"Rua das Cabeças": parece ficção, mas não é
Dora Paula Paes 18/09/2024 11:33 - Atualizado em 18/09/2024 11:33
"Rua das Cabeças": parece ficção, mas não é
"Rua das Cabeças": parece ficção, mas não é / Divulgação
Parece ficção, mas não é. Para muitos a história da “Rua das Cabeças”, em Campos, remete uma lenda urbana. Até contam que seria por causa de indígenas que faziam ritual de antropofagia, mas, de fato, remonta a um crime ocorrido em 1805, na então Vila de São Salvador. O caso envolve o assassinato do cirurgião Pedroso. O homicídio foi encomendado pelo padre responsável pela igreja de Santa Efigênia, que teria como motivação a defesa da honra de uma jovem sobrinha (que seria filha). Joaquim Aranha, um negro liberto que era pescador, foi o autor do homicídio, com a ajuda de seu amigo Adão para esconder o corpo, que foi posteriormente encontrado no Rio Paraíba do Sul. Toda essa história será representada, cenicamente, nesta semana, nos dias 19 e 20, às 19h, no Museu Histórico de Campos. A entrada é um 1 kg de alimento não perecível.
Espetáculo será apresentado na quinta e sexta, no Museu de Campos
Espetáculo será apresentado na quinta e sexta, no Museu de Campos / Divulgação

A história, de gênero tragédia, se passa numa época que os Engenhos de Açúcar dominavam a economia. Um lugar pacato que foi abalado por um crime que deu nome a uma rua que se chamava Rua da Cabeças, depois Rua Aquidabã e hoje se chama Rua Comendador José Francisco Sanguedo, no centro.
Espetáculo será apresentado na quinta e sexta, no Museu de Campos
Espetáculo será apresentado na quinta e sexta, no Museu de Campos / Divulgação
Com a direção geral e texto de Guilherme Freytas e supervisão e pesquisa, da diretora do Museu e historiadora, Graziela Escocard, “Rua das Cabeças”, tem classificação de 16 anos, até pelo seu contexto brutal do crime e seu desfecho. Segundo Guilherme, de todas as histórias já encenadas, essa é a mais difícil. “O Gastão Machado e o Júlio Fredyt, memorialistas, contam essa história. O Gastão narra como novela, mas foi um fato real que aconteceu na nossa cidade”, reforça Graziela.

O espetáculo é mais uma produção do Núcleo de Pesquisa Cênica “Letras em Movimento”, criado em 2018, e realiza um trabalho que une história e teatro. A estreia aconteceu com o espetáculo “A.SAL.ARIADOS”, onde encenaram a história do cortador de cana contextualizado nos trabalhadores informais da atualidade, tendo como pano de fundo o Jongo. Na sequência, vieram “O Assassinato de Donana Pimenta”, “O Trem da História” (esse uma adaptado do texto de Maria Helena Gomes), além das radionovelas: “A Roda dos Expostos” e “Olha para o Céu Frederico!”.
Espetáculo será apresentado na quinta e sexta, no Museu de Campos
Espetáculo será apresentado na quinta e sexta, no Museu de Campos / Divulgação
Ainda contaram a história do Boi Pintadinho, com “Pintadinho: Esse Boi Tem História”. Com o projeto Meia Noite no Museu abriram espaço para “As Cartas de Nina Arueira” e “A Morte do Barão da Lagoa Dourada”.

“Escrevi este texto em junho de 2022, mas só agora conseguimos montá-lo. Estamos desde março envolvidos com a análise de texto, pesquisa individual, preparação dos atores, ensaios, etc. Voltarmos a Villa de São Salvador dos Campos dos Goytacazes, é um grande desafio, temos muito poucas referências desta época, como a linguagem, a postura, as vestimentas. É um período muito distante e de poucos registros”, conta. Guilherme pontua que montar uma grande produção, e com poucos recursos, é uma grande batalha, porém, o grupo é agraciado por estar em um Museu e utilizar o ambiente histórico já existente.

Na ficha técnica, os atores: Taiane Santos, Estefany Nogueira, Pedro Gasparini, Lais Larissy, Ruan Trindade, Pedro Ivo Oliveira, Valdiney Mendes, Alessandro Martins, Cleidymara Santos, Glaucier Arly, Matheus Nakamura, Bárbara Laurindo e Paulo Victor Santana. A direção dos atores Paulo Victor Santana.
Recorte histórico 
Por Graziela Escocard*
A história da Rua das Cabeças, em Campos dos Goytacazes, remonta a um crime ocorrido em 1805, na então Vila de São Salvador. O Lacerda, que era o padre, encomenda o crime, porque sua sobrinha, mas tudo indica que era su filha, era pretendente para se casar com esse cirurgião, entretanto, ele espalhou uma má fama da menina.

Como punição pelo crime bárbaro, Joaquim Aranha e Adão foram enforcados fora da vila, em uma execução pública. Após o enforcamento, suas cabeças foram trazidas de volta para a vila e colocadas em estacas na entrada da rua, que posteriormente ficaria conhecida como Rua das Cabeças. Esse ato era parte de uma tradição brutal da época, em que se expunham partes dos corpos dos criminosos em locais públicos para servir de exemplo à população.

As execuções eram comuns durante o período colonial, e em casos de crimes graves, como esse, as partes dos corpos dos condenados eram enviadas para o local onde o crime havia sido cometido. Essa prática reforçava o controle e a punição severa imposta às classes subalternas, como os negros libertos e escravizados, na tentativa de manter a ordem social da época.

A rua ganhou esse nome devido à exposição macabra das cabeças dos criminosos, marcando um momento violento da história local e da repressão a qualquer forma de insurreição ou resistência, em um contexto de forte controle das autoridades coloniais.

No tempo do Brasil Colônia, as execuções eram, quase sempre, no Rio de Janeiro, de forma que Aranha e Adão para ali seguiram, escoltados. Levantou-se a forca na praia de Santa Luzia, dando força para o quadrado o 1° Regimento de Artilharia. (Citação do livro do Gastão Machado)
*Historiadora e diretora do Museu de Campos

ÚLTIMAS NOTÍCIAS