MP e Conselho Tutelar ouvem relatos de mães sobre a falta de atendimento especializado na rede pública
Ingrid Silva 05/03/2024 20:32 - Atualizado em 06/03/2024 20:33
Uma reunião com mães de crianças e adolescentes atípicos aconteceu na tarde desta terça-feira (5), no auditório do Ministério Público Estadual (MP/RJ), em Campos. O encontro teve como intuito ouvir os problemas relacionado à falta de atendimento especializado na rede pública de Saúde do município. Os relatos serão levados, novamente, à Prefeitura. O objetivo é aumentar a quantidade e também a qualificação dos profissionais da área. Mães de crianças e adolescentes com algum tipo de deficiência ou Transtorno do Espectro Autista (TEA) relataram problemas não só com a quantidade, mas também a falta de qualificação e a necessidade de uma equipe multidisciplinar para atender seus filhos.
A reunião contou com a presença da promotora de Justiça e Tutela Coletiva da Infância e Juventude do MP/RJ, Anik Rebello, que ouviu atentamente aos problemas para entender melhor a situação. Para além disso, durante a reunião, foi possível também reunir provas sobre a necessidade do poder público olhar para essa área. O encontro foi possível devido às demandas tanto do Conselho Tutelar, que também esteve presente, quanto do próprio MP. De acordo com a promotora, o Ministério possui diversos inquéritos civis instaurados tanto do ano passado quanto de anos anteriores sobre a situação.
“O número de neuropediatras hoje, da rede municipal de saúde, é muito pequeno para o quantitativo populacional da nossa cidade. A falta da rede de assistência especializada, fisioterapia, neuropsicólogos, é muito grande (...) A necessidade de colher detalhes a respeito das dificuldades e deficiências da rede municipal de assistência à saúde e à essas crianças se mostrou uma etapa importante da nossa atuação. O Conselho Tutelar também vem trazendo essa demanda, recebendo no dia a dia das suas atividades, constantemente, mães em busca desse serviço e a gente achou importante abrir um espaço para escutar esses problemas e, ao mesmo tempo, reunir mais provas da necessidade do poder público estar aí se voltando de fato para essa área e conseguindo aperfeiçoar os serviços”, explica Anik.
Para Daiana Nunes, o atendimento deixa a desejar. Mãe de cinco filhos, sendo dois deles diagnosticados com TEA, ela segue na fila de espera há seis meses para realizar exames. Além de gastar com remédios, ela também precisa do leite especial já que todos os filhos são alérgicos. Na manhã dessa terça-feira (5), mães de crianças com Alergia à Proteína do Leite de Vaca (APLV) realizaram protesto em frente à secretaria de Saúde para denunciar a falta do alimento em Campos, algo que os filhos de Daiana também sofrem no município. 
“Está péssimo o atendimento. Não tem pediatra direito na rede, não tem neuro, eu já estou na fila de espera para fazer exames há seis meses. Particular é um absurdo, um dinheirão que tem que gastar... Porque eu já gasto com o leite, aí vem ainda remédio especial que toma e ainda consulta para pagar. Todos eles precisam de consulta médica, não tenho condições de pagar”, desabafa. Daiana também tem um filho de 8 anos com crises convulsivas, que espera neurologista há quatro meses no Centro de Atenção Psicossocial (Caps).


Outras mães também relataram, durante a reunião, sobre não ter condições de pagar consultas e exames particulares, assim como outros problemas. Foram citados, por exemplo, dificuldade para encaminhamento após passar em triagem, sem vagas para tratamento de síndromes raras e outros tratamentos que não são disponibilizados em Campos, como a terapia ocupacional.
A conselheira Giovana Almeida vem acompanhando a luta para resolver a situação e percebe cada vez mais a falta desses profissionais da saúde, assim como sabe que atrasa todo o acompanhamento necessário. Ela citou, ainda, que além do apoio buscado ao MP, uma peça de representação para levar o assunto ao juiz da área da Infância e da Juventude também está pronta.
“Então, essas crianças sofrem tanto um preconceito, até institucional, porque quando não é disponibilizado o atendimento que ele tem direito, neurologista, psicólogo, fonoaudiólogo, ele atrasa todo o acompanhamento que é necessário (...) É uma luta muito grande que a gente vem travando em relação a essa pauta especial à saúde e vou além, esse problema não é só com as crianças especiais e sim a todas as crianças, porque o município hoje só tem três neuros atendendo, um ou dois fonoaudiólogos atendendo. Então, fica muito difícil para a gente atender à demanda toda que o município tem em relação a esses médicos, a esses profissionais”, disse.
Recentemente, foi percebido um aumento na aflição das mães, visto que outros direitos previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente também são inviabilizados na situação, como a educação. A necessidade de laudos atualizados para que seja possível contratar profissionais nas escolas e creches é um desses reflexos.
“Um dos reflexos da ausência de assistência à saúde das crianças com deficiência também afeta o exercício desse direito à educação. Muitos deles exigem a presença de mediadores para o desenvolvimento escolar pedagógico adequado nas escolas da rede municipal. E é uma exigência, especialmente esse ano, de que eles apresentem um laudo que demonstre essa necessidade. Então, a ausência de um diagnóstico pela ausência dos profissionais de saúde inviabiliza, também, o direito à educação por parte dessas crianças. Então, realmente, é uma matéria que exige urgentes providências para que esses problemas sejam superados”, relata a promotora Anik Rebello.
A conselheira Giovana Almeida relatou a demora para que esse laudo fique pronto devido a ausência de profissionais, o que atrasa todo o processo, gerando um prejuízo ao aluno especial.
“Estamos iniciando o ano letivo, estamos com uma demanda muito grande, porque para ele ter direito a cuidador e mediador, ele precisa de um laudo atualizado para a mãe requerer esse profissional para acompanhar seu filho. Então, quando a gente leva um ano, um ano e dois meses para conseguir uma consulta e até fazer os exames, as tratativas todas necessárias para ele obter o laudo, ele tem um prejuízo assim, incalculável”, explica.
Ao final da reunião, foram consignadas, em ata, as informações apresentadas pelas mães que passarão a instruir diversos procedimentos já em andamento na Promotoria de Justiça da Tutela Coletiva da Infância e Juventude. Na sequência, a promotoria buscará a articulação com os gestores públicos para a ampliação da rede de assistência à saúde das crianças e adolescentes com autismo e deficiência mental “de forma a garantir a oferta regular dos serviços”, como explicado pela responsável pela pasta, Anik.
Também serão adotadas providências para o efetivo cumprimento de sentença judicial transitada em julgado na Vara da Infância, determinando a ampliação pelo município do quadro de neuropediatras.
Em nota, a secretaria municipal de Saúde (SMS) disse "que segue trabalhando para melhorar e ampliar a assistência em saúde no município. Entretanto, encontra barreiras nas disponibilidades de profissionais especializados.

Informamos ainda que o atendimento ambulatorial com neuropediatra é realizado nos Centros de Referência e Tratamento da Criança e do Adolescente (CRTCA) I e II, além da Unidade Básica de Saúde (UBS) de Santa Maria. Já o atendimento com o neurologista clínico ocorre na Policlínica da Terceira Idade do Parque Tamandaré e no Centro de Doença de Alzheimer e Parkinson (CDAP)", concluiu.
(I.S.)

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