Entraves burocráticos atrasam início da restauração do Solar do Colégio
Matheus Berriel 02/07/2022 05:02 - Atualizado em 02/07/2022 10:55
Solar do Colégio abriga o Arquivo Público Municipal
Solar do Colégio abriga o Arquivo Público Municipal / Foto: Rodrigo Silveira
Construído pelos jesuítas de 1652 a 1690, tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) em 1946 e desapropriado pelo Governo do Estado em 1977, o Solar do Colégio tem reforma assegurada desde 16 de dezembro do ano passado, com recursos já liberados pela Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj). Contudo, entraves burocráticos atrasam o início da obra no prédio, situado em Tocos, na Baixada Campista, e que abriga o Arquivo Público Municipal Waldir Pinto de Carvalho desde a sua fundação, em 2001, guardando acervos de jornais e outros documentos históricos.
A reforma do Solar do Colégio começou a ganhar força em 4 agosto de 2021, quando o prefeito de Campos, Wladimir Garotinho, anunciou a assinatura de um termo de cooperação com a Sociedade Artística Brasileira (Sabra) para realizá-la. Durante visita a Campos em 29 de setembro, o presidente da Alerj, André Ceciliano, levantou uma proposta de repasse de verba. No início de outubro, o prefeito Wladimir encontrou-se com Ceciliano junto ao reitor da Universidade Estadual do Norte Fluminense (Uenf), Raul Palacio, e ao deputado estadual Bruno Dauaire, apresentando plantas e uma planilha de custo orçamentário de um projeto de restauração, orçado em cerca de R$ 20 milhões. Menos de três meses depois, em dezembro, foi aprovado na Alerj, por unanimidade, o repasse de R$ 30 milhões do Fundo Especial do próprio Legislativo para três projetos da Uenf, abraçando também a criação de um museu e uma escola de extensão na casa sede da Fazenda Campos Novos, em Cabo Frio. Já em 25 de janeiro, foi feito por Wladimir e confirmado por Raul Palacio o anúncio de que a verba necessária para a restauração completa do prédio do Arquivo Público e a digitalização do seu acervo havia sido depositada na conta da Uenf. Na ocasião, Raul estimou que um edital de licitação das obras ocorreria “a partir do final de fevereiro, início de março, de repente já com algumas obras em andamento”.
Seis meses se passaram até a entrevista do prefeito Wladimir Garotinho à Folha FM na penúltima sexta-feira (24), em que ele citou a liberação do recurso pela Uenf como o único entrave para a reforma sair do papel.
— O projeto foi feito, foi desenvolvido, foi orçado. Conseguimos o recurso, já está depositado na conta da Uenf. Depende agora da Uenf. O que eu, enquanto prefeito, posso fazer é cobrar da Uenf. Entendo que existem trâmites burocráticos, trâmites administrativos. Mas, de fato, como está? Está na Uenf. As pessoas têm que entender que o dinheiro está lá e que pode ocorrer de ter até que devolver se não usar. O reitor até diz que não, que está numa conta, está parado. Mas, o que me foi dito na Alerj é que esse dinheiro pode voltar se não for usado — enfatizou Wladimir na entrevista, também mencionando que foi renovada pelo Governo do Estado a cessão do prédio à Prefeitura por mais 20 anos.
Procurado pela Folha, o reitor Raul Palácio afirmou que existem outros entraves, mas que a Uenf trabalha para cumprir as etapas necessárias e dar transparência.
— Não é só liberar o dinheiro. Na verdade, a gente não tem o projeto para executar. A Sabra fez um projeto emergencial, mas esse projeto emergencial, a gente teria que licitar primeiro, para que as empresas possam participar. O projeto de restauração em si não existe. Nós não temos aprovação do Iphan de um projeto completo. Só há um projeto de emergência, que eu não tenho. Mas, se a Prefeitura entregar este projeto para a gente, a gente convence a executar a obra o quanto antes, como vamos fazer em Cabo Frio. A grande verdade é que não é tão simples assim — disse o reitor. — Nos falaram no início que era um projeto completo, o que não é verdade. Nos falaram também que a Sabra era a única empresa que podia executar isso, e também não é verdade. Nós não sabíamos exatamente como executar, agora sabemos. Agora, vamos dividir em duas etapas: uma vai ser o projeto, e a outra vai ser a execução do projeto. O projeto em si pode ter uma parte emergencial, e essa parte a gente vai executar. Mas, é muito mais complexo do que o que nos foi colocado — reforçou.
Também contactado, o presidente da Sabra considerou a restauração complexa e disse que o seu projeto executivo passa por constantes análises, tendo cada etapa aprovada pelo Iphan antes da execução. De acordo com Márcio Miranda Pontes, além da primeira etapa, com intervenções emergenciais que correspondem a mais de 50% das obras, também já estaria aprovado um anteprojeto de restauro, cuja concepção ocorre durante a execução da primeira etapa.
— Quando tratamos de restauro, sempre aparecem surpresas na execução, que, para serem resolvidas, necessariamente precisam ser submetidas ao crivo do Iphan, que aponta o caminho para que a solução seja a mais correta possível, evitando assim prejuízo ou a degradação do bem que se busca resgatar e restaurar — declarou Márcio.
Foi dito pelo presidente da Sabra que, na sua visão, a Uenf figura como interveniente e “já demonstra não ter condições de executar as obras”, citando uma manifestação neste sentido da Gerência de Projetos e Engenharia.
— Como a universidade não tem equipe técnica nem condições para realizar a tarefa, ressaltamos que, como proponentes do projeto de restauro em questão, detemos a propriedade intelectual do mesmo, e, considerando nosso termo de cooperação técnica assinado com a Prefeitura de Campos, nosso objetivo é fazer o melhor para preservação e conservação desse importantíssimo monumento do patrimônio histórico e cultural campista. Temos experiência, equipe qualificada e estamos prontos para dar continuidade aos trabalhos já iniciados com a elaboração e aprovação de projetos no Iphan — finalizou Márcio.
Igualmente procurada, a Prefeitura informou não ter corpo técnico para elaboração de projeto de prédios históricos. Por isso, procurou “assessoria técnica de empresas com expertise e renome no mercado”, firmando o termo de cooperação com a Sabra, que tem sede em Betim/MG e já atuou na restauração de prédios da região histórica de Minas Gerais”. Também de acordo com a Prefeitura, o projeto inicial referente ao Solar do Colégio foi aprovado pelo Iphan, e, por ser este um prédio histórico de grandiosidade, a aprovação da sua totalidade acontece por etapas.
— Num tom colaborativo e mútuo, de quem entende a importância da preservação do patrimônio histórico e cultural, Uenf e Prefeitura Municipal vêm envidando esforços conjuntos para a realização do projeto, estando a Prefeitura por entregar o estudo técnico preliminar do projeto solicitado pela Uenf, que afirmou também não possuir corpo técnico para fazer este estudo preliminar na última reunião realizada entre as instituições. Destaca-se mais uma vez que o projeto inicial já está pronto, aprovado no Iphan, e seria salutar a sua execução urgente para impedir que o prédio venha ao chão. A bem da verdade, a Prefeitura está constantemente colaborando com a Uenf, ciente de que a união dos órgãos é vital para a preservação da história e cultura de Campos — diz um trecho da nota do poder público municipal.
Trabalhando no Arquivo Público há 16 anos e coordenadora desde 2019, a historiadora Rafaela Machado busca fazer uma mediação para agilizar o processo.
— Sabendo que o dinheiro está em conta, eu e a equipe do Arquivo estamos muito ansiosos, principalmente porque vemos as dificuldades do solar, o quanto a documentação precisa passar por uma intervenção urgente. Obviamente, isso nos angustia muito. Mas, por outro lado, sei que as pessoas envolvidas estão muito empenhadas, tanto na Uenf quanto na Prefeitura, para que a obra de fato aconteça e aconteça o mais breve possível. Estimativa de tempo eu não tenho, porque isso é mais com a Uenf. O que eu faço é sempre informá-los a respeito dessa necessidade urgente — comentou Rafaela.
A Folha também tentou contato com o Iphan, que não emitiu posicionamento.
Solar do Colégio abriga o Arquivo Público Municipal
Solar do Colégio abriga o Arquivo Público Municipal / Foto: Rodrigo Silveira
Solar do Colégio abriga o Arquivo Público Municipal
Solar do Colégio abriga o Arquivo Público Municipal / Foto: Rodrigo Silveira

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