Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), Lei Orçamentária Anual (LOA), Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), remanejamento... Uma verdadeira sopa de letrinhas e palavras enormes que fazem parte do nada popular vocabulário das discussões sobre os orçamentos municipais. Se o assunto não tem grande apelo popular, por outro lado possui enorme importância na vida das pessoas, uma vez que as definições sobre o tema impactam diretamente nas ações dos governos para a população. E a polêmica mais recente diz respeito a um movimento das bancadas de oposição em Campos e São João da Barra – capitaneadas pelo deputado estadual Rodrigo Bacellar (PL) – para que seja reduzido o percentual de remanejamento dos respectivos municípios para 5%.
Em SJB, a Câmara já aprovou a LDO – uma prévia do orçamento – com o valor de 5%, enquanto em Campos o governo vem tentando empurrar para frente a discussão para ganhar tempo. A manobra – vista pelos govcernistas como uma tentativa de engessar o Executivo – tem causado polêmica. Na prática, ela limita o percentual que o prefeito poderá ajustar de sua peça orçamentária, que é aprovada com valores carimbados para cada área. Se, por exemplo, o prefeito quiser remanejar acima dos 5%, terá de ter aprovação da Câmara.
Para esclarecer um pouco mais sobre as consequências desse tipo de estratégia da oposição, a Folha ouviu especialistas da área do Direito, economia, administração pública e ciências políticas, que opinaram sobre mais esta polêmica envolvendo as câmaras de Campos e SJB.
Alcimar Chagas - Economista e professor da Uenf
“Os orçamentos, na verdade, são peças de ficção. A construção desses orçamentos não levam em consideração aspectos técnicos que deveriam ser necessários. Eles simplesmente pegam o orçamento passado e dá um chute para o futuro. Corrigem, segundo a visão deles, sem nenhum critério técnico.
Normalmente é aprovado porque a Câmara, o Legislativo e o Executivo normalmente estão no mesmo campo de ação, são parceiros. Eles negociam esta possibilidade de você transferir recursos de uma rubrica para outra, que é exatamente essa flexibilidade que ele chama de 30%, 20%, 40%. Isso aí dependendo da relação entre os dois órgãos. Pode ser mais ou menos. E agora o que que tá acontecendo? Nós temos aí um conflito. Ficou estabelecido em São João da Barra e em Campos uma oposição. Você tem um cabo de guerra, uma briga. Teoricamente, a oposição quer dificultar a ação do Executivo. Então, como o orçamento não é bem feito e eles não estão dispostos a flexibilizar tanto, eles criam esta limitação de que só pode mexer com 5%.
E o que que isso acarreta na verdade? Eu diria que é uma briga política puramente política. De interesse de grupos. As coisas vão fluindo naturalmente, os municípios vão gastar esses recursos de uma forma ineficiente, como eles já gastam. Essa nova definição da oposição não vai piorar nem melhorar a situação em nada, pelo contrário, é mais uma posição mesmo de para mostrar que é uma oposição ferrenha. Mas isso aí não dá em nada. Essa que é a verdade. De qualquer forma, a população sai perdendo porque com a flexibilidade ou não, esses municípios não conseguem investir em programas, em projetos, em benefícios da sociedade”.
Hamilton Garcia - Cientista político e professor da Uenf
“Eu começaria pelo ponto de que o a discussão orçamentária, embora, naturalmente, implique em questões técnicas, ela é essencialmente uma discussão política quando a Casa Legislativa, junto com o Executivo, vai discutir as prioridades do gasto público. E isso deveria ser uma uma pauta também mais discutida com a própria sociedade. O problema que a ideia de que os legislativos se ocupe mais dessa discussão e, portanto, da fixação de prioridades e a partir disso busque obrigar ou engessar as administrações, não é em si nenhum problema. Problema é que quando esse engessamento ele se dá ao arrepio de qualquer discussão política com a sociedade e em relação aos problemas da cidade. Parece que é esse o problema que vem acontecendo, em particular em Campos, que é a ideia de criar embaraços políticos para administrações que sejam vistas como hostis aos interesses dos vereadores. Isso não é nada republicano, isso é um jogo mesquinho de oligarquias que deve ser condenado. O orçamento não deve ser uma arma de chantagem. O orçamento é um momento da discussão de prioridades. Eu só lamento que a população, embora muito prejudicado por esse jogo, acabe chancelando esse jogo no próprio modo como vota. Votando exatamente nas oligarquias que disputam o poder e que impõe esse tipo de prática pouco republicana.
O problema, o calcanhar de Aquiles de todo o processo, é o a distância dos parlamentares e da estrutura partidária dominada por essas oligarquias em relação à população. Os partidos são comitês das oligarquias que buscam dominar determinados feudos eleitorais. Isso tem a ver tanto com o nosso histórico passado latifundiário escravista e tem a ver com as próprias regras eleitorais, que facilitam esse domínio, a manutenção desse domínio”.
Igor Franco - Especialista em finanças e professor da Estácio
“O orçamento sempre é uma peça datada e, ao longo da sua execução, muitos acontecimentos obrigam o poder público a realizar ajustes. Por isso, é fundamental uma margem de manobra que permita ao Executivo realizar a adequação dos gastos à realidade que se apresenta. Não existe, a princípio, um percentual ideal de remanejamento. Considerando a grande rigidez do gasto público que é comum no Brasil, um percentual de 5% me parece bastante apertado, colocando em risco a provisão de serviços públicos essenciais à população.
Sem dúvidas, a imposição de uma margem tão pequena tem conotação de um movimento político para obtenção de concessões por parte do Executivo em relação aos interesses dos membros do Legislativo. É importante ressaltar que, a priori, isso faz parte do jogo político e não significa necessariamente imoralidade ou ilegalidade.
Dado que a definição do orçamento possui grande influência legislativa, possuir minoria de votos nas casas dificulta muito ao Executivo a aprovação das dotações conforme sua vontade inicial. A saída, no caso, é negociar com a oposição determinadas concessões em troca da aprovação das peças orçamentárias. Quanto mais fraca a posição do Executivo, maior será sua concessão.
A princípio, parece-me que o veto (do prefeito) seria tão somente para forçar a rediscussão do tema na Câmara, já que o remanejamento é uma autorização legislativa. Ou seja, a ausência dessa autorização deixa o Executivo sem margem de manobra. Um cenário em que o remanejamento proposto na lei orçamentária não fosse um consenso entre os poderes poderia atrasar as discussões da matéria e, no limite, afetar a própria execução orçamentária, culminando na falta de recursos públicos para cumprimento de suas obrigações”.
José Alves de Azevedo Neto - Economista e professor da Universo
“O impacto de curto e médio prazo se dará através do aumento da morosidade das ações administrativas, no que tange, a implementação das políticas públicas nas áreas finalísticas da Administração Pública, como por exemplo, na Saúde, na Educação, na Assistência Social e nos demais segmentos. Diante disso, se o prefeito tiver somente 5% de remanejamento orçamentário, obrigatoriamente, a alternativa dele será recorrer ao parlamento sempre que necessitar de crédito suplementar, e com isso, a prestação de serviços à sociedade ficará comprometida devido à burocracia e a negociação política. Entendo que o governo ficará imobilizado, dependendo sempre de uma negociação com o Legislativo. O que não é razoável do ponto de vista administrativo e político.
É importante a gente ressaltar o seguinte: o que está em jogo hoje são as eleições municipais do ano de 2024. Tal movimento tem apenas conotação política e nenhum desses vereadores estão preocupados com o funcionamento da cidade. Eles estão de olho na cadeira do prefeito e da prefeita daqui a dois anos.
Então, criaram essa estratégia política para colocar o chefe do Executivo submetido aos interesses do parlamento, sem nenhuma racionalidade do ponto de vista administrativo. E o pior, o governo ficará engessado nas suas ações.
Acho que existem outras formas dos vereadores controlarem o Poder Executivo. Essa não dá. A função do chefe do Poder Executivo é administrar o município e a dos vereadores é a de fiscalizar. E mais, nenhum desses poderes devem usurpar das suas atribuições constitucionais. Conceder apenas 5% ao Poder Executivo para remanejar o orçamento público é colocar a faca no pescoço do prefeito e da prefeita”.
Marcilene Nunes - Contadora e pós-graduada em Gestão Pública
“Entendo que as câmaras municipais, dentro das suas atribuições constitucionais, tem o dever de legislar e fiscalizar a gestão do poder Executivo. Não vejo a redução dos limites para 5% como ato de engessamento e sim um movimento normal com a intenção de participação nas ações do Executivo, sem, é claro, ferir o poder discricionário do Executivo.
Na minha opinião, o embate político existente entre o Executivo e Legislativo dos municípios de São João da Barra e Campos está acontecendo por falta de diálogo e até mesmo por orgulho por parte dos mandatários do Executivo em não querer ver e tratar o Legislativo com o respeito institucional que lhe é devido.
Vejo as câmaras municipais atuando de maneira eficiente, transparente, tentando ajudar os prefeitos a respeita-los como detentores dos cargos eletivos outorgados pelo eleitor que anseia por políticas públicas de resultados satisfatórios. Podemos dizer que estamos vivendo um momento em que a tecnologia tem levado informações rápidas e seguras a população que, em decorrência, faz com que haja maior participação da sociedade nos resultados trazidos pelas ações públicas dos poderes constituídos.
Não concordo com a afirmação de que os embates nos municípios de Campos e São João da Barra sejam orquestradas pelo deputado Rodrigo Bacellar. No vizinho município de São Francisco, o deputado é apoiado pelo ex-prefeito Pedrinho Cherene (principal opositor político da prefeita Francimara) e não há esse embate entre a prefeita e a Câmara.
Talvez seja o momento dos governos de SJB e Campos em rever suas gestões, planejar seus orçamentos dentro de suas próprias realidades e dar aos legislativos as condições de exercer seus mandatos com excelência”.
Thiago José - Advogado tributarista e professor do Uniflu e Cândido Mendes
“Sou adepto à ideia de que, assim como o Executivo, o Legislativo também deve ser protagonista na construção do orçamento público. O Legislativo é a casa do povo, um órgão, em tese, plural, por isso a importância da sua participação na elaboração do orçamento. Todavia, acho pequena uma margem de remanejamento de 5% ao longo da execução do orçamento. Façamos uma analogia: imagine um orçamento doméstico ou até de uma pequena ou média empresa; por mais que a pessoa e a empresa sejam organizadas financeiramente, intercorrências acontecem ao longo da execução do orçamento, nascendo daí a necessidade de se adequar o orçamento com uma certa celeridade. Projete isso para o campo da administração municipal! Não podemos ser inocentes ao ponto de imaginarmos que o orçamento aprovado em dezembro servirá como uma luva quando da sua execução no próximo ano, ajustes sempre são necessários! Acho razoável permitir que o Executivo faça os remanejamentos com uma folga maior do que 5%, sob pena de prejudicar a execução de algumas ações ou programas de governo, sem prejuízo do Legislativo continuar exercendo os seu papel de controle.
No atual cenário político-partidário do nosso município, vejo como tentativa de engessamento. Porém, abstraindo o cenário político-partidário, esse movimento poder ser uma semente para o resgate do protagonismo do Legislativo local em matérias orçamentárias, e torço para que seja dentro do campo da moralidade e do interesse público, não como barganha política e de interesse pessoal dos vereadores.
A política de ordem partidária tem que ficar de fora das questões orçamentárias. Já a política, como a arte do bem comum, é uma questão intrínseca ao orçamento público”.