Folha Letras - Barrancos
Caramba! Difícil! E eu pensando que, na Europa, pode-se chegar a qualquer lugar de trem... Não é nada disso, principalmente em Portugal. Toma-se um ônibus que faz o trajeto uma vez por dia. Às vezes, uma vez por semana. Às vezes, nem ônibus tem. Faça o caminho a pé ou de táxi ou de carro alugado. Não reclamo nem crítico. Gostaria que a dificuldade de chegar a um destino fosse maior em qualquer país para aumentar a aventura e dificultar o acesso daqueles turistas predadores. Eles estão invadindo a Península Ibérica.
“Mas, afinal, o que você vê de tão interessante num vilarejo com população de 1430 pessoas”? Perguntou-me o agente de viagem. “Você não é mais um garotão para esse tipo de aventura. Melhor retirar esse lugarejo do seu roteiro”, completou ele. “Mas o lugar é importante do ponto de vista histórico. Lá se fala também uma língua latina. Seus usuários pleiteiam que ela seja a terceira língua oficial de Portugal ao lado do português e do mirandês.”
As coisas mudaram quando pedi ajuda para reservar hospedagens. Não havia nenhum hotel em Barrancos. Nem mesmo um bem modesto ou um detestável hostel. Mas encontrei um casal que hospedava viajantes. Fechei com eles e fui informado por D. Isabel, a proprietária, que podia se chegar lá diretamente partindo de Beja até Moura, onde eu tomaria o único ônibus diário para Barrancos. Mas ela não me dava certeza.
Parti de Vila Real de Santo Antônio, cidade na foz do rio Guadiana, fronteira entre Portugal e Espanha. Subi o vale desse rio, passando por Faro e vários lugarejos até Beja. Pernoitei nesta cidade e embarquei no dia seguinte para Moura. Era uma quinta-feira. O ônibus entrava em povoados com casas baixas e antigas, pintadas de branco ao estilo mediterrânico. As ruas eram vielas estreitas e tortuosas. Tinha-se a impressão de que o veículo era grande demais para o vilarejo e que iria colidir com alguma casa. De modo impressionante, o motorista fazia curvas e penetrava em lugares de nomes atraentes: Baleizão, Serpa, Vila Nova de São Bento, Pias...
Finalmente, chegamos a Moura, onde só tive tempo de comer uma pizza. Às 13 horas, parti para Barrancos num ônibus repleto de estudantes. Paisagem rural seca. Pequenos rios com pouca umidade. Finalmente, Barrancos. Como outros lugares na Península Ibérica, os pontos elevados são escolhidos para se erguer um núcleo urbano. Questão de defesa. Barrancos originou-se na Idade Média, passando pelas mãos dos mouros e cristãos. O castelo de Noudar, perto da vila, é uma referência no processo de reconquista da Península aos mouros.
O casal que me hospedou foi me buscar no ponto final do ônibus. Não existe rodoviária na vila. Tirei a tarde para andar pelo local. Os dias longos ajudaram. Visitei o museu e o centro de turismo. O museu é pequeno, mas bem organizado. Uma moça me guiou e me deu explicações. Ele cobre a história da vila nas suas salas pequenas. No centro de turismo, encontrei apenas um livro sobre o castelo de Noudar, há 17 quilômetros da vila. Minha biblioteca tem mais livros sobre Barrancos que o centro de turismo. Orgulho íntimo. Não foi possível visitar o castelo de Noudar. Para chegar até ele, só a pé ou de táxi. Só havia um taxista na vila e pouco tempo para uma longa caminhada combinada com a idade. Ele já tinha um compromisso. Tive de voltar na sexta-feira, pois não há ônibus nos fins de semana. O transporte público funciona nos cinco dias úteis da semana para atender a estudantes, mais que a passageiros adultos.
Mas uma tarde me bastou para andar pelas ruas antigas da vila, para visitar igrejas nas torres das quais cegonhas fazem seus ninhos. Fotografei uma. Caminhei pelo perímetro da vila, entrando para o miolo por ruas estreitas. Visitei a Igreja de Nossa Senhora da Conceição, padroeira da vila. Barrancos é o único lugar de Portugal em que a tourada, culminando na morte do touro, ainda é permitida por respeito à tradição. O prato típico é o presunto à moda de Barrancos. A vila é também conhecida pelo porco preto ibérico, raça muito apreciada dos pés às orelhas, do focinho à cauda. Tudo dele é aproveitado na alimentação. Como aboli aves, porcos e bois na minha alimentação, não provei nem um pedacinho do porco preto.
Fiz o mesmo trajeto no retorno. Barrancos a Moura, onde quase perdi o ônibus para Beja. Fui para o mesmo hostel nesta cidade. Ainda cheguei a tempo de visitar seus antigos monumentos, principalmente o castelo medieval de Beja e o Convento de Nossa Senhora da Conceição.
*Professor, historiador e ambientalista
Arthur Soffiati*
Antes de viajar a Portugal e Espanha, em junho deste ano, planejei o roteiro. Escolhi os lugares que gostaria de conhecer. Um deles foi Barrancos, um vilarejo do Alentejo na fronteira luso-espanhola. É a conhecida Raia, que data dos tempos medievais. Como chegar lá? Recorri a vários sites de busca. Primeira orientação: tome um ônibus (autocarro) em Beja até Vila Verde de Ficalho e, de lá, pegue um táxi até Barrancos. Para retornar, faça o mesmo: táxi de Barrancos a Vila Verde de Ficalho e ônibus até Beja. Acontece que eu queria entrar na Espanha a partir de Barrancos. Então, tome um táxi até Fregenal de la Sierra e, de lá, um ônbus até Cáceres.
Caramba! Difícil! E eu pensando que, na Europa, pode-se chegar a qualquer lugar de trem... Não é nada disso, principalmente em Portugal. Toma-se um ônibus que faz o trajeto uma vez por dia. Às vezes, uma vez por semana. Às vezes, nem ônibus tem. Faça o caminho a pé ou de táxi ou de carro alugado. Não reclamo nem crítico. Gostaria que a dificuldade de chegar a um destino fosse maior em qualquer país para aumentar a aventura e dificultar o acesso daqueles turistas predadores. Eles estão invadindo a Península Ibérica.
“Mas, afinal, o que você vê de tão interessante num vilarejo com população de 1430 pessoas”? Perguntou-me o agente de viagem. “Você não é mais um garotão para esse tipo de aventura. Melhor retirar esse lugarejo do seu roteiro”, completou ele. “Mas o lugar é importante do ponto de vista histórico. Lá se fala também uma língua latina. Seus usuários pleiteiam que ela seja a terceira língua oficial de Portugal ao lado do português e do mirandês.”
As coisas mudaram quando pedi ajuda para reservar hospedagens. Não havia nenhum hotel em Barrancos. Nem mesmo um bem modesto ou um detestável hostel. Mas encontrei um casal que hospedava viajantes. Fechei com eles e fui informado por D. Isabel, a proprietária, que podia se chegar lá diretamente partindo de Beja até Moura, onde eu tomaria o único ônibus diário para Barrancos. Mas ela não me dava certeza.
Parti de Vila Real de Santo Antônio, cidade na foz do rio Guadiana, fronteira entre Portugal e Espanha. Subi o vale desse rio, passando por Faro e vários lugarejos até Beja. Pernoitei nesta cidade e embarquei no dia seguinte para Moura. Era uma quinta-feira. O ônibus entrava em povoados com casas baixas e antigas, pintadas de branco ao estilo mediterrânico. As ruas eram vielas estreitas e tortuosas. Tinha-se a impressão de que o veículo era grande demais para o vilarejo e que iria colidir com alguma casa. De modo impressionante, o motorista fazia curvas e penetrava em lugares de nomes atraentes: Baleizão, Serpa, Vila Nova de São Bento, Pias...
Finalmente, chegamos a Moura, onde só tive tempo de comer uma pizza. Às 13 horas, parti para Barrancos num ônibus repleto de estudantes. Paisagem rural seca. Pequenos rios com pouca umidade. Finalmente, Barrancos. Como outros lugares na Península Ibérica, os pontos elevados são escolhidos para se erguer um núcleo urbano. Questão de defesa. Barrancos originou-se na Idade Média, passando pelas mãos dos mouros e cristãos. O castelo de Noudar, perto da vila, é uma referência no processo de reconquista da Península aos mouros.
O casal que me hospedou foi me buscar no ponto final do ônibus. Não existe rodoviária na vila. Tirei a tarde para andar pelo local. Os dias longos ajudaram. Visitei o museu e o centro de turismo. O museu é pequeno, mas bem organizado. Uma moça me guiou e me deu explicações. Ele cobre a história da vila nas suas salas pequenas. No centro de turismo, encontrei apenas um livro sobre o castelo de Noudar, há 17 quilômetros da vila. Minha biblioteca tem mais livros sobre Barrancos que o centro de turismo. Orgulho íntimo. Não foi possível visitar o castelo de Noudar. Para chegar até ele, só a pé ou de táxi. Só havia um taxista na vila e pouco tempo para uma longa caminhada combinada com a idade. Ele já tinha um compromisso. Tive de voltar na sexta-feira, pois não há ônibus nos fins de semana. O transporte público funciona nos cinco dias úteis da semana para atender a estudantes, mais que a passageiros adultos.
Mas uma tarde me bastou para andar pelas ruas antigas da vila, para visitar igrejas nas torres das quais cegonhas fazem seus ninhos. Fotografei uma. Caminhei pelo perímetro da vila, entrando para o miolo por ruas estreitas. Visitei a Igreja de Nossa Senhora da Conceição, padroeira da vila. Barrancos é o único lugar de Portugal em que a tourada, culminando na morte do touro, ainda é permitida por respeito à tradição. O prato típico é o presunto à moda de Barrancos. A vila é também conhecida pelo porco preto ibérico, raça muito apreciada dos pés às orelhas, do focinho à cauda. Tudo dele é aproveitado na alimentação. Como aboli aves, porcos e bois na minha alimentação, não provei nem um pedacinho do porco preto.
Fiz o mesmo trajeto no retorno. Barrancos a Moura, onde quase perdi o ônibus para Beja. Fui para o mesmo hostel nesta cidade. Ainda cheguei a tempo de visitar seus antigos monumentos, principalmente o castelo medieval de Beja e o Convento de Nossa Senhora da Conceição.
*Professor, historiador e ambientalista