'Pessoas como Aldir Blanc, João Donato e Pelé não têm substituto', afirma Moacyr Luz
Matheus Berriel 21/07/2023 16:21 - Atualizado em 21/07/2023 22:14
Moacyr Luz antes de show no Sesc Campos
Moacyr Luz antes de show no Sesc Campos / Foto: Rodrigo Silveira
"Quem viu, viu!". Essa foi a frase escolhida pelo compositor e cantor Moacyr Luz para definir personalidades com o cacife dos também compositores Aldir Blanc e João Donato, que morreram em 2020 e na última segunda-feira (17), respectivamente. Em Campos para o show "Moacyr Luz homenageia Aldir Blanc", realizado no Teatro Sesc Campos na noite dessa quinta (20), Moa estendeu a definição ao Rei do Futebol, Pelé, outro ícone recém-falecido. Falou também sobre o revanchismo deixado pelo governo Jair Bolsonaro como um legado negativo para a sociedade brasileira e o sucesso do Samba do Trabalhador. Confira a entrevista na íntegra:
- Entre tantos shows na sua longa trajetória, você já se apresentou em Campos? Qual é a sua relação com a cidade?
"Estive algumas vezes em Campos. Me lembro de um show na escada da Casa Villa Maria. Na última vez em que vim aqui, fiz uma roda de samba que não me lembro onde. E um amigo me lembrou de que já fiz um show com Jards Macalé em Campos. Datas e alguns locais não me lembro exatamente, porque estou desacumulando, limpando os arquivos da mente. Me envolvo em muita coisa, muitos projetos."
- Nessa limpeza da memória, de uma pessoa você certamente não esquece: Aldir Blanc.
"Eu morei 23 anos no mesmo prédio em que Aldir morou. A gente tinha uma amizade, uma convivência que deixou de ser profissional. Nós éramos amigos de sair para viajar, ir para casas de outros amigos." (Nota: Juntos, Moacyr Luz e Aldir Blanc fizeram aproximadamente 200 músicas, cerca de 90 delas gravadas por diversos artistas).
- Em 2019, você compôs com Chico Alves a música "Sonho Estranho", descrevendo um país marcado por preconceitos e pelo discurso de ódio. Hoje, é possível dizer que estamos acordando desse sonho?
"Pelo menos, estamos separando o joio do trigo. É impressionante, na minha opinião, como a sociedade brasileira é reacionária, como a gente saiu do armário no mau sentido. Nos descobrimos recalcados, preconceituosos. Num momento em que o ser humano está experimentando uma liberdade interior nas suas questões sexuais, nos seus nichos, a gente se depara com um sujeito que deixou revanchismo. Moro no Aterro do Flamengo e, outro dia, estava numa praia e vi que dois moradores de rua começaram a discutir por conta de pegar lata de cerveja. Um deles pegou uma faca para acertar o outro. O comentário entre dois caras que estavam nas cadeiras de um quiosque foi o seguinte: 'Está vendo? Se Bolsonaro fosse o presidente, já tinha vindo alguém com uma arma e matado'. Olha o pensamento!
E vou confessar uma coisa que eu não tinha dito a ninguém: Fiz 'Sonho Estranho' para o Aldir letrar. Eu falei isso para o Chico Alves: essa é uma música muito especial para mim. Fiz para o Aldir, mas ele não chegou a colocar a letra. Quando escutou a música, disse que teve vontade de falar da Pequena África, aquela região da Pedra do Sal, no Rio. Quando mandei para o Chico, ele estava jantando num restaurante, parou tudo e foi para casa fazer a música, que ficou linda. Tenho dificuldade de cantá-la, porque me emociono, como também me emociono com a música '4 de Maio', que fiz com o Moyseis Marques para o Aldir. Tenho dificuldade de cantar, porque transcende a execução. Ao cantar sobre Carnaval, você pensa no Carnaval. Ao cantar uma música feita para o Aldir, vejo o Aldir falando comigo enquanto estou tocando. É uma emoção muito grande. Era um cara reservadíssimo, pouco saía de casa. Uns 20 dias antes de ele ser internado, brinquei que ele deveria fazer uma apostila sobre como ficar em casa sem reclamar, porque todo mundo teria que seguir o manual dele e ficar em casa na pandemia. Ele acabou sendo pego pela doença (Covid-19). Muito trágico! Agora, morreu João Donato. Quem viu, viu! São pessoas que não têm substituto. Pelé não tem substituto. "Ah, mas o Neymar...". Não dá, gente assim não tem substituto."
- Criado por você no Renascença Clube, no Andaraí, o Samba do Trabalhador tornou-se um fenômeno, com casa cheia todas as segundas-feiras. Virou um movimento maior do que você imaginava?
"Desde o primeiro dia. Fiz um negócio para a gente comer e beber. Eu chamava (o violonista) Carlinhos 7 Cordas para ir para lá, por ser perto da casa dele. No primeiro dia, foi um grupo de jovens, e eu falei para eles assumirem a mesa. Depois, fui tirando uns, acrescentando outros. Quando vi que o negócio ia dar certo, com três meses de roda a gente gravou um disco. Depois vieram outros. Nosso oitavo disco foi indicado ao Grammy Latino. Estamos gravando um disco novo agora, e desse o Grammy não escapa (risos). Se Deus quiser, a gente termina de gravar na quinta-feira (27), aí vem mixagem, essas coisas. Talvez seja lançado em outubro."
Moacyr Luz durante entrevista para o blog
Moacyr Luz durante entrevista para o blog / Foto: Rodrigo Silveira

ÚLTIMAS NOTÍCIAS