Um fenômeno mundial de demissões voluntárias pode ter chegado ao Brasil, trazendo reflexos também no Norte Fluminense, região que é polo acadêmico-científico no interior do Rio. O estudo “The ‘Great Resignation’ chegou ao Brasil? Uma radiografia dos desligamentos voluntários no país”, produzido pela Firjan, constatou que, no primeiro semestre deste ano, ocorreram 3,5 milhões de demissões voluntárias em todo o país.
Foi o caso do programador Jean Melo, cabo-friense que morou em Campos em 2017. Depois de conseguir o sonho de boa parte dos brasileiros — tornar-se servidor público, em seu caso no IFF Campos —, ele recebeu uma proposta para se mudar para a Cracóvia, na Polônia, cidade com cerca de 700 mil habitantes. Aos 33 anos, ele e a então namorada, também servidora pública, não pensaram duas vezes.
— Eu comecei a ver que muitos amigos, com os quais havia trabalhado, estavam saindo do Brasil, e isso despertou meu interesse. Atualizei meu LinkedIn (rede social de negócios e mercado de trabalho), e comecei a receber várias mensagens de recrutadores na Europa. Acho que todos os sentimentos que poderiam me prender no cargo público foram ofuscados pelas coisas boas que me esperavam, como salário maior, oportunidade de crescimento e experiência de vida — conta Jean, que hoje já mudou de emprego na própria Polônia: uma “startup” americana especializada em transferência de dinheiro, que conta com um escritório na Cracóvia com cerca de 70 funcionários.
Jean faz parte de um fenômeno mundial conhecido como “The Great Resignation” — ou A Grande Renúncia —, e que ganhou relevância a partir da pandemia de Covid-19, diante da escassez de insumos para produção, paralisação das atividades, altas taxas de desemprego e a introdução e difusão do trabalho remoto (home office). No primeiro semestre deste ano, a quantidade de brasileiros que pediram demissão bateu um recorde histórico: um em cada três (34,5%) contratos encerrados aconteceram por iniciativa do próprio funcionário — um crescimento de 34,6% quando comparado ao mesmo período do ano passado.
— Esse fenômeno traz novos desafios para o setor produtivo no que se refere à captação e retenção de talentos nas empresas, podendo afetar o planejamento das empresas, que precisam não apenas repor uma vaga, mas também treinar um novo funcionário e aguardar que ele atinja toda a sua maturidade produtiva — disse o presidente da Firjan Norte Fluminense, Francisco Roberto de Siqueira.
Segundo o gerente de Estudos Econômicos da Firjan, Jonathas Goulart, historicamente sempre existiram inúmeros fatores que levavam um trabalhador a pedir demissão, desde questões pessoais à busca por novos desafios profissionais e maiores remunerações. Mas as mudanças nas relações de trabalho, aceleradas pela pandemia e pela transformação digital nas empresas, introduziram novas regras ao jogo. “A preferência por novas modalidades de trabalho, a globalização do mercado de trabalho — com a possibilidade de profissionais brasileiros atuarem em empresas estrangeiras sem sair do país — e um desejo crescente por maior equilíbrio entre trabalho e a qualidade de vida são algumas delas”, avalia Goulart.
Profissionais de Tecnologia da Informação
De acordo com Jonathas Goulart, também chama atenção nos números do Caged que o Brasil já observou um alto nível de solicitação de demissões em momento recente. No entanto, esse movimento não havia ocorrido em um cenário de desemprego elevado, como agora. Os últimos dados da Pnad Contínua mostraram que, em maio de 2022, mais de 10,6 milhões de brasileiros se encontravam desocupados em busca ativa por emprego.
Conforme os dados do Caged analisados pela Firjan, as profissões da área de Tecnologia da Informação se destacam com maior proporção de pedidos de desligamento, como é o caso de Jean. Seis das dez ocupações no topo do ranking são dessa área: engenheiro de Aplicativos em Computação, analista de Desenvolvimento de Sistemas, administrador em Segurança da Informação, programador de Sistema de Informação, Engenheiro de Sistemas Operacionais em Computação e gerente de Projetos de Tecnologia da Informação.
Jean acrescenta que o brasileiro é muito bem visto profissionalmente no exterior, “tanto pelo carisma como por sermos bons trabalhadores, então só por ser brasileiro já estamos uns passos à frente”. Mas destaca que é preciso inglês de ponta e, no caso do seu ramo profissional, ficar nos fundamentos da informática em vez das ferramentas.
— Percebo que as empresas aqui procuram profissionais que entendam os fundamentos da informática, em vez de saber programar em uma certa linguagem de programação, por exemplo. Então uma pessoa que tenha um conhecimento sólido de fundamentos de programação, tem mais chances de conseguir uma vaga de Python (tipo de linguagem de programação de computador), sem nunca ter trabalhado com a linguagem, do que uma pessoa com três anos de experiência programando em Python, mas com fraco conhecimento fundamental — defende.
Jean destacou, por exemplo, o curso de “Programação para iniciantes com Python”, oferecido pela Casa Firjan na modalidade de ensino à distância (EaD). O curso, com início em 20 de setembro, destaca justamente os fundamentos da programação, como pensamento computacional e as estruturas de dados. Outros cursos oferecidos pela Firjan SENAI na área de tecnologia, também na modalidade EaD, são os de “Metodologia de Cybersecurity”, sobre princípios de segurança, crime cibernético, tecnologias e procedimentos utilizados para defender as redes e a proteção de dados e privacidade; e “Introdução ao Big Data”, que traz um panorama referente às técnicas de manipulação de dados.
— O que está acontecendo é uma oportunidade imensa para todos nós, já que agora até quem prefere ficar no Brasil consegue trabalhar remotamente por um salário que não conseguiria no país — afirmou Jean, que se casou com a namorada e, juntos, tiveram uma filha polonesa.