Artigo de domingo - O passado condena quem vendeu o futuro
23/07/2017 18:35 - Atualizado em 25/07/2017 16:02
Por Ricardo André Vasconcelos (*)
Quem conhece a trajetória de Garotinho não se surpreendeu com o estado em que deixou as finanças da Prefeitura de Campos após oito anos do governo Rosinha. Ao endividar o Município pelos próximos anos numa transação bancária que pode estar manchada de ilegalidade, confirmou que não tem nenhum compromisso com a cidade e tão somente apenas com seu projeto político pessoal. Já agiu assim em sua primeira e exitosa experiência como prefeito (1989-1992) quando apresentou, de fato, um volume expressivo de ações, como aberturas de escolas, creches e postos de saúde. E mesmo embalado pelo aumento da arrecadação garantida pela Constituição recente e os royalties ainda tímidos, deixou dívidas que tiraram o sono e quase inviabilizaram o governo do sucessor. Garotinho saiu do governo com aprovação quase unânime, elegeu Sergio Mendes seu sucessor com 71% dos votos válidos.
Assim como Mendes, Arnaldo Vianna herdou, em abril de 1998, a Prefeitura de Campos quando Garotinho renunciou ao seu segundo mandato para disputar e ganhar o Governo do Estado. Os royalties já não eram tão tímidos e a arrecadação maior, mas deixou outro sucessor também em apuros. O orçamento da PMCG tinha saltado de R$ 83.1 milhões em 1998 para 1.4 bilhão em 2009, quando Garotinho voltou ao comando da Prefeitura, desta vez tendo a mulher como preposta. Em oito anos foram cerca de R$ 20 bilhões geridos na máquina municipal sem que se tenha plantado uma única semente para garantir o futuro. Ao contrário, gastaram tanto que, ao fim da farra, da gastança, foram obrigados a empenhar royalties futuros e amarrar 20 anos ou o equivalente a mandatos de vários prefeitos à Caixa Econômica Federal. O que foi feito com o dinheiro tomado de empréstimo é a grande pergunta que nenhuma auditoria ainda descobriu.
O contrato de cessão de crédito à Caixa Econômica, que soma R$ 1.3 bilhão, está no centro de uma disputa judicial, sendo que só receberam R$ 564 milhões — aliás, R$ 367 milhões, já que R$ 194 milhões foram usados para quitar um empréstimo anterior, com a mesma Caixa. O governo atual se embasa na lei municipal aprovada pela Câmara à época e que autorizava o empréstimo desde que o desembolso mensal fosse limitado a 10% do valor total a ser recebido pela prefeitura de royalties e participação especial, mas pelo contrato a instituição bancária teria o direito de ficar até com a metade dos valores arrecadados.
Nos oito anos que também governou o Estado — parte tendo a esposa como preposta, da mesma forma que na Prefeitura de Campos — Garotinho já tinha antecipado recursos dos royalties no governo Fernando Henrique Cardoso e também quebrado fundo de Previdência dos Servidores do Estado como praticamente fez com o Instituto dos Servidores Públicos Municipais – Previcampos. Com o mesmo expediente, em 2016 com a presidente Dilma, já com um pé fora do Palácio do Planalto, teria negociado a ausência da filha deputada federal da votação que aprovou o impeachment em troca do empréstimo.
Se hoje o Estado do Rio de Janeiro está falido, não é possível culpar só as roubalheiras de Sergio Cabral Filho e sua gangue. Há um problema estrutural antecedente que, aliado à crise particular da indústria petroleira, fazem do Estado do Rio e especialmente dos municípios “royaltiesdependentes”, vítimas preferenciais da crise. Se somar a este quadro um governo perdulário que durante oito anos protagonizou uma grande farra de obras caras, mal feitas (muitas inúteis), contratos suspeitos e shows milionários, resulta neste quadro de caos iminente.
Na última quinta-feira, a Procuradoria Geral da PMCG conseguiu uma vitória importante ao convencer o desembargador Marcelo Pereira da Silva, do TRF-2, a restabelecer os efeitos da liminar concedida em primeira instância, ou seja, limitando o pagamento do empréstimo em 10% do montante recebido de royalties e Participação Especial. Ainda falta julgar o mérito e o processo fatalmente vai subir ao Superior Tribunal de Justiça e ao Supremo Tribunal Federal (STF). O alívio pode ser efêmero e se, ao final do processo a Justiça não se sensibilizar com a bancarrota municipal e deixar a Caixa Econômica cobre o que acha que lhe é de direito, cabe ao governo atual encontrar uma saída porque os que venderam o futuro estão longe e a conta chegou.
*Jornalista

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