Os ataques à cultura: Alemanha nazista e suas repetições
12/05/2020 10:28 - Atualizado em 12/05/2020 15:00
Num lugarejo bem perto de Salzburgo — uma cidade austríaca que fica na fronteira com a Alemanha — existia uma mina de sal no ano de 1945 que sua implosão significaria uma tragédia para a humanidade. E por pouco foi implodida, se não fosse um grupo composto por soldados especiais que impediu que ela ruísse. Ali, naquela mina, estavam quase 7.000 obras de elevado valor histórico-culturais. Dentre elas, a Madonna de Bruges, esculpida em mármore por Michelangelo. Além de quadros de Rembrandt. A soma daquelas obras primas não podiam ser medidas com números matemáticos. Eram de valor inestimável.
O tal grupo de "soldados especiais" faziam parte de uma força-tarefa criada por 13 países aliados, em plena II Guerra Mundial, composta por historiadores, intelectuais, arquitetos e artistas que tinham a nobre missão de resgatar arte e cultura das mãos dos nazistas.
Essa é uma história real, que foi contada, com certa leveza e fantasia, no filme dirigido e estrelado por George Clooney, traduzido no Brasil como “Caçadores de Obras Primas”. A ficção se confunde com a realidade e mostra que a Alemanha nazista tinha um planejamento tático para o roubo de obras de arte tão elaborado quanto para as operações militares. O objetivo era uma dominação não apenas política, mas cultural.
Cena do filme, baseado em fatos reais,
Cena do filme, baseado em fatos reais, "Monuments Men", de 2014, dirigido e estrelado por George Clooney / Jornal O Globo
Durante a guerra todos os grandes museus da Europa foram fechados. Levaram 6 anos para reabrirem as portas. A Monalisa e o restante do acervo do Louvre foram escondidos no interior da França, espalhado por várias cidades pequenas, para que não caíssem nas mãos dos invasores. Na Itália, uma bomba que atingiu a igreja de Santa Maria delle Grazie, quase destruiu o painel da Última Ceia, obra icônica de Leonardo da Vinci.
Isso vem se repetindo. Em junho de 2015, o Estado Islâmico explodiu dois templos da Antiguidade na histórica cidade de Palmira. O grupo radical atacou outros tantos monumentos históricos, como o santuário que foi destruído pelo grupo em agosto do ano seguinte, após uma explosão que o deixou em pedaços. Datado dos primeiros séculos da era cristã, Baal Shamin era um dos principais símbolos arquitetônicos do local. Com traços egípcios adquiridos após uma reforma em 258 d.C., havia se tornado uma igreja.
Datado dos primeiros séculos da era cristã, Baal Shamin era um dos principais símbolos arquitetônicos do local. Com traços egípcios adquiridos após uma reforma em 258 d.C., havia se tornado uma igreja.
Datado dos primeiros séculos da era cristã, Baal Shamin era um dos principais símbolos arquitetônicos do local. Com traços egípcios adquiridos após uma reforma em 258 d.C., havia se tornado uma igreja. / Jornal O Globo
Mas, os ataques à arte e cultura não acontecem apenas em tempos de guerra.
O Brasil assistiu recentemente um secretário de Cultura usar em um pronunciamento público, praticamente em sua integridade, um texto do ministro da propaganda nazista, Joseph Goebbels. O secretário, escolhido por Bolsonaro, ainda pôs de fundo musical em seu discurso a ópera romântica Lohengrin, composta e escrita pelo alemão Richard Wagner. Wagner era o compositor preferido de Adolf Hitler, que elegeu as narrativas nórdicas do compositor como a trilha sonora da propaganda política de seu regime sanguinário.
“A arte brasileira da próxima década será heroica e será nacional, será dotada de grande capacidade de envolvimento emocional, e será igualmente imperativa, posto que profundamente vinculada às aspirações urgentes do nosso povo – ou então não será nada.” Discurso de Ricardo Alvim, ex-secretário especial da Cultura do governo Bolsonaro.
Considerar a cultura, a história, a arte e o conhecimento filosófico-educacional acumulado como perfumaria, assessório ou que podem ser descartados, serem alvo de "desmonte", é um erro político-social grave. Provas inequívocas foram dadas em toda história da humanidade. Governos direcionam esforços monumentais para proteger a cultura — ou para controlá-la — pois sabem da sua importância, sua determinância no processo de identidade de um povo, de uma nação. 
Fechamento de museus e de instituições que mantém vivo o arquivo, o conhecimento histórico, memorialístico e patrimoniais da história, deve ser combatido em qualquer circunstância econômica ou social, sob pena de não continuidade de um trabalho que permite saber que somos e para onde vamos. A própria história nos ensina que mesmo em guerras, a cultura foi protegida a qualquer custo. E esse trabalho apenas cumpre esse papel quando feito por gente com conhecimento acumulado, por equipes especializadas e por amantes de um dos principais elementos da essência humana: a cultura. 

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    Edmundo Siqueira

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