Campos e Jacarezinho - resultados dos nossos silêncios resignados
“O fotojornalismo é a captura do acontecimento em pleno vôo”, como definiu a jornalista e doutora em Comunicação, Beatriz Sallet. A imagem conta uma história, humaniza o texto e muitas vezes traz a identidade dos personagens, oferecendo um rosto ao fato. “Jornalismo é trabalho coletivo, ou nada” — dessa vez definido por Aluysio Cardoso Barbosa. É preciso cooperação. A foto não “vale mais que mil palavras”, ela conta histórias e fatos, assim como as palavras. São o que fazem as duas fotos aqui trazidas.
A primeira é do fotojornalista Ricardo Moraes, da Reuters.
A imagem mostra um policial na operação do último dia 06, no Jacarezinho (RJ). Ele sobe o morro, correndo, concentrado e armado com fuzil. Como esperado, afinal o Rio de Janeiro vive uma guerra perversa e sangrenta. O policial estava arriscando sua vida, foi treinado e condicionado à matar primeiro, para que ele possa voltar para casa com vida, no lugar de uma medalha. O inimigo vive à margem de qualquer civilidade, está muito bem armado e atira para matar. Não há prisioneiros nessa guerra. Os capturados são torturados e mortos. O policial não tem qualquer responsabilidade nela. É mais uma vítima.
Mas é preciso perceber a história completa que a foto traz. Os moradores da comunidade incluíram em seu cotidiano a cena. Um policial correndo com fuzil na mão já faz parte da paisagem deles. Na foto e nas comunidades mais carentes a maioria esmagadora é negra. Na imagem dois moradores caminham para o lado oposto, de costas para o agente, anestesiados de qualquer perigo que possa decorrer dali. Duas mulheres riem, como se contassem algo uma para outra, de maneira relaxada. Dois homens, esses mais sérios, assistem passivamente. Embora o policial represente o Estado ali — o único com poder coercitivo numa democracia —, a naturalização daquela cena mostra a total ausência de direitos básicos e da presença de políticas públicas. A falência de uma política de segurança se evidencia quando o caráter preventivo é quase inexistente. Traficantes assumem o papel de governo, nesse vácuo. Não é um estado paralelo. É o único naquela realidade. E o policial representa um invasor externo. E o combate é assistido pelo povo, passivamente e cotidianamente.
Leia aqui artigo do Policial Federal Roberto Uchôa, também blogueiro do FOlha1, sobre o caso: Um dia sangrento
“Tudo bandido. Entra um policial, em uma operação normal, leva um tiro na cabeça de cima de uma laje (...) são verdadeiras narcoguerrilhas, que tem controle sobre determinadas áreas”. Foi como o vice-presidente, Hamilton Mourão, definiu a operação no Jacarezinho, a mais sangrenta da história do Rio, que deixou 28 mortes — dentre elas a de um policial civil. Que será substituído por uma medalha na sala de sua família. Um agente mal remunerado, sem retaguarda, sem estrutura e lutando de forma extremante desigual em uma guerra de conivências. Repito: o policial não tem qualquer responsabilidade nela. É mais uma vítima.
A fala do vice-presidente traz a falência do governo — moral e administrativa. Reconhecendo que são narcoguerrilhas e que ocupam territórios, coloca o Governo Federal, que ele representa, como principal culpado pelo desastre. Crime organizado é responsabilidade do ente federal. O Estado brasileiro não está presente nas causas e também não está nas consequências.
A segunda é do fotógrafo César Ferreira, da equipe de comunicação da prefeitura de Campos.
A foto mostra uma mãe alimentando sua filha no restaurante popular, recém-inaugurado no centro da cidade. De máscara no queixo, possivelmente por também se alimentar. Divisórias de acrílico tentam dar mais proteção e afastamento. Outras pessoas se alimentam. As instalações novas, as bolas azuis e brancas ao fundo e a sentimentalidade empática trazida podem levar a foto para servir como material de propaganda política. Assim como a inauguração do restaurante sugeriu, levando ao local os políticos e suas equipes, mas produzindo efeito contrário quando promove grande ajuntamento de pessoas em um momento que pedem sacrifício ao comércio.
A imagem evidencia também a nossa situação de miséria social. Milhares de pessoas aglomeram-se e se arriscam por um prato de comida. Gente que vai ao local em transporte público lotado, que está desempregada e precisa escolher entre a doença e fome. Inclusive crianças. E agradecem passivamente o alimento recebido. Alegram-se, com toda razão, por poder alimentar seus filhos. Não se pode culpa-los por aglomeração alguma. Eles são mais vítimas, nessa outra frente de batalha da guerra brasileira. É o Estado ausente novamente. Políticas públicas ineficientes, novamente.
Nós nos acostumamos com a morte e a cada semana com tragédias. Nas últimas trouxeram o massacre na creche em Santa Catarina, a morte do ator Paulo Gustavo, e a fúnebre marca de 400 mil mortos pela pandemia, entre outras. Vamos nos anestesiando pela dor de hoje - e por tantas dores passadas. O pressuposto do brasileiro é a tragédia. Acostumamo-nos. Anestesiados, alimentamos nossa passividade e nossos silêncios resignados.
Ontem, dia 8 de maio, comemora-se o fim da Segunda Guerra, quando em 1945 o horror do nazismo alemão foi derrotado. Poderíamos estar comemorando dias melhores. Mas acostumamos com sangue preto escorrendo nas vielas, com crianças passando fome, com policiais assassinados, com incompetências governamentais, com boicotes à saúde pública e com outros tantos horrores. Uma sociedade que silencia é uma sociedade conivente.

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Sobre o autor

Edmundo Siqueira

edmundosiqueira@hotmail.com

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