Campista é confundido com Mário de Andrade em exposição, sites, jornal e até revista dos Estados Unidos
Matheus Berriel 10/07/2024 10:25 - Atualizado em 10/07/2024 14:43
Homem na foto famosa é o campista Bellini Antônio Ferraz
Homem na foto famosa é o campista Bellini Antônio Ferraz / Foto: Divulgação/Museu Casa Mário Andrade
Campista radicado em São Paulo durante quase toda a vida, o servidor público Bellini Antônio Ferraz (1900-1973) tornou-se figura pública sem de fato ser. O motivo foi uma semelhança física com o célebre escritor paulista Mário de Andrade (1893-1945), que fez com que uma foto sua integrasse uma exposição e fosse publicada em vários sites, num grande jornal brasileiro e até em uma revista dos Estados Unidos, como se mostrasse o poeta modernista.
Recentemente explicado em artigo na revista "Piaui" e no podcast "Rádio Novelo Apresenta”, o equívoco causou o primeiro grande impacto em 2007, quando o Museu Afro Brasil e a secretaria estadual de Cultura de São Paulo realizaram uma exposição sobre importantes personalidades negras do Brasil. Já na ocasião, o cineasta e crítico Carlos Augusto Calil, então secretário de cultura da cidade de São Paulo, identificou que não era Mário de Andrade quem aparecia na imagem alusiva a ele, mas sim um desconhecido. Essa constatação também foi feita pelo crítico Antonio Cândido e pela escritora Telê Ancona Lopez, conforme relatado em matéria da "Folha de São Paulo" no dia 21 de novembro daquele ano.
O assunto voltou à tona em 2015, quando a Festa Literária Internacional de Paraty (Flip) escolheu Mário de Andrade como autor homenageado. Na época, o jornal "O Globo" publicou uma  matéria sugerindo que a foto usada na exposição de 2007 seria do ex-jogador de futebol Mário Andrada (1900-1957), do Club Athletico Paulistano. Em sua obra, o Mário intelectual chegou a mencionar o atleta. Foi em trecho do poema "Domingo", presente no seu livro "Pauliceia Desvairada": “Hoje quem joga?... O Paulistano./ Para o Jardim América das rosas e dos pontapés!/ Friedenreich fez goal! Corner! Que juiz!/ Gostar de Bianco? Adoro. Qual Bartô.../ E o meu xará maravilhoso! — Futilidade, civilização...”.
Acontece que o assunto ainda renderia pano para manga. Afinal, fotos de Mário Andrada deixavam claro que ele só se parecia com Mário de Andrade no nome. Eis que, durante pesquisa sobre o escritor paulista na internet, a jornalista e publicitária Rita de Cássia Lunardi se espantou. Uma das fotos que apareceram como resultados da busca mostrava o seu avô Bellini Antônio Ferraz. Nascido em Campos, ele viveu em São Paulo até morrer, aos 73 anos. Além de servidor público, era também professor de violino e perfumista amador, e, como se pode perceber na imagem famosa, também era negro, calvo, e usava óculos — só que, diferentemente de Mário de Andrade, era estrábico.
Outra coisa constatada por Rita Lunardi foi que o retrato em questão não fazia parte do acervo da família. Como, então, teria ido parar na internet? É o que explica o podcast "Rádio Novelo”, no episódio de 22 de fevereiro deste ano. 
Na década de 1980, o escritor Oswaldo de Camargo trabalhava no jornal "O Estado de S. Paulo" e recebeu a missão de fazer uma matéria sobre o livro "Dicionário musical brasieiro", organizado por Oneyda Alvarenga e Flávia Camargo Toni a partir de textos do Mário de Andrade. Ele, então, mergulhou no arquivo do "Estadão" para encontrar detalhes a respeito do autor. Foi quando se deparou com a imagem que hoje se sabe ser de Bellini, identificada como se fosse de Mário. Encantado com os traços que tornavam nítida a negritude daquele homem, Oswaldo fez uma cópia da foto e passou a usá-la em palestras. Também a emprestou à secretaria estadual de Cultura de São Paulo para a exposição de 2007, quando teve início toda a confusão.
Ainda hoje, é possível encontrar publicações com a foto do campista Bellini Antônio Ferraz representando Mário de Andrade. Inclusive, ela foi usada com destaque numa matéria do "Correio Braziliense", em 26 de fevereiro de 2020, e inspirou o artista italiano Andrea Ventura ao fazer uma ilustração de Mário para a revista estadunidense "The New York Review of Books", publicada na edição de 5 de outubro de 2023. Após ser alertada do erro, a revista encomendou outra ilustração, que agora estampa a versão on-line da matéria intitulada "Em busca do verdadeiro Brasil", sobre recentes traduções para inglês dos livros "Macunaíma, o herói sem nenhum caráter", "O Turista Aprendiz" e "Amar, Verbo Intransitivo". Desde que foi avisado pela neta de Bellini, em fevereiro de 2022, o Museu Casa Mário de Andrade aborda a "foto de Mário que não é Mário" como curiosidade, contada em postagens nas redes sociais em novembro do ano passado.
Em vida, Mário de Andrade teve uma breve relação com a cidade de Campos. Começou em 1935, quando ele visitou a planície goitacá para avaliar o acervo bibliográfico e documental do historiador campista Alberto Lamego, a fim de comprá-lo para a Universidade de São Paulo. Por aproximadamente 10 dias, ficou hospedado no Grande Hotel Gaspar, cujo prédio ainda existe, na praça do Santíssimo Salvador, e realizou visitas ao Solar dos Airizes, onde Alberto Lamego residia. De 1935 a 1938, Mário enviou correspondências a Lamego, publicadas no livro "Mário de Andrade e(m) Campos de Goitacazes", do historiador Aristides Arthur Soffiati.

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