Delatores da Odebrecht e o depoimento em Campos
- Atualizado em 09/07/2017 11:37
Vinte e seis de junho de 2017. Neste dia, entraram na sede do Ministério Público Estadual (MPE), em Campos, dois protagonistas da chamada “Delação do fim do mundo” - maior acordo de colaboração de uma empresa com a Justiça até o da JBS, ocorrido em maio último. Ex-diretores da Odebrecht Infraestrutura, Benedicto Barbosa da Silva Júnior e Leandro Andrade Azevedo estiveram na 1 Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva, onde confirmaram o que consta em depoimentos já prestados ao Ministério Público Federal (MPF): Pagamento, parte através de caixa 2, para a campanha de Rosinha Garotinho (PR), em 2008 e 2010, e para Anthony Garotinho em 2014. No total, o “investimento” foi de R$ 20 milhões. Em troca, facilidade no acesso a quem tinha “ingerência no governo municipal a tão ponto de mandar realizar eventuais pagamentos de obras em atraso. A Odebrecht foi a responsável pela construção do conjunto habitacional Morar Feliz, cujo contrato, assinado pela então prefeita e por Benedicto, em cerimônia onde Leandro representou a empresa, foi o maior já firmado pelo Município: Quase R$ 1 bilhão já com aditivos. O edital só possibilitava chance a uma grande empresa que, por “vergonha”, chamou outras duas para participar. Por sua vez, caso fosse a Odebrecht a atrasar valores acordados, era preciso reunir-se com “Bolinho”, “Bolinha” ou “Pescador”, codinome do marido da prefeita, segundo os delatores, para explicar a demora no pagamento.
Os dois executivos estiveram em Campos para depôr no Inquérito 121/2015, cujas investigações tiveram início em 2011, e já tem quase três mil páginas. Ex-superintendente da empresa no Rio, Leandro Azevedo conta que, em 2008, o então presidente da Odebrecht Benedicto Barbosa da Silva Júnior, o BJ, que comandava o Setor de Operações Estruturadas da empresa, o chamado “departamento da propina”, o informou de que havia tido reunião com Garotinho, onde este havia pedido contribuição eleitoral para a candidatura de Rosinha à prefeita de Campos. Benedicto teria acordado em torno de R$ 5 milhões “e que esse valor seria pago através de Caixa 2, dinheiro não contabilizado, através da área de operações estruturadas da Odebrecht, por ser um valor muito expressivo para uma eleição a Prefeito”.
Ainda segundo Leandro Azevedo, ele foi apresentado, em 26 de maio de 2008, a Garotinho, no escritório da “Palavra de Paz”, na Glória, Rio de Janeiro. Lá, foi questionado sobre o que fazia na empresa e conheceu o Programa de Governo de Rosinha. A reunião teria sido marcada com uma secretária de Garotinho, Lourdes, segundo Leandro, hoje já falecida. Na ocasião, Benedicto disse que Leandro era executivo de sua confiança e que seria ele a operacionar valores. Garotinho teria dito qual a intenção na área de saúde, social e de infraestrutura, dizendo que o carro-chefe da campanha de Rosinha era construção de casas populares.
Leandro conta que prometeu e voltou com planejamento de pagamento - via caixa 2, em dinheiro e entregue no escritório do “Palavra de Paz”. Relata, ainda, que os R$ 5 milhões foram entregues em programações semanais, no período que antecedeu as eleições de 2008 - segundo os dados do sistema da Odebrecht, entre maio e setembro. De acordo com ele, Garotinho fazia observações sobre o planejamento: “esse valor aqui de R$ 225 mil dá para ser na semana anterior?”. E ainda teria dado nome de duas pessoas que receberiam o dinheiro, um deles chamado “Sérgio”. A partir daí, passou a enviar emails semanais a Maria Lúcia Tavares fazendo programação do que seria desembolsado. Em outra vez,
O codinome "Bolinha”, segundo Leandro Azevedo, já existia no sistema, porque "em outras campanhas, provavelmente, o Benedicto já deve ter feito isso”. O dinheiro, entregue via doleiros, não foi sacado de nenhuma conta da empresa.
A operação se repetiu em 2012, quando Benedicto disse que recebeu a informação de Garotinho sobre a reeleição de Rosinha. Mais R$ 5 milhões em doações foram tratados, A diferença? Local de entrega: E também reuniões que tinham que ser marcadas com Garotinho para explicar que a empresa não tinha o valor naquela semana. Segundo conta, chegou a ser chamado com urgência por Garotinho, em 2012, porque o doleiro não teria entregue o dinheiro. Na data em que acredita ser 13 de agosto, foi pago um “acumulado”, de R$ 1,5 em um único dia.
Era o ônus do trabalho, segundo o executivo. O bônus? Era recebido por Garotinho sem entraves e podia telefonar para falar sobre outro tipo de atraso: de pagamento das obras: “mesmo quando ele não ocupava cargo na administração municipal, eis que ele tinha ingerência sobre a administração municipal, a ponto de determinar pagamento de faturas em atraso”. E que presenciou Garotinho telefonando para o secretário de Fazenda com esta finalidade.
Leandro disse, ainda, que para a campanha para deputado federal em 2010 não participou, por estar fora do Rio. Mas para o Governo do Estado, em 2014, Garotinho com chances de vencer e governo Cabral em crise, o valor combinado foi de R$ 10 milhões, também a serem entregues no “Palavra de Paz”, mas já em outro andar, a uma pessoa chamada Gabriela.
O empresário se comprometeu a enviar ao MP de Campos comprovantes do que disse.
Casamento acabou junto com dinheiro
Rosinha foi eleita em 2008. E, como relatou Leandro Azevedo, "um dos primeiros editais de licitação que ela colocou foi das casas populares". Antes disso, Leandro já havia colocado seu subordinado, Fernando Orsi, para ficar atento a licitações de Campos.
O edital era único para a construção de 5.100 casas, no valor aproximado de R$ 357 milhões. Segundo o executivo, isso chamava a atenção: Na sua visão, poucas empresas grandes se interessariam, porque casas populares não têm qualificação técnica muito grande e rentabilidade baixa em relação a outras obras.
Porém, para a Odebrecht havia interesse por ter uma empresa específica - a Novo Bairro - para este fim. Orsi e Leandro deliberaram para apresentar uma proposta.
Leandro e sua equipe pediram cobertura a Queiroz Galvão e Carioca Engenharia, que teriam aceitado a proposta de apresentar orçamentos maiores. Segundo ele, a troca de favores entre empresas é “normal”, quando algum executivo ficava com “vergonha” de “dar vazio”: Uma única empresa apresentar proposta. Após a reeleição de Rosinha, quando ele não estava no Rio, a vergonha foi perdida na apresentação da segunda fase do Morar Feliz.
Como em muitos casamentos, “acabou o dinheiro, acabou o amor”, a relação não terminou bem. Os executivos alegam que a Prefeitura tem uma dívida com eles de R$ 36 milhões com a empresa. Já, anteriormente, os Garotinho negaram qualquer irregularidade.
Pagamento por caixa 2 e doleiros
Com 30 anos de carreira na Odebrecht, Benedicto Barbosa da Silva Júnior chegou a ser o terceiro na hierarquia da empresa. Junto com Leandro e Angelo Eneas de Sá Freire Areal, engenheiro civil da Odebrecht, esteve em Campos em 26 de junho para depor no Inquérito que apura supostas irregularidades na construção do Morar Feliz. Os executivos estavam acompanhados por três advogadas.
Benedicto também confirmou o que já havia dito em delação premiada. Disse que conhecia Garotinho desde que este era governador. Que foi procurado por ele em 2008, com o pedido para que a empresa doasse algum valor para a campanha da esposa, que seria candidata a prefeita. Confirmou também os R$ 5 milhões através do setor de Operações Estruturadas. Além de 2008, 2012 e 2014, também teria havido pagamento em 2010. Falou, ainda, de pagamentos através do PR nacional e de empresas.
Entre as contrapartidas estavam o bom relacionamento e livre acesso ao político que a empresa acreditou que seria governador. O executivo também se comprometeu a enviar comprovantes ao MP.
Resultado de licitação antecipado
Como é possível acompanhar, no infográfico ao lado, em 29 de maio de 2009, o Ponto Final, da Folha da Manhã, trouxe nota apontando que, segundo fontes, a CBPO, incorporada ao Grupo Odebrecht, seria a vencedora da concorrência pública nº 004/2009, que ocorreria na manhã daquele dia, destinada a construção de 5.100 casas populares.
Os envelopes, porém, não foram abertos naquele dia. Eles permaneceram lacrados por decisão da Procuradoria do município, após o Tribunal de Contas do Estado (TCE) ter pedido explicações sobre o assunto. Em 23 de setembro do mesmo ano, foi divulgado no Diário Oficial do Município o resultado da concorrência pública, confirmando o que o Ponto Final havia adiantado meses antes: a CBPO foi a vencedora da licitação.

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    Suzy Monteiro

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