Felipe Fernandes - "Guerra Civil": A natureza do jornalismo de guerra
*Felipe Fernandes - Atualizado em 01/05/2024 09:31
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A informação e a desinformação sempre foram importantes ferramentas em qualquer tipo de conflito. Quando se trata de uma grande guerra, tudo se torna ainda mais perigoso, com os tempos modernos e a "democratização" dos meios de registro e de divulgação, a informação se tornou ainda mais valiosa, ainda que mais suscetível a manipulação. Não por acaso, o diretor e roteirista Alex Garland abre seu novo filme com o presidente se preparando para um importante discurso, onde claramente ele não está seguro de seu conteúdo.

Em um momento histórico onde o extremismo político parece ser uma tendência global, Garland constrói um road movie para mostrar o trabalho de jornalistas de guerra. Ele poderia escolher qualquer conflito armado, do passado ou presente para situar sua trama, mas ele decide narrar sua história em uma hipotética guerra civil dentro dos Estados Unidos. Um elemento interessante, é pensar um conflito armado dentro do território estadunidense. Essa escolha pode soar como uma crítica/provocação, que não parece tão absurda no fim das contas.

Garland não busca explicar as origens daquele conflito. O filme apresenta algumas informações de forma orgânica em alguns diálogos ou material de pano de fundo, mas não se aprofunda nas causas, mas sim nas consequências. Essa é uma decisão acertada, permitindo ao filme não abraçar nenhum tipo de ideologia política, já que não é preciso muito para dentro do um contexto atual, compreendermos como as coisas podem sair do controle.

A protagonista Lee (Kirsten Dunst), é uma fotógrafa renomada, experiente, mas que sente o peso dos anos realizando esse tipo de cobertura. Ela pretende junto a seu parceiro Joel (Wagner Moura), atravessar o país até a capital para entrevistar o presidente. Na preparação da viagem, acabam se juntando a eles o experiente Sammy (Stephen McKinley Henderson) e a novata Jessie (Cailee Spaeny), que embarca para aprender sobre o ofício. Todos cientes de que se trata de uma jornada extremamente perigosa.

A inserção de Jessie no grupo funciona em termos de roteiro, pois ela se torna a referência do espectador. Cria-se uma dinâmica de mentora e pupila e vamos aprendendo sobre o ofício através de diálogos que se tornam orgânicos, já que é a personagem quem está aprendendo. Acompanhamos suas motivações, sentimentos e como o desejo pelo registro vai tomando o lugar do medo.

A viagem do grupo acontece em meio a estradas vazias, repletas de carros abandonados, construindo uma sensação de mundo pós-apocalíptico. Todos que encontram pelo caminho estão envolvidos militarmente na guerra, sejam moradores que criaram suas próprias regras e defesas, ou grupos militares. O grupo parece atraído sempre que encontra uma tiroteio, acabam se envolvendo buscando apuração e registro e uma busca consciente pela emoção daquele tipo de momento.

O filme é eficiente em construir uma sensação de perigo, como se a qualquer momento algo pudesse acontecer aos personagens. As cenas de ação são bem construídas, fugindo de qualquer estilização. São cenas cruas, que ganham muito devido ao excelente som do filme, que realmente nos transporta para a zona de guerra, potencializando a sensação de perigo.

Chama atenção como em algumas cenas acompanhamos as fotógrafas em meio aos soldados, se movendo e empunhando suas câmeras como se fossem armas. Essas cenas reforçam a ideia da informação como arma de guerra, ainda que ela não seja tão eficaz no momento da ação, são essas fotos que podem causar um impacto maior no quadro geral.

Guerra civil é um excelente road movie que consegue nos fazer compreender um pouco da natureza por trás dos jornalistas de guerra e funciona como uma previsão pessimista sobre o futuro do mundo com a expansão da polarização política e do radicalismo. É um blockbuster que não mete o dedo na ferida, mas provoca reflexão, o que já é um diferencial se comparado a tudo que Hollywood vem produzindo nos últimos anos.

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