A saída de Moro não pode derrubar Bolsonaro. Um impeachment com essa base é uma afronta à democracia.
O Facebook — e outras redes — é o que podemos chamar, guardadas as devidas proporções, de uma Ágora moderna. A ágora é uma criação homérica representando a assembléia do povo, era um espaço de interação social e política dos gregos. Na democracia ateniense, a ágora concedia a todos os cidadãos igual voz e direito a voto.

E lá o processo se dava pela dialética, que podemos definir de maneira bem rasa como um método de diálogo cujo foco é a contraposição e contradição de ideias. Passado o calor do momento (renúncia pública de Sério Moro e a cisão com Bolsonaro) é preciso analisar com mais cuidado o caso.

A partir desse processo dialético facebookiano, principalmente nas postagens do sociólogo Roberto Dutra, do jornalista Aluysio Abreu Barbosa e do policial federal Roberto Uchôa, pude perceber que estava equivocado em alguns posicionamentos e mudei minha forma de observação do fato.

Logo após sua saída do governo, o ex-ministro Moro expõe ao Jornal Nacional conversas particulares que teve com o presidente e com uma parlamentar bolsonarista. O conteúdo das conversas parece contradizer o presidente em relação à sua intenção de intervir na Polícia Federal mas, ao mesmo tempo, expõe a aceitação velada de Moro à negociata envolvendo sua indicação ao cargo de ministro do STF.

Bolsonaro foi corajoso em manter sua intenção de mudar o diretor da PF. Mesmo com a negativa inicial do seu ministro da Justiça, o presidente deveria sim manter sua prerrogativa e exercer seu mandato com a liberdade que a lei lhe confere. A independência da PF é um ponto importante no sentido de garantir a liberdade de investigação e de autonomia técnica e científica. Porém o órgão policial é subordinado ao Estado; não é órgão de governo, mas como uma entidade do estado brasileiro, deve seguir o ordenamento jurídico. A intervenção — nos moldes do mesmo ordenamento e quando necessária — deve ser feita pela estrutura legítima do poder executivo.

Embora as mudanças propostas na PF possam ser motivadas para barrar investigações contra a família Bolsonaro, será preciso ser bem provado, sendo meros prints de conversas particulares insuficientes.

Há vários crimes de responsabilidade cometidos pelo presidente. Porém um processo de impeachment também é político. Segundo pesquisa Datafolha divulgada nesta segunda, Bolsonaro ainda mantém apoio de 33% da população, mesmo após as denúncias feitas pelo ex-ministro da Justiça Sérgio Moro. Quem foi contra o processo da Dilma (como eu, embora não concorde que foi um golpe) não pode concordar agora com isso.

Denúncias de um ator político que por vezes agiu de maneira sorrateira e que comandou uma operação que expôs sua vaidade e sua atuação sempre em um limite perigoso de ilegalidade e que semeia nulidades processuais, não pode manipular a república. Sua clara aliança com a Rede Globo não deve servir para colocá-lo agora, depois de todas concessões como ministro, como o principal opositor de Bolsonaro.

O governo é merecedor de inúmeras críticas e o presidente continua sem a menor condição intelectual e republicana de ser o comandante da nação. Porém foi eleito e representa ainda, apesar de tudo, mais de 1/3 dos eleitores. Se a população quiser retirá-lo do cargo, que seja pela via democrática e não por manipulação de um juiz paladino da justiça. Não nos rebaixemos às mesmas práticas que ora condenamos em diversas ações do próprio presidente.

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    Edmundo Siqueira

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