A democracia que morre por dentro - Lamentaremos outro 31 de março no Brasil?
30/03/2021 17:55 - Atualizado em 30/03/2021 18:31
1964 - O ano que parece não ter terminado
1964 - O ano que parece não ter terminado / Reprodução
“Grande dia da liberdade!” “Um marco para a democracia brasileira!” “Reformas (militares) que desenvolveram o Brasil!” Essas frases são do ano passado, em “comemoração” ao dia 31 de março de 1964, dia do golpe militar, que iniciou uma ditadura sangrenta no país. A primeira foi dita por Bolsonaro, as outras duas por Hamilton Mourão (vice-presidente) e Fernando Azevedo e Silva (então ministro da Defesa, exonerado hoje, 30), respectivamente. No ‘31 de março’ de amanhã, 57 anos depois, o cavalo ensanguentado do autoritarismo parece continuar galopando; e Bolsonaro pretende cavalgar.
Os últimos dias foram atípicos — até para um governo atabalhoado como o de Bolsonaro. Foram seis trocas no primeiro escalão e os comandantes do Exército, Marinha e Aeronáutica entregaram seus cargos. O chamado Centrão compeliu a saída do chanceler Ernesto Araújo e emplacou uma representante, a deputada Flávia Arruda, na Secretaria de Governo. Flávia é esposa do ex-governador do Distrito Federal José Roberto Arruda, preso por corrupção. As causas e consequências da reforma ministerial forçada exigem do presidente conciliação e cautela. Mas ele — como de costume — dobra a aposta.
A defesa foi a área mais afetada. Na troca de comando, Azevedo e Silva deixa um recado: “preservei as forças armadas como instituições de estado”. Claro como água limpa — Bolsonaro pretende transformá-las em instituição de governo. A questão central nessa crise, que nos distancia de 64, é a real capacidade do presidente em guiar a cavalaria rumo à ruptura institucional e democrática. Por outro lado, percebe-se até aqui a ampla adesão de generais ao governo, inclusive da ativa, como o ex-ministro da Saúde Pazuello. O que os aproxima dos anos chumbo.
Presença ostensiva de militares no Governo
Presença ostensiva de militares no Governo / Reprodução
Se as forças armadas embarcarão em uma aventura golpista (novamente!), o tempo dirá. Mas, episódios recentes demonstram que há uma base radical de apoiadores do presidente pronta para o ataque, e sedenta por migalhas de atenção. E o bolsonarismo, através de ações orquestradas, alimenta a manada. A verborragia da deputada Bia Kicis é uma das principais armas para isso. Como no último domingo, quando o soldado Wesley Soares, em evidente surto psicótico, foi alvejado após ter erguido um fuzil e disparado contra os colegas da PM que negociavam a sua rendição, na Bahia. O policial tinha o rosto pintado de verde e amarelo.
Bia Kicis incita via redes sociais um motim e chama de “herói” o soldado morto, alegando que estaria lutando contra “ordens ilegais do governador Rui Costa da Bahia”. O filho do presidente, Eduardo Bolsonaro, segue a mesma linha. Kicis, que é presidente da comissão mais importante da Câmara, a CCJ, em tese percebendo a barbaridade que havia cometido, apaga a postagem e diz que o caso “precisa ser investigado”.
Como as democracias morrem?
As democracias estão sendo testadas em vários países. Mas a maneira “moderna” de decretar sua morte é a corrosão interna. Ditadores como Putin (Rússia) e Maduro (Venezuela) vivem sob a égide de uma democracia fajuta — há eleições, as intuições funcionam, mas o regime é totalitário e inexiste oposição. O que define a democracia não é o governo e sim a existência de freios e contrapesos e da oposição. No Brasil, a ida do Centrão ao governo, garantindo a conivência do legislativo, o aparelhamento de instituições de controle, da segurança pública e da defesa (leia-se Forças Armadas) podem garantir uma escalada golpista. Esses elementos tem feito com que neofacistas a se perpetuem no poder e decretem a morte do sistema democrático.
O caso do soldado baiano é emblemático. A base de sustentação ideológica do governo Bolsonaro tem, em boa parte, braço armado. A extrema direita delirante que acredita em uma há uma ameaça comunista iminente no Brasil, composta basicamente por antiglobalistas, olavistas e neofacistas, cooptam grupos paramilitares nas milícias e nas forças policiais, para servirem como um “último recurso”. As corporações policiais, que são compostas em sua maioria por trabalhadores responsáveis e distantes desse radicalismo, são empurradas à uma generalização perigosa e contam com apoio de setores da esquerda, que teimam em colocar a pecha de fascista ou “de direita” em todo e qualquer policial.
O país já passou pela experiência trágica de uma ditadura militar. Se o apoio das Forças Armadas teve alguma relação ingênua com o “fim da corrupção”, e o golpismo nos moldes de 64 estaria definitivamente enterrado na história, os movimentos dos últimos dias poderão levar ao desembarque do governo. Embora devam prestar contas por conivência criminosa e por condutas errôneas, o radicalismo bolsonarista pode trazer uma espécie de redenção aos generais, caso decidam pelo rompimento. Caberá a eles sacrificar o cavalo galopante do autoritarismo e colocar o capitão na rédea. Estariam dispostos a deixar 64 no esgoto que merece? A conferir.
Grupo de apoiadores radicais do presidente Bolsonaro ameaçam conflito armado.
Grupo de apoiadores radicais do presidente Bolsonaro ameaçam conflito armado. / Reprodução
Saudação, de grupo identificado como paramilitar, à Bolsonaro.
Saudação, de grupo identificado como paramilitar, à Bolsonaro. / Reprodução

ÚLTIMAS NOTÍCIAS

  • Morre o artista plástico campista João de Oliveira

    O artista plástico campista João de Oliveira morreu, aos 65 anos, nesta segunda-feira (24). Ele estava internado na UTI do Hospital Dr. Beda II, onde fazia hemodiálise. Em fevereiro do ano passado, João chegou a abrir seu próprio espaço denominado Petit Galerie, onde expôs quadros que compõem uma retrospectiva de sua obra iniciada no final dos anos 1960. Ao longo desse tempo, já expôs seus trabalhos em várias cidades brasileiras e no exterior (França, Alemanha, Inglaterra e Itália). Sua primeira exposição foi realizada em 1968. João era casado com Cláudia Oliveira e deixa o filho Uno de Oliveira. Informações sobre velório e sepultamento ainda não foram divulgadas.

  • Quando nasce Campos? "Se for para comemorar aniversário, não se pode partir da 'idade adulta'. É um contra senso" - Avelino Ferreira

    Quando nasce uma cidade? Como podemos definir o momento exato em que um aglomerado de pessoas e construções passe a se tornar uma urbe, com ruas e gentes, determinações e identidades próprias? A data de fundação de um lugar é determinada por diversos fatores e movimentações. Inclusive dos povos originários que viviam naquele território, que na maioria das vezes são expulsos ou explorados por processos de colonização e urbanização.

  • O voto é mais forte que a bala

    Não é preciso ser grande analista político para perceber que Bolsonaro tem como uma de suas principais bases eleitorais as empresas de armamento e "homens de bem" que tem ligação fálica com a ideia de andar armado. Basta ver o gesto que caracteriza apoio ao presidente, com o polegar e o indicador das mãos simulando um revólver ou pistola.

  • O Solar e o Arquivo - simbiose que há 20 anos salva a história de toda uma região

    Alguns séculos antes do Arquivo Público Municipal Waldir Pinto de Carvalho existir, a construção que o abriga hoje já estava lá bela e imponente. Essa coisa da "imponência" pode chegar aos "ouvidos" de quem lê de formas diferentes. A forma intencional aqui é trazer ao leitor as projeções mentais de uma construção antiga, sólida e grande. A maior construção histórica em alvenaria de toda região Norte Fluminense. O Solar do Colégio morada do Arquivo há 20 anos foi construído pelos padres da Companhia de Jesus, no século XVII. Uma fortaleza erguida em Tocos, na mítica Baixada Campista, que resistiu aos séculos e ao abandono, mas que renasceu há duas décadas.

  • O Arquivo em Campos precisa existir de fato e de direito

    Em Campos, o Arquivo Municipal está subordinado a Fundação Cultural Jornalista Oswaldo Lima (FCJOL) e, portanto, não integra a estrutura administrativa direta da prefeitura. Foi criado pela Lei Municipal nº 7.060 de 18 de maio de 2001, de autoria do então vereador Dr. Edson Batista. Mas, por existir administrativamente como um departamento, e não como uma instituição não permanente, está descumprindo a Constituição Federal e a Lei de Arquivos, de 1991.

  • Não podemos descansar ao 7º dia - não agora

    Dois fatos me trouxeram a reflexão neste domingo: a morte precoce do prefeito de São Paulo, Bruno Covas e as manifestações (de novo e cada vez mais esvaziadas) de apoio ao presidente. Talvez os domingos sirvam para refletir mesmo, facha um ciclo para iniciar outro, por isso mesmo são sempre momentos de ponderação. Embora pela tradição anglo-saxônica para o cristianismo e o judaísmo também o domingo seja o primeiro dia da semana, na prática é o último, para muita gente.

  • Ciro Gomes tem uma constância: o fracasso antecipado

    A última pesquisa Datafolha demonstra a inequívoca liderança do ex-presidente Lula. Somando-se todos seus adversários repito, todos eles a diferença é de 6%. Lula tem hoje 41% das intenções de voto e o restante, somado, 47%. Alguns fatores influenciam. O PT conseguiu não apenas reverter a condenação de seu líder máximo, como também provar que seu algoz foi parcial. E de quebra fortalecer a narrativa de Lula como mártir. Estamos a mais de um ano das eleições e a pesquisa reflete também essas recentes vitórias petistas. Mas e o Ciro Gomes? Seria enfim a vez dele? Tudo mostra que não.

  • Campos e Jacarezinho - resultados dos nossos silêncios resignados

    "O fotojornalismo é a captura do acontecimento em pleno vôo", como definiu a jornalista e doutora em Comunicação, Beatriz Sallet. Uma imagem conta uma história, humaniza o texto e muitas vezes traz a identidade dos personagens, oferecendo um rosto ao fato. "Jornalismo é trabalho coletivo, ou nada" dessa vez definido por Aluysio Cardoso Barbosa. A foto não "vale mais que mil palavras", conta histórias e fatos, assim como as palavras. São o que fazem as duas fotos aqui trazidas.

  • Quem imbecilizou o país não foram os filhos dos porteiros; foram os filhos da ditadura

    No caso específico do ministro, é difícil saber se a fala é inconsciente refletida de uma sociedade de bases escravistas fortes e ainda presentes , ou tem total consciência do ódio de classes que destila. Ódio evidenciado pela reincidência de frases públicas infelizes. Em fevereiro de 2020, em meio à alta do dólar, Guedes disse, justificando, que até "empregada doméstica estava indo para Disney, uma festa danada". Preconceito e elitismo enraizados em um país que interrompeu sua história por uma ditadura sangrenta e estúpida.

  • Hobbit, Hooligan ou Vulcano. Quem é você na democracia?

    A democracia é intocável. Como modelo político e social é o que confere mais liberdade, justiça e representatividade entre os regimes tentados. O que remete ao estadista inglês Winston Churchill, que imortaliza a frase dita na Câmara dos Comuns, em 11 de novembro de 1947: "A democracia é a pior forma de governo, à exceção de todos os outros já experimentados ao longo da história". Entretanto, ela vem sendo atacada frontalmente em todo século passado e igualmente evidente no atual. E questionada. Como faz o cientista político americano Jason Brennan, autor do livro "Contra a Democracia", lançado em 2016.

Sobre o autor

Edmundo Siqueira

edmundosiqueira@hotmail.com

BLOGS - MAIS LIDAS

Mais lidas
Morre, aos 84 anos, o comerciante Antônio Bichara Chicri

Ele era proprietário da Sapataria Luiz XV, uma das lojas mais tradicionais de Campos

Proprietária de clínica veterinária é presa em flagrante em Campos

Mulher foi detida na Pelinca por manter medicamentos vencidos em sua clínica; prisão ocorreu após denúncias anônimas

Quiosque do Nelson encerra as atividades em Atafona

Foram mais de 20 anos de história na praia sanjoanense

Morre a professora Ely Silveira Felisberto, viúva do ex-prefeito Rockfeller de Lima

Velório acontece nesta quarta , às 19h30, no Campo da Paz, e sepultamento será nesta quinta, às 10h, em Travessão

Ponto Final: Castro afirma que Pampolha não assumirá Governo do Estado

Governador disse que só sairá para disputa ao Senado, se o vice também for deixar o cargo