o “Basta!”, manifesto assinado e capitaneado por vários membros da comunidade jurídica e o “Somos70%”, movimento virtual iniciado pelo ex-banqueiro e atual ativista Eduardo Moreira que conta com um grande número de assinaturas e adesões políticas de diferentes espectros ideológicos.
A ideia que une Miguel Reale Júnior – subscritor do impeachment de Dilma Rousseff – e Fernando Haddad (PT) e ainda Luciano Huck – possível pré-candidato presidencial de claro alinhamento de centro-direita – e Flávio Dino, governador do Maranhão e partidário do PCdoB, Partido Comunista do Brasil é o anti-bolsonarismo. O fim governo de extrema-direita de Jair Messias Bolsonaro (sem partido) parece ser o alinhamento e o objetivo final dos movimentos.
Lula não assina manifestos
Lula não assina manifestos
Apesar de contar com a participação de Haddad, os movimentos são criticados pelo líder do PT, o ex-presidente Lula, que chama quem aderiu de “Maria vai com as outras”. Lula afirma que os manifestos pouco interessam a “classe trabalhadora” e que estão sendo “levados pela euforia”.
O ceticismo de Lula é estratégico. Sua aderência significaria que o PT fosse apenas mais um partido dentre tantos signatários. A vaidade e surrealismo ideológico do ex-presidente o fazem acreditar que o seu partido ainda possua a capilaridade política e social para desbancar sozinho qualquer adversário em 2022. Os inúmeros casos de corrupção, ainda muito presentes no imaginário – e na realidade fática – da maioria dos brasileiros, parece não incomodar o anacrônico lulopetismo.
Presidente Bolsonaro apoiando as manifestações em Brasília
Presidente Bolsonaro apoiando as manifestações em Brasília
O governo Bolsonaro aposta no radicalismo e no conflito. A truculência pessoal do presidente, os ataques à imprensa, ao legislativo e ao Supremo e a postura obscurantista perante a pandemia do coronavírus, mantém os apoiadores do bolsonarismo unidos e representados. As manifestações pró-governo que acontecem repetidamente em Brasília e outros lugares do Brasil, englobam muito dessas facetas. Não é raro ver o presidente confraternizando pessoalmente e sem máscara (contrariando decretos do Distrito Federal e recomendação da Organização Mundial da Saúde) com os manifestantes aglomerados, em meio a faixas inconstitucionais pedindo fechamento do Congresso e do STF.
A oposição também começa a ir para as ruas no Brasil. No último final de semana, convocados por movimentos de periferia, ativistas negros, integrantes de torcidas organizadas, estudantes secundaristas e grupos antifascistas, os atos tiveram duas bandeiras principais: o antifascismo e o antirracismo, com o mote "Vidas Negras Importam", em reação ao assassinato de pessoas negras pela polícia nas periferias brasileiras e a morte do americano George Floyd, negro, asfixiado e morto por um policial branco. Apesar de a pauta ser prioritariamente antirracismo, os movimentos também se posicionaram contra o governo Bolsonaro.
As pautas em favor da democracia, contra o fascismo e o justíssimo combate ao racismo, muito presente no Brasil, inclusive o estrutural, também levam os movimentos a promover aglomerações em meio à pandemia. E foi o que Bolsonaro usou para criticá-los. Chamou de “terroristas” e “maconheiros” quem estava nas ruas.
Manifestação de rua com pautas antiracistas, contra o fascismo e de oposição ao Governo
Manifestação de rua com pautas antiracistas, contra o fascismo e de oposição ao Governo
Estrategicamente os movimentos contra o bolsonarismo podem o favorecer, na prática. Iniciado nos EUA, onde as eleições se aproximam – em novembro os americanos escolhem o novo presidente ou mantém Donald Trump – as manifestações antirracistas acabam sendo uma luta política e a ocupação das ruas é urgente, estrategicamente, para a oposição estadunidense.
Por aqui, ainda temos aproximadamente dois anos e meio de mandato presidencial. Como alternativa, os movimentos da sociedade civil, principalmente o “Somos70%”, poderão evoluir para forçar o impeachment de Bolsonaro. Porém cabe ao congresso aprovar. E para isso Rodrigo Maia (DEM) deve dar andamento a um dos (vários) pedidos que estão na sua mesa e ter aprovação de 2/3 da Câmara para o processo ir ao Senado. No mínimo 342 dos 513 deputados precisam dizer “sim”. Dentre eles está o chamado “centrão”, que recebeu mais de 300 cargos pelo Governo Federal e compõe as “bancadas da bala” e “da bíblia”.
No último impeachment da república brasileira, de Dilma Rousseff, o cenário das pesquisas apontava que a presidente tinha 9% de aprovação e 70% de rejeição. A última pesquisa da XP/Ipespe aponta que Bolsonaro é aprovado por 25% da população e reprovado por 50%.
Para os movimentos representarem realmente 70% da população, vai ser preciso entender e aceitar as diferenças. Falar para convertidos, entre os “amigos” não é o bastante para compor e unir diferentes. Ser a real “Frente Ampla”. E ainda unir pessoas que acham o governo “regular”, lavajatistas (dissidentes dos governos com a saída do ex-ministro Sérgio Moro) e quem acha a ministra Damares Alves correta em seus posicionamentos, por exemplo.
Podemos ver o possível começo de uma movimentação de vários grupos diferentes entre si, que estão chegando ao limite após tantas ameaças à democracia e as instituições. Mas, estaria representando 70%? Indo as ruas agora, criticar a burguesia e atacando a Polícia Militar, os movimentos conseguirão ter a competitividade eleitoral ou mesmo impor um processo de impeachment?
Somos70%
Somos70%
“Mas minhas ideias são as mais corretas e estou defendo a Democracia”. “Estou lutando contra o fascismo e o racismo”. “São movimentos de legítima defesa, na verdade”. Concordar e aceitar essas afirmações como verdadeiras, que poderiam ser ditas por qualquer representante do “Basta!”, do “Somos70%” ou do “Estamos Juntos”, não significa dizer que elas transformarão a realidade. O país é como é. Com suas imperfeições, ódio, racismo estrutural e polarização extremada. Para tentar promover mudança, vai ser preciso convencer realmente 70% da população.
Em 2022, em um cenário de controle sanitário, sem impeachment e com severa crise econômica provocada pela pandemia, a retórica bolsonarista de “gripezinha”, contra o isolamento e de culpar os governadores e prefeitos pelo “exagero” das medidas possivelmente estarão sendo aceitas por mais de 25% de quem hoje aprova o governo. Ou será que os 70% vão se impor e ser um fato?
 
 
 
 
 
 

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    Edmundo Siqueira

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