Uma verdade solar: a história e o destino do Airizes nas mãos da justiça
05/08/2020 21:53 - Atualizado em 07/08/2020 20:04
Solar dos Airizes em seu estado atual. A majestosa construção com ameaça de ruína.
Solar dos Airizes em seu estado atual. A majestosa construção com ameaça de ruína. / Bruno Salles
Durante a Primeira Guerra Mundial, Bruxelas vivia tempos difíceis após a queda do Império Alemão, com soldados rebeldes alemães proclamando uma revolta. Os revolucionários tentaram se aliar à população da capital da Bélgica, mas seus habitantes haviam sofrido muito durante os quatro anos de ocupação alemã. O historiador Alberto Lamego vivia em Bruxelas nesse período e já possuía uma valiosa coleção de arte e uma biblioteca vasta. Em tempos de guerra, Lamego chegou a precisar abrigar seus livros e quadros em um convento, para protegê-los. Um artigo no Jornal do Brasil, publicado na década de 1920, conta que o historiador comprou uma de suas peças por 30 xelins —unidade monetária que esteve em uso em muitos países —em um antiquário. A coleção de pinturas de Alberto Lamego era composta de 35 quadros a óleo, sendo 17 sobre tela e 18 sobre madeira, além de cinco desenhos em sépia, aguada, sanguínea e bico de pena.
Nascido em Itaboraí em 1870, Alberto Frederico de Moraes Lamego era filho do comendador José Maria de Moraes e de Sophia Violante Jardim, ambos portugueses, sendo ela original da Ilha da Madeira e o pai da cidade de Lamego, de onde veio o sobrenome adquirido pela família. Casado com Joaquina Maria do Couto Ribeiro, o casal teve oito filhos, incluindo Alberto Ribeiro Lamego, que assim como o pai, produziu uma inestimável contribuição em pesquisas, principalmente na área da geologia, para a região. Formado em Ciências Jurídicas e Sociais, Lamego e família viveram por longo e período na Europa, lá publicando, inclusive os primeiros volumes de sua mais conhecida obra, A Terra Goytacá.
Depois de retornar ao Brasil trazendo na bagagem uma rara biblioteca brasiliana e vastíssimo acervo documental acumulado por ele durante os anos de pesquisa em várias instituições, em especial, os arquivos portugueses, Lamego passou a viver com a família no Solar dos Airises. O imponente Solar, construído em sua forma atual em princípios do século XIX pelo comendador Cláudio do Couto e Souza, foi o primeiro imóvel a ser tombado pelo IPHAN, reconhecendo-se o seu valor histórico e patrimonial. Casado com uma das filhas do comendador, é que Alberto Lamego herdou o imponente edifício.
João Pimentel
Alberto Lamego trouxe também para o interior do Estado do Rio de Janeiro uma pinacoteca de valor tão elevado que os próprios campistas não acreditavam — “Para mim os quadros dos Airises, se não são autênticos não são célebres, e, se são célebres não são autênticos” — chegou a dizer um membro da Academia Campista de Letras em 1950. Mas a verdade se fez mais forte, e a coleção de Lamego elevou-se à condição de patrimônio histórico e cultural, sendo um dos elementos que elevaram Campos à “Meca dos homens de cultura e de gosto”, como definido por Jefferson d´Ávila Júnior, então diretor do Museu Antônio Parreiras, em Niterói, que hoje abriga a pinacoteca. Um “tesouro fabuloso”, nas palavras do diretor.
O historiador e ambientalista Arthur Soffiati recorda a existência de uma carta remetida ao Alberto Lamego, pelo escritor modernista, poeta a ativista cultural brasileiro, Mário de Andrade:
Carta de Mário de Andrade a Alberto Lamego - São Paulo 08-XI-35:
“Trago dos Airizes uma recordação iluminada. A forma tradicional do seu solar, tão bem equilibrado de linhas e volumes, tão bem colocado numa paisagem esplêndida, os quadros, as pratas, os marfins, as gravuras, as porcelanas, tudo se gravou em mim numa recordação suavíssima, iluminando de luz desconhecida antes para mim, o autor dessa preciosíssima coleção. Permita que lhe diga sinceramente, embora isto possa lhe pesar à naturalidade tão simples e humana, que encontrei no Sr. um dos homens mais admiráveis com quem tenho jamais convivido. A universalidade do seu espirito aliada a generosidade do seu coração me fizeram estimar e querer bem infinitamente que eu apenas admirava como Historiador. E hoje eu sei que esta admiração antiga, apesar de tão grande, era pequena por tudo quanto o Sr. é.”
Soffiati comenta que a opinião de Mário de Andrade sobre o solar “não expresse um julgamento crítico rigoroso, visto ter sido externada no meio de uma carta de agradecimento", citando também um parecer do renomado arquiteto Lúcio Costa, falecido na década de 1990, sobre o Solar que "parece estar de acordo com o conceito de patrimônio vigente na época, atribuindo excessivo valor à Monumentalidade e ao evento histórico importante”.
O Airizes e a eminência de sua ruína
Bruno Salles
O Solar foi tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) em 1940, reforçando sua importância para a sociedade fluminense e de todo país. O tombamento, primeiro realizado em Campos, foi solicitado pelo próprio proprietário, com objetivo de proteger a construção contra qualquer ação que o destrua ou descaracterize. A ação do tempo — e do descaso do poder público — contrariou o Iphan. Hoje, o prédio do Solar encontra-se em situação precária. A eminência de sua ruína foi demonstrada com a queda de uma de suas janelas e de parte de uma parede, em junho deste ano. O risco de novas quedas, a falta de manutenção, tanto da área externa como da interna, além do entorno abandonado, descaracterizam o Solar, o que levou uma equipe do Conselho de Preservação do Patrimônio Histórico e Cultural do Município de Campos (Coppam) a realizar uma visita técnica para avaliação das condições do prédio.
Consultado, o Iphan se diz “ciente” do abandono e que “aguarda decisões judiciais” para garantir a restauração do imóvel.
— O Iphan não apenas está ciente do mau estado de conservação do Solar de Airizes, como tem requerido do proprietário que sejam adotadas medidas para garantir a recuperação do monumento. Nesse sentido, corre na autarquia um processo administrativo de fiscalização. O instituto aplicou multa ao proprietário por não tomar as providências exigidas para preservar o bem. O proprietário, por sua vez, apresentou recurso contra a decisão, que atualmente se encontra em análise na presidência do Iphan, que vem acompanhando a situação do Solar do Airizes, monumento marcante para a região e para o Patrimônio Cultural Brasileiro como um todo. Correm na Justiça alguns processos para garantir a restauração do imóvel. O Iphan aguarda as decisões judiciais, assim como mantém as fiscalizações com o objetivo de recuperar o bem tombado — respondeu o Iphan, via assessoria.
A historiadora Rafaela Machado ressalta o valor do Solar para a região e explica a lenda envolvendo a construção e o romance de “Escrava Isaura”, de Bernardo Guimarães, que também inspirou uma novela na Rede Globo.
— O Solar dos Airises é um dos maiores marcos patrimoniais da nossa região. Inicialmente ligado aos jesuítas e depois transformado em grande engenho pelo comendador Claudio do Couto e Souto, o edifício guarda ainda a lendária história da Escrava Isaura. Em verdade, diferente do que muitos acreditam, o autor Bernardo Guimarães não ambientou seu romance “Escrava Isaura” nas terras da fazenda, nem tampouco a primeira versão da novela gravada pela TV Globo usou o Solar como cenário. No entanto, mais importante do que isso é a história que se construiu sobre o Airises, que passa também pela lenda da escrava Isaura — explica Rafaela.
Lançamento de livro sobre Alberto Lamego no Arquivo Público Municipal Waldir Pinto de Carvalho
Lançamento de livro sobre Alberto Lamego no Arquivo Público Municipal Waldir Pinto de Carvalho / Arquivo
Os processos judiciais e a responsabilidade de cada um. A quem pertencente o Solar dos Airizes?
Um elemento essencial para se garantir a preservação do Solar e seu eventual restauro, é o levantamento de informações sobre quem tem a sua propriedade atual e se cabe a este o ônus financeiro de afiançar que o Solar continue erguido — e restaurado.
A equipe de reportagem da Folha tentou contato por diversas vezes com a empresa Teixeira Holzmann Empreendimentos Imobiliários, de Londrina no Paraná, que teria adquirido o Solar e suas terras em 2014. O contato foi novamente tentado. A imobiliária desta vez informou um número de celular de representante local. Até a publicação desta matéria, o número apresentava-se como inexistente.
Com a impossibilidade de contato efetivo com a Teixeira Holzmann, os herdeiros da família Lamego foram procurados. No único contato disponível, a mensagem de Whatsapp foi respondida dias depois de enviada. Se identificando apenas como advogado da família, a resposta sobre a situação atual do Solar foi surpreendente e contundente:
— A situação do casarão foi resolvida pela justiça. O município de Campos perdeu na justiça em última instância. Decisão irreversível, transitada em julgado, condenou o Município a restaurar integralmente o prédio.
Perguntado se o Solar pertenceria à empresa Imobiliária, efetivando-se a venda de 2014, a reposta também foi direta: “não”. Indagado sobre o processo judicial, informa seu número e envia cópia do acórdão. Sobre a responsabilidade de restauração, informa:
— O marco regulatório do patrimônio histórico determina que quando o proprietário não dispõe de recursos para manter bem tombado essa obrigação se transfere para o poder público. Tudo isso já discutido exaustivamente no processo com contraditório e amplas defesas, recurso e foi encerrado com a condenação do município. Não há mais nada a se falar sobre o assunto. Decisão judicial transitada em julgado não se discute, se cumpre.
A responsabilidade de restaurar o Solar – Decisão transitada em julgado no Tribunal Regional Federal
Iphan e Prefeitura de Campos sugerem desconhecer a decisão do acórdão nº 0000402-28.2008.4.02.5103 (2008.51.03.000402-8), da III Turma Especial, do Tribunal Regional Federal (TRF) da 2º Região. A sentença, que não cabe mais recursos ou embargos, produzida em Ação Civil Pública, proposta pelo Ministério Público Federal (MPF) em face do Município de Campos e de Nelson Luiz Lamego, determina a imediata restauração do Solar dos Airizes, devendo ser feita pela municipalidade.
A assessoria do TRF2 informa que a 2ª Vara Federal de Campos extinguiu o processo em relação a Nelson Luiz Lamego e ao IPHAN, mas condenou o município a promover "as medidas efetivas no sentido da preservação do patrimônio histórico objeto da presente ação (casa sede da Fazenda dos Airizes ou Solar dos Airizes)". Informa ainda que o município apelou e a 8ª Turma Especializada decidiu, por maioria, manter a sentença, não havendo recurso do acórdão.
Os advogados campistas Ademir Martins Neto e o tributarista Carlos Azevedo de Alexandre Campos, contribuíram com a matéria, confirmando que a sentença é definitiva. Após todos os andamentos, o processo transitou em julgado em junho de 2020. No dia 10 do mesmo mês, os autos baixaram à Vara de origem.
A posição da prefeitura é desconectada da realidade produzida pelo fim do referido processo judicial. Em nota, cita a multa aplicada via Coppam, e que esta estaria vinculada ao Solar. Caso conhecesse o teor do acórdão, a prefeitura estaria informando multa sobre ela mesma.
— Todas as medidas estão sendo tomadas, dentro da legislação vigente, para preservar o patrimônio. As informações solicitadas estão sendo levantadas pelo órgão responsável. O Conselho de Preservação do Patrimônio Histórico e Cultural de Campos (Coppam) determinou, por unanimidade, a aplicação de multa de 2.500 UFICA’s, que ficará vinculada ao referido imóvel, bem como à dívida ativa municipal. Em reunião exclusiva para apuração do caso, após visita ao local, a totalidade dos conselheiros aprovou a aplicação da multa. A notificação já foi publicada no Diário Oficial e, no momento, o Conselho está tentando notificar os proprietários pessoalmente. Conforme já veiculado na imprensa local, o referido imóvel encontra-se em situação precária, tendo parte de sua fachada desmoronada e com o risco de novas quedas, falta de manutenção tanto da área externa como da interna, além do entorno abandonado, descaracterizando-o. Tal fato infringiu os termos da lei municipal nº 8.487/2013, sendo considerada uma infração de gravidade média (art. 35, II), bem como somados aos agravantes descritos nos incisos I, V, VI e VIII do art. 35, §1º da mesma lei.
O acórdão transitado em julgado
A sentença determina ao município a responsabilidade sobre o Solar e a inclusão de previsão orçamentária para a atual gestão e futuras. Determina ainda uma multa diária de R$ 10.000,00 por descumprimento, sem prejuízo da responsabilização dos agentes públicos.
“Condenar o Município de Campos dos Goytacazes, que, num prazo razoável, promova medidas efetivas no sentido da preservação do patrimônio histórico objeto da presente ação (casa sede da Fazenda dos Airizes ou “Solar dos Airizes”), através da elaboração de um projeto completo de restauração, a ser submetido ao IPHAN, e da previsão orçamentária das verbas necessárias para a restauração, a ser colocada no plano plurianual e nas leis orçamentárias das próximas gestões”.
Com o trânsito em julgado da ação, adquirido em junho, a narrativa de multa ou responsabilização dos proprietários do Solar dos Airizes, não possui lastro na realidade. A decisão cita o artigo 19 do Decreto-Lei nº 25/1937:
“Art. 19. O proprietário de coisa tombada, que não dispuser de recursos para proceder às obras de conservação e reparação que a mesma requerer, levará ao conhecimento do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional a necessidade das mencionadas obras, sob pena de multa correspondente ao dobro da importância em que for avaliado o dano sofrido pela mesma coisa. § 1º Recebida a comunicação, e consideradas necessárias as obras, o diretor do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional mandará executá-las, a expensas da União, devendo as mesmas ser iniciadas dentro do prazo de seis meses”.
O parágrafo 3º, do mesmo artigo, determina que “uma vez que verifique haver urgência na realização de obras e conservação ou reparação em qualquer coisa tombada, poderá o Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional tomar a iniciativa de projetá-las e executá-las, a expensas da União, independentemente da comunicação a que alude este artigo, por parte do proprietário”.
Equipe do Conselho de Preservação do Patrimônio Histórico e Cultural do Município de Campos (Coppam) em visita técnica
Equipe do Conselho de Preservação do Patrimônio Histórico e Cultural do Município de Campos (Coppam) em visita técnica / Prefeitura de Campos
O município alega que os proprietários do Solar teriam condições financeiras para sua manutenção e restauro. A sentença também derruba essa tese, reconhecendo a hipossuficiência dos donos do imóvel em promover uma obra “na cifra de milhões de reais” e exigindo a ônus da prova de capacidade financeira dos proprietários recaírem sobre a prefeitura. A sentença não impede que o Município inclua o Estado e a União, para não ser o único ente federado a arcar com a despesa de restauração, uma vez que o bem é tombado por autarquia federal, porém determina que o poder público faça os arranjos necessários para alocar recursos.
O Solar é reconhecido no Plano Diretor de Campos como bens de proteção ambiente cultural. Em seu art. 227 cita que “são considerados bens de proteção do ambiente cultural no Município de Campos, aqueles tombados pelo Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - IPHAN e pelo Instituto Estadual do Patrimônio Cultural – INEPAC (...)Casa da Fazenda dos Airizes”. O Plano cita ainda que “a preservação de edificações determinadas por esta lei, ou por ato do Executivo não implicará necessariamente em seu tombamento, mas assegurará sua proteção”.
(Atualização em 07/08/2020) A presidente do Fundação Cultural Jornalista Oswaldo Lima (FCJOL), cargo que também ocupa no Coppam, disse estar ciente das questões que envolvem o Solar, mas preferiu comentar as informações apuradas nesta matéria na reunião do Conselho que acontece no próximo dia 18. 
O setor cultural de Campos e o a verdade do Airizes
O arquiteto Humberto Neto das Chagas, cotado para assumir o escritório do Instituto Estadual do Patrimônio Cultural (Inepac) que será instalado em Campos, prefere não comentar a decisão judicial, mas descarta o tombamento pelo Inepac:
— Essas questões que envolvem a justiça são bastante complexas. Eu costumo trabalhar com o que há de concreto após as resoluções da justiça. Sou leigo nos assuntos jurídicos, portanto prefiro opinar após a conclusão desta. Quanto ao tombamento pelo INEPAC, minha opinião, neste momento, a princípio é de não tombamento.
O historiador e ambientalista Arthur Soffiati comenta que o Solar não pode esperar a demora processual e que a prefeitura de Campos seria a “instância mais apropriada para garantir a integridade do bem”:
— Os trâmites processuais são demorados. Enquanto a questão passa do ministério público ao judiciário, que pede pareceres e a devolve ao ministério público, o bem vai se deteriorando. a prefeitura de Campos parece ser a instância mais apropriada para garantir a integridade do bem e promover a sua restauração. Antes de tudo, ela faria obras emergenciais para impedir o desmoronamento. Em segundo lugar, ela faria um projeto de restauração, definindo alguma atividade a ser sediada no prédio. De posse desse projeto, ela poderia buscar fundos em grandes empresas da região, como a Petrobrás e o porto do Açu, mas não apenas. Contudo, parece que estamos fadados a lamentar mais uma perda para o município, como foram os casos do teatro são salvador, da antiga santa casa, do Trianon e do coliseu.
Presidente do Instituto Histórico de Campos, Genilson Paes Soares, desconhecia a apelação da prefeitura e lembra sobre o prazo da prefeitura:
— Não conhecia essa apelação feita pela Prefeitura e que teve decisão em 16 de outubro 2019. No teor da peça dá pra conferir a decisão final do processo que saiu em fevereiro deste ano: o Nelson Luiz Lamego saiu do polo passivo juntamente com o Iphan e a Prefeitura foi condenada sozinha a "obrigação de fazer" o projeto, orçamento e prever no PPA de 2021 o recurso para restaurar o Solar dos Airises. A Prefeitura tinha um prazo até o dia 27 do mês passado, para apresentar o projeto e orçamento para aprovação do Iphan.
Genilson alerta que a falta de cuidado com a cultura em Campos não é recente:
— Vejo pelo acordão que a condenação é de 2013 no governo Rosinha, quando o município ainda tinha uma boa arrecadação dos royalties do petróleo, mas preferiram entrar com recurso pra ganhar tempo e deram prioridade a outros projetos milionários como o elefante branco do Cepop, a urbanização do Canal Macaé Campos e a obra de revitalização do Centro Histórico, que nunca se efetivou.
O advogado Ademir Martins Neto comenta a decisão judicial:
— Analisando as informações, o município desta vez não recorreu do Acórdão. No meu entender havia argumentos para recurso, pois o Acórdão não foi unânime e não foram aferidas as condições financeiras do atual proprietário do imóvel, tão pouco foi atendido o pedido de direcionamento da lide a este. Tendo ocorrido o transito em julgado caberá ao MPF proceder ao cumprimento da Sentença mantida. Frise-se que, tanto o Juiz quanto os Julgadores do órgão especial, informaram que não pode Município alegar ausência de recursos financeiros ou outra prioridade, pois deixaram bem claro a importância da preservação histórica para a identidade de um povo.
A historiadora Sylvia Paes reforça que o abandono do Solar é um exemplo da falta de identidade do campista e que enquanto “a justiça discute, a casa agoniza”. Sylvia alerta que “falta-lhe a alma para habitar e fazê-la viver”, citando a “deselegância” dos proprietários em desamparar o Solar.
— Airises é uma espécie de palmeirinha muito comum nos campos dos Goytacazes. Airises germinou aí, junto da palmeirinha para contar uma história dos homens, para “deixar bem claro para nós quem poderíamos idealmente ser” (Botton, 1969). O estado de Airises hoje nos apresenta como um povo sem cuidado com nossa própria identidade. Enquanto discute-se na justiça, a casa agoniza, o bem material sem uso não tem razão de existência e entra em ruína. Falta-lhe a alma para habitar e faze-la viver. Os herdeiros entendem que o patrimônio não é mais deles, eles não o querem, eles o abandonaram, eles mostraram sua deselegância e descaso com a própria história familiar. Então, que a Prefeitura em um ato de coragem extrema assuma esse bem e o restaure, com colaboração das instâncias federal e estadual, contando ainda com o apoio de empresários locais e regionais. Só desse modo poderemos ter e legar esse que é uma dos patrimônios mais significativos para nós.
Marcelo Sampaio, presidente do Conselho Municipal de Cultura de Campos dos Goytacazes, menciona que o “que garante qualquer preservação é o uso de fato e continuado do que foi tombado”.
— A questão do Solar dos Airizes sempre foi muito complexa e se tornou mais ainda com as incursões na Justiça. Os tombamentos, lamentavelmente, não são garantias de que os bens tombados serão preservados. Na minha opinião, o que garante qualquer preservação é o uso de fato e continuado do que foi tombado. Por isso, acredito que só um projeto real e realista para o futuro do Solar dos Airizes possa garantir que Campos e toda a nossa região não percam mais este importante patrimônio histórico.
 
Carlos Freitas, historiador e ex-diretor do Arquivo de Campos informa que já haviam tratativas entre os proprietário e a prefeitura e que hoje "será muito mais caro" restaurar o Solar. 
— Pelo visto, toda a questão da preservação patrimonial acabará sempre nos órgãos públicos. Grande parte dos proprietários de imóveis tombados, em suas diversas esferas, os deixam literalmente abandonados à própria sorte, aguardando sua ruína completa, como o caso dos Airises. Há anos acompanho essa morte premeditada, que é geral pelo país. Nesse caso específico, houveram tentativas, frustradas, da prefeitura em adquirir o Solar para um uso cultural, pelo valor que os proprietários pediam. Agora, a justiça determinou que o poder público se posicione e resolva o problema. Demanda de anos, que será muito mais caro resolver se houvesse sido entregue há anos atrás. E os verdadeiros responsáveis pela ruína, sem ser responsabilizados. Isso é o Brasil.
 
Graziela Escocard, historiadora e diretora do Museu Histórico de Campos cita o potencial turístico do Solar e "que devemos cativar a população para o interesse na preservação do nosso patrimônio material e imaterial". Graziela também comenta sobre o suposto tombamento pelo Inepac.
— O Solar dos Ayrizes é um grande potencial turístico para nossa região. Campos carece de outra fonte de renda e essa seria o turismo histórico. Acredito que o Solar dos Ayrizes, poderia se tornar o Museu do Movimento Abolicionista, traçando não só a história de ficção do Bernardo Guimarães, como todo o movimento abolicionista na região. No entanto, acredito na consulta pública. Perguntar para a população o que queremos realizar neste espaço. Tudo que é construído com o envolvimento da comunidade, cria sentindo de pertencimento com a história é a memória afetiva. Assim, que devemos cativar a população para o interesse na preservação do nosso patrimônio material e imaterial. Quero deixar também minha opinião sobre o suposto tombamento pelo Inepac. Na primeira Live do Museu - "Patrimônio em Risco", o Manuel (ex-superintendente do Iphan-RJ), deixou claro que hoje em dia o tombamento não resolve o problema mais sério acerca da preservação dos prédios históricos. O tombamento é apenas um informe para o dona e para a população. Portanto, mais uma instância tombando não resolve o principal problema do Solar do Ayrizes, já que é tombado pela instância maior do nosso país o Iphan. Acredito no poder de conscientização e de trabalho na base por meio da Educação Patrimonial.

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    Edmundo Siqueira

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