Matheus Berriel e Edmundo Siqueira
22/04/2023 08:07 - Atualizado em 28/04/2023 13:42
Em junho de 2020, transitou em julgado uma decisão da 3ª Turma Especial do Tribunal Regional Federal da 2º Região (TRF2) para que a Prefeitura de Campos fizesse a imediata restauração do Solar dos Airizes, à BR 356, em Martins Lage. Quase três anos depois, a Prefeitura alega que “o processo para realização de intervenções segue os trâmites burocráticos internos para viabilização”. Na prática, o que se vê é um importante prédio, tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) desde 1940, ainda com sérios problemas estruturais e correndo risco de desabamento.
— Os trâmites burocráticos que estão sendo sanados dizem respeito às formalidades típicas do processo de contratação pública, como modalidade de contratação, qualificações exigidas do contratado, dentre outras — informou a Prefeitura em nota. — Ainda não é possível definir uma data para o início das intervenções no Solar dos Airizes — complementou.
Isso ocorre mesmo já existindo um projeto aprovado pelo Iphan para a realização de uma reforma simplificada, com ações emergenciais, pela Sociedade Artística Brasileira (Sabra). Datada de 29 de abril do ano passado, a autorização foi dada pelo então chefe do escritório técnico do Iphan na Região dos Lagos, Fernando Eraldo Medeiros. Em nota à Folha, a atual gestão do Iphan reforçou a existência desse aval à Sabra, associação civil sediada em Betim/MG e que tem convênio com a Prefeitura de Campos visando a restaurar prédios históricos no município.
— É importante apontar a necessidade das ações de manutenção e conservação emergenciais, já sinalizadas ao proprietário/responsável do solar em diversas manifestações anteriores do Iphan, autarquia federal vinculada ao Ministério da Cultura. As medidas constituem etapa importante para a conservação do bem tombado, que posteriormente precisa receber projeto de restauração — diz a nota do Iphan. O órgão ainda não recebeu projetos para uma restauração mais abrangente, que precisará ser realizada num segundo momento.
Também procurada pela Folha, a Sabra se posicionou por meio do seu presidente, Carlos Alberto Ribeiro, que disse estar aguardando a contratação pela Prefeitura desde que foi dada a autorização pelo Iphan.
— Apresentamos toda documentação que nos foi solicitada para instruir a montagem do processo, visando à nossa contratação. Nesse sentido, seguimos à disposição, aguardando a definição da Prefeitura, para iniciarmos as obras — afirmou Carlos Alberto Ribeiro.
Em 15 de dezembro de 2021, o prefeito de Campos, Wladimir Garotinho, publicou um decreto em que declarou o Solar dos Airizes um prédio de utilidade pública, para fins de desapropriação do mesmo. O decreto levava em conta a decisão do TRF 2 e previa a instalação no solar de um equipamento voltado a atividades histórico-culturais. Porém, o projeto ainda não saiu do papel.
A Folha também tentou contato com a assessoria do TRF 2 para verificar se alguma medida foi ou será tomada quanto ao não cumprimento, até agora, da decisão de 2020. Porém, não obteve retorno da assessoria do órgão.
Histórico — Até o final do século XIX, o Solar dos Airizes foi sede de um engenho de açúcar que acabou demolido. Tendo como estilo característico o colonial de inspiração neoclássica, o prédio foi o primeiro bem tombado pelo Iphan em Campos, abrigando na época seu mais ilustre morador: o jornalista e historiador Alberto Lamego, que mantinha no local importante acervo mobiliário, vasta biblioteca e também uma pinacoteca de alto valor. No mês passado, um grande acervo com fotos, documentos, correspondências, cartões postais e recortes de jornais referentes à família Lamego foi doado ao Museu Histórico de Campos pelo museólogo Adriano Novaes, responsável pelo escritório técnico do Instituto Estadual do Patrimônio Cultural (Inepac) em Valença.
Popularmente, o Solar dos Airizes também é conhecido por supostamente ter inspirado o escritor e poeta Bernardo Guimarães a escrever o romance “A Escrava Isaura”. Contudo, segundo historiadores, não há provas sobre a presença de Bernardo nas terras do solar ou registros oficiais de que o autor tenha visitado Campos.
Em julho do ano passado, representantes da família de Alberto Lamego negaram que teriam vendido o imóvel e afirmam que pretendem entregá-lo ao município, para que seja usufruído pela sociedade.