Neste momento de crise fiscal em Campos dos Goytacazes, muito se tem falado na atividade agropecuária como alternativa econômica, até porque é remota a possibilidade do retorno das robustas rendas petrolíferas do passado. Em decorrência desse fato, iniciativas identificadas como projetos são divulgadas sem a preocupação com os estudos mais atualizados da literatura. Na avaliação crítica dessas iniciativas, esse artigo apresenta didaticamente avanços importantes que precisam ser incorporados na formulação de políticas públicas.
Repetindo práticas passadas, as propostas e ações correntes dirigem o foco para aspectos materiais. Um projeto em evolução sob a coordenação institucional acentua a importância da participação do estado na limpeza de canais, transferência de recursos financeiros para o setor e construção de centro de comercialização. Por outro lado, o governo local divulga obras de melhoria em estradas vicinais, disponibiliza maquinário e viabiliza espaços para comercialização dos produtos agrícolas.
Segundo a Organização para Cooperação e Desenvolvimento (OCDE), ações com objetivo na propriedade, com base no setor e uso de subsídio governamental, representam o velho paradigma que restringe renda, expulsa os jovens do campo para as cidades e mantém no espaço rural a característica de subsistência. Alternativamente, o novo paradigma deve ter como objetivo as pessoas, através do investimento para ampliar a competitividade das áreas rurais e valorizar os recursos não utilizados. Nesse caso, o alvo chave são os vários setores da economia rural (turismo rural, manufatura, indústria e tecnologia da informação), o envolvimento de todos os níveis de governo (supranacional, nacional, regional e local) e vários atores interessados locais (público, privado, ONGs), em substituição ao governo como principal ator do velho paradigma.
A evidência da importância do novo paradigma, com base na OCDE, está na forma de operação observada nas áreas rurais, a exemplo das regiões Norte e Noroeste Fluminenses. O foco na propriedade (visão microeconômica, cujo poder competitivo é esvaziado em função de gargalos importantes como escala, dificuldade financeira, gestão deficiente, baixo nível de informação, custo elevado de produção, alta dependência de intermediários, nível de renda deficitária e incapacidade de investimento) é inconsistente para a necessária transformação.
Assim, o receituário fundamental tem como base o modelo de desenvolvimento neo-endógeno de Gkartzios e Scott (2014), cuja força dinâmica é a promoção de uma nova relação urbano-rural e local-global, por meio de governança inclusiva e arranjos multissetoriais. O foco do desenvolvimento rural deve estar na criação e no bem estar da comunidade com a construção de lugares mais resilientes.
No caso especifico do objeto da análise, é necessário mudar a visão microeconômica por uma visão mesoeconômica, na qual a ação individual deve ser substituída pela visão coletiva e de reciprocidade, dirigindo o foco da propriedade para o território.
O conceito de território é relacional, espaço onde ocorre a cooperação entre os agentes produtivos para a solução do problema de escala. O processo de governança segue articulando os interessados na busca de solução para os gargalos já identificados. Trata-se da construção de uma rede de proteção com o objetivo de qualificar todo o processo, visando a eliminação dos gargalos identificados. O fundamento estratégico desse processo é a confiança que ao longo do tempo foi esgarçada, se constituindo em um problema para ação coletiva na região.
O esforço essencial é no processo de resgate da confiança, problema já detectado em Athayde e Ribeiro (2011) na investigação do Sistema Produtivo da Coagro. Aliás, esse modelo de organização produtiva de característica endógena se mostrou relevante na sustentação da atividade, mas não resolveu o problema da desigualdade, já que concentrou poder nos atores com maior capacidade de articulação política.
O modelo proposto nesse artigo dá um passo adiante com o modelo neo-endógeno, cujo foco é em maior justiça socioespacial. Como é difícil a sua operação na economia em sua totalidade, a proposta é exercitar o modelo em um projeto piloto no contexto de uma visão sistêmica.
Um exercício desse modelo poderia ser no planejamento da oferta de alimentos para atender às escolas públicas no âmbito do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), envolvendo a agricultura familiar no território. Afinal, o município recebeu de transferência direta do PNAE em 2020 a importância de R$4.778.599,40, que foi aplicada na geração de emprego no Espírito Santo e em outras regiões exportadoras de alimentos para o município.
O exercício piloto se justifica ainda em função da baixa representatividade do município no contexto agrícola do estado. Enquanto o mesmo utiliza uma área para produção agrícola equivalente a 28,77% do estado, o número de produtores equivale somente a 5,0%, que internalizam 8,0% do faturamento bruto do estado, segundo acompanhamento da Emater-Rio.
Como observado, é estratégica uma iniciativa de planejamento para o projeto piloto sob liderança de um núcleo de governança, instituído por governo, universidade, centro de pesquisa e instituições não governamentais, além de uma visão sistêmica da produção no território.
Para compor essa estrutura, os passos a seguir são fundamentais:
1.Identificação dos recursos tangíveis e intangíveis com vantagem comparativa;
2.Gestão participativa para induzir a formação de capital social;
3.Fomento à criação de economias de aglomeração;
4.Planejamento e gestão da produção no território.
A implantação dessas ações pode resgatar a confiança e fortalecer a estrutura de capital social no espaço territorial, com respostas efetivas na condição competitiva e valorização da atividade, fazendo um caminho inverso com a atração de jovens para o campo. O investimento em infraestrutura para o bem estar dessa população seria de responsabilidade dos governos, que se beneficiariam com a elevação dos indicadores econômicos, inclusive aumento das receitas tributárias geradas pela criação e modernização de negócios com maior valor agregado.
* Alcimar Chagas é economista, professor da Universidade Estadual do Norte Fluminense (Uenf) e membro da Academia Campista de Letras (ACL).
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Referências Bibliográficas
ATHAYDE, K.; RIBEIRO, A. (2011) Elementos essenciais de Capital Social: Uma investigação no sistema Produtivo Coagro. Revista Brasileira de Gestão e Desenvolvimento Regional, 2011.
GKARTZIOS, M. and LOWE, P. (2019) Revisiting Neo-Endogenous Rural Development, in: Scott, M., Gallent, N. and Gkartzios, M. (eds) The Routledge Companion to Rural Planning, Routledge: New York.
OECD (2006), The New Rural Paradigm, OECD publishing, Paris.
OECD (2019), Rural 3.0: People Centred Rural Policy – Policy Highlights
TCERJ. https://www.tcerj.tc.br/portalnovo/pagina/relatorios-lrf
EMATER. http://www.emater.rj.gov.br/