Seeduc confirma afastamento de professor do Liceu por charge com Bolsonaro e Trump
Camilla Silva 22/03/2019 17:16 - Atualizado em 25/03/2019 17:11
A secretaria de Estado de Educação afastou, nesta sexta-feira (22), o professor do Liceu de Humanidades de Campos Marco Antônio Tavares da Silva, que aplicou uma atividade em uma aula de Português onde alunos do 3º ano do Ensino Médio deveriam comentar uma charge na qual aparecem o presidente do Brasil, Jair Bolsonaro (PSL), e o dos Estados Unidos, Donald Trump, na cama, embaixo de cobertores, com a bandeira estadunidense ao fundo. O docente e representantes do Sindicato Estadual dos Profissionais da Educação (Sepe) foram recebidos, nesta tarde, pelo presidente da Comissão de Educação da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, Flávio Serafini (Psol). Além de cobrar explicações ao Governo do Estado, Serafini informou que encaminhou o caso para a Delegacia de Repressão aos Crimes de Informática, com objetivo de apurar as ameaças a Marco Antônio pelas redes sociais. A notícia, em destaque na Folha 1 desde quarta-feira (20) ganhou as capas da mídia nacional, como o jornal O Globo e o Extra, nesta sexta.
Marco Antônio informou que recebeu uma ligação da diretora da escola, por volta das 7h, solicitando que ele não comparecesse ao trabalho por decisão do governador Wilson Witzel (PSC). O professor disse, ainda, que procurou a Coordenadoria Regional de Educação, assistido por uma advogada, e foi orientado a aguardar uma decisão sobre a situação, que não teria previsão para acontecer. Segundo o Sepe, a regional teria informado que não houve afastamento oficial, mas o professor foi convidado a não dar aula para “acalmar os ânimos”. 
— Recebi uma ligação hoje de manhã, da diretora de onde eu trabalho, informando que eu não deveria ir à unidade hoje. Eu perguntei se eu estava sendo afastado, ela me respondeu que sim, por decisão do governador. Então eu procurei o Sepe, que me deu assistência jurídica, e fui com uma advogada até a Coordenadoria Regional, para perguntar o que estava acontecendo. Eles me informaram que não tinha sido aberto uma sindicância e eu não estava sendo afastado, mas que eu não daria aula hoje para “acalmar os ânimos”. Foi então que perguntei se iria levar falta e eles disseram que não. Inclusive, a responsável pela coordenadoria ligou pra diretora da escola na minha frente informando a ela isso. Perguntei, então, se poderia dar aula na próxima segunda e eles me informaram que era pra eu aguardar em casa uma decisão, mas não informaram quando — relatou o professor.
A Secretaria de Estado de Educação (Seeduc) afirmou que tomou a decisão de suspender o professor na última quinta-feira, no entanto, desde quarta-feira já havia comunicado à imprensa. “Nesta sexta-feira, dia 22, foi aberta uma sindicância para apurar o caso. A partir de então, o professor ficará afastado das atividades até a conclusão do processo. Um docente será alocado para ministrar as aulas, sem necessidade de interrupção das atividades e do conteúdo da disciplina”, informou em nota.
O presidente da Comissão Estadual de Educação informou que vai pedir um esclarecimento ao Governo do Estado sobre o caso na escola campista. “Na nossa interpretação, o professor passou um exercício para reflexão dos alunos absolutamente cabível e razoável do ponto de vista pedagógico. Teve uma repercussão, de gente criticando e apoiando nas redes sociais, mas isso não justifica nenhum tipo de punição sumária ao educador. Não podemos permitir que um professor seja perseguido, porque alguém postou nas redes um conteúdo que discorda. Isso é legitimar a censura e a perseguição”, afirmou Serafini.
O deputado destacou, ainda, que vai acompanhar, tentado garantir os direitos tanto funcionais, do servidor, quanto pedagógicos do professor. Para Serafini, o caminho agora é levar o caso para investigação da Delegacia de Repressão aos Crimes de Informática:
— Essa publicação contra o professor despertou diversas falas de ódio, de ameaças, o que é absolutamente inaceitável do ponto de vista do Estado Democrático de Direito. As pessoas não podem ameaçar as outras de morte, incitar a violência contra as outras pessoas. Encaminhamos o caso à Delegacia de Repressão aos Crimes de Informática para que essas pessoas que estão incitando o ódio, que estão ameaçando o profissional, sejam investigadas e punidas.
Flávio Serafini também comentou sobre a informação da diretora do Liceu, que, segundo relato de Marcos Antônio, teria creditado a decisão de afastamento do professor ao próprio governador. “Claro que isso pode ter sido algo que passaram para a diretora, e que não tenha sido um contato direto do governador. Temos de ter muito cuidado. O governador não pode ficar reagindo a criticas midiáticas, tomando decisões que interferem na vida de um servidor público e na prática pedagógica de um professor. Seria um absurdo o governador virar censor do que está sendo discutido em sala de aula”, salientou Serafini.
A Folha solicitou desde quinta um posicionamento da Seeduc sobre a justificativa para considerar o afastamento a melhor opção neste caso, mas o órgão não respondeu. Também foi questionada a veracidade de o print de uma mensagem atribuída ao secretário estadual de Educação, Pedro Fernandes, na quarta, informando sobre o afastamento do professor antes de um posicionamento oficial e de comunicar a decisão à escola. Outro fato questionado foi o de o docente ter sido comunicado por telefone, sem a entrega de nenhum documento oficial.Nenhuma resposta foi enviada.
A atividade, apresentada, na última quarta-feira (20), pedia que os estudantes do 3ª ano do ensino médio comentassem uma charge na qual aparecem o presidente do Brasil, Jair Bolsonaro (PSL), e o dos Estados Unidos, Donald Trump, na cama, embaixo de cobertores, com a bandeira estadunidense ao fundo. O trabalho foi fotografado por um aluno e divulgado nas redes sociais por grupos que defenderam a punição do docente por considerarem que apresentava conteúdo impróprio. As mensagens afirmavam que a ação faria parte de uma tentativa de doutrinação por parte de um movimento político de esquerda. Alguns comentários contestam, inclusive, se a imagem poderia ser apresentada a alunos adolescentes. Outros consideram que a atividade deveria gerar, inclusive, um processo ao professor. Também teve quem defendesse o direito do professor, salientando que charges políticas sempre foram usadas em atividades acadêmicas.
Nesta quinta, o professor falou à Folha que, desde que o trabalho proposto em sala de aula foi divulgado nas redes sociais, uma série de agressões e ameaças começaram a chegar até ele: “Eu já estou sendo assistido por alguns órgãos de representação e nós vamos acionar juridicamente que compartilhou essas imagens fora de contexto, atribuindo crimes a mim”, informou.
— O trabalho foi apresentado dentro de um contexto. Os alunos foram instruídos a identificar o humor, a ironia, que são figuras de linguagem muito comuns de texto. A charge é prevista na grade curricular desde a 8ª série. A charge trata de um contexto político amplamente divulgado na mídia do mundo inteiro. Assim, sua análise (contra ou favorável) ficou a critério única e exclusivamente dos alunos, usando para isso, seus próprios argumentos, não havendo assim, doutrinação — explicou o professor.
Segundo o site da Educação, o Liceu de Humanidades de Campos tem cerca de 3 mil alunos e atende do 6º ao 9º ano e as três séries do ensino médio. 

ÚLTIMAS NOTÍCIAS