O Brasil 'das maravilhas'
Guilherme Belido - Atualizado em 05/08/2018 11:45
Restando dois meses para o 1º turno da eleição presidencial (07/10), o que se percebe dos pré-candidatos e candidatos melhor posicionados nas pesquisas é um discurso quase igual, em que as plataformas apresentadas tendem muito mais para o fantasioso do que se afigura plausível entender como realizável.
Não resta dúvida, ninguém vai ganhar eleição com fala pessimista. De mais a mais, como o Brasil recém-descortinou a maior rede de corrupção de sua história e tendo amargado recessão sem precedentes como a de 2015/16, é normal que os postulantes queiram passar à população discurso que contemple ações tanto de moralização do setor público quanto de retomada do crescimento econômico.
Entretanto, quando temas os mais complexos são tratados como simplistas, fazendo crer que solucioná-los seja ‘feijão com arroz’, bem como atribuindo a problemas que vêm de décadas resposta de curto prazo, há de se enxergar, para além do otimismo exagerado, pura utopia.
No vale-tudo para ganhar votos, aquilo que, à luz do bom senso, remete a de 15/20 anos, os candidatos estão prometendo para quatro.
Assim, com as ressalvas das peculiaridades de cada qual, no geral os presidenciáveis projetam, se eleitos, um Brasil ‘das maravilhas’, em tempo recorde, dissociado daquilo que é razoável e exequível em termos de realizações.
Exemplos desse modus operandi foram as entrevistas dadas ao longo da semana no programa ‘Central das Eleições’, recém-lançado pela Globo News, em que nove jornalistas sabatinaram os cinco postulantes que lideram as intenções de votos.
Foram ouvidos Álvaro Dias (Podemos), Marina Silva (Rede), Ciro Gome (PDT), Geraldo Alckmin (PSDB) e, na sexta-feira, Jair Bolsonaro, do PSL.
Nas respostas – muitas delas fugindo à pergunta – os candidatos e pré-candidatos formaram um só coro, externando com que “relativa facilidade” suas respectivas administrações colocariam o Brasil nos trilhos.
Exceção para Jair Bolsonaro, cujas perguntas focaram exageradamente em Paulo Guedes (apontado por Bolsonaro como seu ministro da Fazenda), o que deu ao candidato do PSL chance para se desvencilhar de boa parte da sabatina. No mais, até pelo notório desconhecimento de Bolsonaro (que nem faz questão de esconder) os jornalistas tiveram que se reportar mais ao passado do que ao futuro – ‘liberando’ o deputado de expor sua plataforma de governo.
Extraindo o máximo dos presidenciáveis
Com um formato jornalístico de certa forma inovador – tanto pelo número de entrevistadores, quanto pela linha mais ostensiva das perguntas – nas cinco edições do ‘Central das Eleições’, com duas horas cada, os analistas tentaram confrontar os candidatos não só exibindo contradições entre o que disseram no passado e dizem hoje, como buscando extrair ao máximo o que cada um pensa fazer.
Por um lado bom, por outro nem tanto. Cobrar cada palavra, cada vírgula dita há 30 anos dentro do contexto de então, foi pouco produtivo. Afinal, não há como exigir coerência ou compromisso como o erro e dificilmente vamos encontrar alguém que nunca tenha dito uma frase de cabeça quente ou uma palavra injusta no calor do momento.
No mais, algumas indagações soaram como inquisitórias – dedo acusatório – o que, salvo por exceção das circunstâncias, não é função do jornalista.
Andréia Sadi, por exemplo, teve momentos em que as perguntas já saiam em tom belicoso, possivelmente forçando a barra para “aparecer” – como se diz no popular – e se apresentar como grande jornalista que talvez ainda não seja, mas que certamente será.
Por outro lado, não deixa de ser uma forma de emparedar os políticos, tirando-os da zona de conforto em favor do maior esclarecimento do eleitor.
De toda sorte, merece destaque as participações, em especial, dos jornalistas Gerson Camarotti, Fernando Gabeira, Roberto D’ávila, Merval Pereira e Mirian Leitão que, com contundência e firmeza, mas sem excessos, tentaram levar ao telespectador o máximo de informação. (*Neste particular se faz observação de cunho subjetivo, passível de entendimento outro).
Simplismo para problemas históricos
Como já pontuado, no geral os presidenciáveis ‘descascam abacaxi’ nos dentes como fossem uvas.
Com uma ou outra diferença, todos se comprometem a fazer reforma política, reforma previdenciária e reforma de Estado em tempo recorde.
Também prometem dar agilidade ao Brasil, com programas de desburocratização, desregulamentação e desestatização. Todos falam em um estado menor e mais competitivo, privatizando o que for oportuno e deixando para o Estado apenas os serviços essenciais à população e à soberania do País.
Em linha única, negam qualquer pretensão de privatizar o Banco do Brasil a Caixa e a Petrobras. Exceção para Bolsonaro, que em “última análise” admite privatizar a empresa para, segundo ele, tornar os preços dos combustíveis competitivos.
Perrengues de cada qual
Álvaro Dias – Abrindo a sequência, o senador Álvaro Dias não teve vida fácil. Foi confrontado na questão da PM ter usado de violência para dissipar uma manifestação de professores quando era governador do Paraná. Reconheceu excesso isolado e disse que já pediu desculpas aos professores. Em outro caso, de suposto caixa 2 numa campanha de 1986, negou qualquer ilegalidade e enfatizou que não tem como se lembrar de detalhes de campanha de 30 anos.
Marina Silva – Com um discurso coerente, assumiu postura mais firme e determinada do que de costume. Respondeu a tudo com clareza, lembrou que FHC promoveu o avanço político e Lula a inclusão social. Não obstante a fala tenha sido parecida com a de seus adversários, foi bastante lúcida. Também respondeu com transparência o porquê dissera que votaria a favor da CPMF e votou contra. Explicou que o projeto apresentado do Jatene não foi o que chegou ao Congresso.
Ciro Gomes – Talvez pela fama de não levar desaforo pra casa e dar respostas desconcertantes, Ciro Gomes foi muito menos incomodado do que se esperava. Os entrevistadores pisaram um pouco em ovos, mas não deixaram de cobrar a contradição de elogios fartos a Michel Temer, em 2009, a quem agora chama de ladrão. Sem se apertar, disse que em 2009 ainda não sabia. Sobre os processos que responde, esclareceu que são provenientes das denúncias que fez, entre elas contra Eduardo Cunha (a quem também chamou de ladrão) e ao que define como “quadrilhão do PMDB”.
Geraldo Alckmin – O ex-governador seguiu a cartilha dos demais no que diz respeito a colocar em prática ‘todas’ as ações que vão salvar o Brasil. Sempre procurando ligar sua imagem ao do saudoso Mário Covas, teve muita dificuldade em explicar sua composição como ‘Centrão’, cujos dirigentes de vários partidos estão condenados ou sendo investigados pela Lava Jato. Com cara de paisagem, não conseguiu explicar (claro) a comparação que fez entre o PTB de Vargas com o PTB de Roberto Jefferson – que de trabalhista não tem nada. Mas, foi eloquente ao enumerar suas realizações em três bem-sucedidos mandatos à frente do governo de São Paulo.
Jair Bolsonaro – É curioso observar que Bolsonaro, que lidera as pesquisas em que não aparece Lula (que definitivamente não será candidato como assentou o TSE), tenha sido relativamente poupado exatamente por não entender quase nada de nada. Ou seja: como formular perguntas sobre os problemas mais sensíveis do País se ele, de antemão, adianta que vai delegar isso e aquilo a quem entende?
Assim, foi uma entrevista de retrovisor, em que o candidato, quando apertado, disse simplesmente que errou aqui... e ali... e ponto. Sobre o regime militar que virou ditadura, também tangenciou... e continua fazendo de conta que a ditadura no Brasil não ameaçou, não torturou e não matou em seus porões.
Contudo, o candidato deixou os entrevistadores numa saia pra lá de justa quando citou editorial assinado por Roberto Marinho, em 1984, que reiterava o apoio do Globo à Revolução de 64 e destacava que o jornal identificou “os anseios nacionais de preservação das instituições democráticas ameaçadas pela radicalização ideológica e corrupção generalizada”.
Ao final, Mirian Leitão tentou rebater e a emenda ficou pior que o soneto. Para reproduzir nota da Rede Globo, sem contar com o teleprompter, Mirian repetiu o que estava sendo ditado via ponto eletrônico, e foi um desastre. A jornalista gaguejou, fez pausas constrangedoras e quase se perdeu no ar. Um horror.
Tudo isso para se reportar a um editorial de 2013, em que a Globo reconhecia o erro do apoio, nada menos que 48 anos depois, com Roberto Marinho já morto e o regime dos generais sepultado em passado distante.
Enfim, Bolsonaro segue no seu estilo. Fala a linguagem do povo e joga para a galera.
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