Saímos de Lisboa cedo em direção ao norte de Portugal. Eram quatro pessoas num automóvel. Nosso destino era a cidade de Coimbra. Passamos por Alcobaça e visitamos o famoso mosteiro, que não foi concluído. Em seguida, dirigimo-nos a Conímbriga, cidade romana que foi desenterrada por arqueólogos. Fiquei impressionado com as dimensões do núcleo urbano e seus equipamentos. O anfiteatro, as ruas, o sistema de fornecimento de água, a rede de escoamento de esgoto etc. A cidade foi se encolhendo com a pressão dos “bárbaros” até ser tomada por eles. Há, inclusive, uma via pavimentada ligando a cidade a Roma. Portugal nem sonhava existir como país. Ao lado das ruínas, há um museu com as peças desenterradas pelos arqueólogos. A imagem que mais me impressionou foi um pé masculino quebrado, restando dele apenas a parte da frente. A história sempre muda, sejam os bons e os maus momentos. O Império Romano foi como aquele pé. As ruínas de Conímbriga também serão segundo os arqueólogos. Soterradas, elas estavam protegidas dos turistas.
Chegamos a Coimbra ao cair da noite. Ao cruzar o rio Mondego, desejei vê-lo, mas já estava escuro. No hotel, fomos bem recebidos por um atendente que falava inglês e francês, pelo menos. Ele nos lembrou que nós, brasileiros, temos como ditado “Agora é tarde, Inês é morta”, e fez questão de nos lembrar que Inês nasceu em Coimbra. Saímos na noite fria. Era quase inverno. Encontramos poucos restaurantes abertos. As ruas da cidade anunciavam tratar-se de um lugar atraente, com suas ruas medievais: estreitas e angulosas.
Meus primos embarcaram de volta no dia seguinte. Moradores em Lisboa, Coimbra lhes era muito conhecida. O casal ficou para conhecer a cidade muito ligada ao Brasil por sua famosa universidade e pelo fado. Lá nasceu esta música melancólica, apenas cantada por homens e não por mulheres. Há controvérsias sobre suas origens. Como sempre faço em lugares desconhecidos, comprei os jornais da cidade e me impressionei com os anúncios de garotas e garotos de programa. Elas e eles não se limitam a publicar anúncios e divulgar telefones para contato. Para garantir que a pessoa não se engane, elas e eles publicam suas fotos quase em nudez completa. Chamaram-me a atenção os idosos de Coimbra. Eles assumem sua velhice de maneira extremamente explícita.
Examinei o rio Mondego. Seu segundo estirão situa-se entre Penacova e Coimbra, apertado em vales da zona serrana. De Coimbra até o mar, o vale se espraia. É o maior rio inteiramente dentro do território português e já sofreu muitas intervenções. Encontrei objetos descartados em remansos dele. Lixo. Lembrei dos rios do Norte Fluminense, que foram canalizados em grande parte. Pensei em conhecer Penacova, mas o tempo não permitiu.
Subimos a colina e fomos à Universidade de Coimbra. Visitamos salas de aula. Estávamos no final de 2019. A pandemia eclodiria na China logo depois. Professores a alunos estavam tendo aula. Visitamos o grande pátio da universidade. Lembrei logo de José Bonifácio, que estudou ali. Outros brasileiros mais também. A biblioteca geral da universidade é um monumento numa sala de pé-direito alto. Estantes com livros antiquíssimos. Sala toda suja de excremento de morcegos, que podem voar livremente nela durante a noite. Eles caçam insetos que atacam livros. Visitamos museus e as ruas, que, em si, são também museus.
Foi um excesso de encantamento e emoção. Em lugar que me pareceu recôndito, vi o anúncio do jardim botânico da universidade. Adoro jardins botânicos e não podia deixar de visitar aquele. Depois de um breve lanche, entramos nele. Como em quase todos os jardins botânicos, encontramos um ambiente silencioso e úmido. Quase ninguém. Fontes d’água gotejando. Lagos, aves diferentes das que conheço, embora tenha avistado um pardal. Uma floresta temperada em que penetrei sozinho, encontrando em seu interior apenas um visitante. Uma floresta é sempre fonte de vida, seja ela temperada ou tropical.
As plantinhas criam um clima todo especial. Elas nascem entre as pedras, nos muros, no chão. Mais uma vez encantado com o ambiente vegetal. A visita estava encerrada. Caminhamos para a saída quando tive uma visão paradisíaca que me arrancou lágrimas discretas: uma goiaba. Uma goiaba íntegra no outono. Uma goiabeira sadia. Nenhuma ferrugem. Sei que houve intensa troca de espécies vegetais entre as colônias tropicais portuguesas, mas não muito entre os trópicos e a zona temperada.
Vontade de arrancar aquela goiaba e comê-la, lembrando do Brasil. Eu estaria comendo um pouco de Brasil ao morder aquela fruta que parecia tão apetitosa. Mas, estávamos num jardim botânico. Não se deve tocar em nenhuma planta. Por minha formação em história, aquela goiaba deveria passar despercebida, mas foi o encontro que mais me emocionou em Coimbra.