Matheus Berriel
27/08/2020 21:27 - Atualizado em 28/08/2020 17:50
"Sou só a ponteira desse barco com novos professores de teatro que estão surgindo”. A afirmação é de Eduardo Birchler Pinto, 29 anos, primeiro professor de artes oriundo do curso de licenciatura em teatro do Instituto Federal Fluminense (IFF) a ingressar no mercado de trabalho. Oitavo colocado na modalidade de cota racial no concurso de 2018 da Prefeitura de Maricá, ele foi empossado no último dia 18 e deu a primeira aula dia 21, on-line, em razão da pandemia da Covid-19.
Edu Birchler, como é conhecido no meio artístico, fez parte da primeira turma do curso, iniciado em 2016. Quando prestou o concurso de Maricá, visando adquirir experiência, ainda estava no quinto dos oito períodos da faculdade. O último foi cursado no segundo semestre de 2019, mas a sua formatura só aconteceu em fevereiro deste ano, devido a adiamento na entrega do Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), cujo tema, “Creontes - Teatro na experiência da encruza”, reflete sobre a direção pedagógica como prática exusíaca na formação de um licenciando em teatro.
Orientadora de Edu no TCC, a professora Alissan Silva disse ter sido instigada a aceitar a empreitada do aluno pela forma como o processo criativo foi proposto, dentro de uma investigação cênica pré-existente.
— Vi na investida dos estudantes a autonomia no processo de construção dos conhecimentos, em que buscavam avidamente articular os aprendizados na licenciatura, suas próprias trajetórias e o desejo de criar uma montagem teatral que fosse resultado de um processo de investigação prática. E Edu, investigando a si próprio como um diretor, se encontrou com o professor de teatro, refletindo sobre a indiscutível presença da pedagogia teatral num processo de encenação e a experiência estética no processo de aprender e ensinar teatro — comentou Alissan.
Recém-empossado como professor, Edu Birchler leciona para turmas de sexto, oitavo e nono anos do ensino fundamental nas escolas municipais Marquês de Maricá e Anísio Teixeira. Ainda sem contato físico com os alunos, ele tem como primeiro desafio a aplicação de um formato inclusivo de ensino:
— Nem todos conseguem ter acesso às aulas on-line. A gente tenta fazer exercícios on-line, mas também impressos para os alunos que não têm acesso à internet. Além de receberem uma cesta básica, que a Prefeitura tem dado, eles vão à escola receber as atividades para fazer em casa e devolver posteriormente. A gente tem tentado entender a especificidade de cada um. Estou com dois alunos autistas e um com uma dificuldade auditiva. A cada exercício que proponho, tenho que pensar especificamente nestes alunos. E isso à distância, ainda não consegui me apresentar fisicamente a eles. Mas, a gente que é das artes, especialmente do teatro, aprende a se reinventar. Acho que é mais uma barreira em que, com certeza, a arte, devagarzinho, vai se infiltrando e desmoronando o bloqueio.
Na visão de Edu, seu feito não deve ser visto apenas como uma conquista individual: “Eu estive no primeiro fórum de arte, em 2014, quando foi dito que seria aberto um curso de teatro em Campos. Fui sonhando junto com o IFF, consegui passar no vestibular, fui da primeira turma... A cada degrau que o curso ia galgando, a gente também sonhava junto. Agora, já formado e empossado como primeiro professor dentro da rede pública básica, eu fico muito feliz. Acredito que não é uma realização só minha, mas da implantação do curso, desde a Kátia Macabu, que sonhou o projeto, e das primeiras professoras, como Mônica Mesquita, Céli Palácios, Alissan Silva, Tatiana Oliveira, Takna Formaggini, que deram esse pontapé inicial”.
Evolução
No final do ano passado, a licenciatura em teatro do IFF Campos, pioneira no interior do estado, já havia obtido uma relevante conquista. Após a realização do Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade) pela turma de 2016 e avaliação feita pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) quanto ao corpo docente, à infraestrutura e aos materiais didático-pedagógicos utilizados, o curso recebeu conceito máximo (cinco) do Ministério da Educação (MEC).
— É um orgulho para a gente saber que os alunos da primeira turma já estão entrando no mercado de trabalho de forma tão contundente e decisiva; saber que o IFF está cumprindo o seu papel social de entregar para o mercado profissionais responsáveis, competentes, com aprovação em concurso público, e mostrar, de forma bem prática, como a educação pode, realmente, mudar a vida das pessoas. Não é uma surpresa para a gente que o Eduardo tenha passado em um concurso e sido empossado, porque ele sempre foi uma pessoa muito focada — declarou a coordenadora do curso, Raquel Fernandes, no cargo desde 2017. — Temos ex-alunos de fora de Campos, por exemplo, que são os primeiros professores formados numa licenciatura em seus municípios. Acho que é importante falarmos da importância do ensino público de qualidade, porque a gente é tão massacrado pela sociedade, pelos governos... É muito importante marcar esse lugar.
Reitor do IFF desde 2016, Jefferson Manhães também comemorou o início da trajetória de Edu Birchler.
— Estamos muito felizes com o primeiro egresso do curso de formação de professores em teatro contratado. Naturalmente, esse é um dos objetivos do nosso curso: preparar professores, especialmente para uma área fundamental, que é a área de arte e cultura. Há uma grande carência de professores nessa área. Então, essa é a primeira missão da instituição. E a outra é que, ao prepararmos esses profissionais, vamos estar preparando também um conjunto de pessoas qualificadas para pensar políticas públicas na área cultural e, de alguma maneira, incentivar os gestores que possam atuar nessa área. A gente fica muito feliz em ver que um dos objetivos do curso está se concretizando com a contratação do nosso aluno — afirmou.