— Olá a todos, me chamo Roberval.
“Olá Roberval!”, todos cumprimentam. Roberval continua:
— Não sei bem por onde começar... acho que nem deveria estar aqui.
— Roberval, fique à vontade. Você está em segurança aqui. Fale se e quando estiver pronto, tudo bem assim? — disse Eleonora, uma senhora branca, de meia idade, de cabelos aloirados e maquiagem forte, que conduzia a reunião. As cadeiras eram dispostas a formar um círculo, a mulher sentava-se no diâmetro oposto.
— Não, eu quero falar. Não aguento mais. Tudo começou quando eu via o programa da Luciana Gimenez. Ele estava lá, falando o que eu queria. Comecei a ouvi-lo, cada dia mais. Já não era o bastante nas quartas-feiras do programa. Comecei a ver vídeos dele no YouTube, até as sessões da Câmara que ele estava eu assistia.
Alguns faziam movimentos de confirmação com a cabeça, outros, envergonhados, ficaram cabisbaixos. Roberval continuou.
— Mas eu achava que conseguiria parar quando quisesse. Aquela ilusão, sabe? Mas ele estava cada vez mais presente em minha vida. Estava me consumindo. E tudo piorou, ainda mais, naquele Jornal Nacional da 'GloboLixo'. Era 2018, lembro-me bem. Quando o mito mostrou o kit gay...
Roberval é abruptamente interrompido por Eleonora: “por favor, Roberval! Aqui no grupo não falamos ‘mito’. Isso sempre traz recaídas, as pessoas aqui ainda estão muito sensíveis. Foi uma decisão de todos”.
— Taokey, então…
— Evite também “taokey”, “nisso daí”, “olha só” e “a verdade os libertará”. São expressões proibidas aqui, Roberval — Eleonora falava em tom mais baixo, e fazia movimentos circulares com as mãos.
Todos concordaram, alguns cochichavam com o vizinho da cadeira ao lado.
— Isso mexe com a gente, toca muito fundo. Por favor — reforçou Eleonora.
— Taok…certo! Desculpe. Vocês têm razão. Mas, continuando: depois daquilo, fiquei completamente submisso e dependente. Tentei ajuda na igreja, mas meu pastor falava para eu continuar a ouvir aquele homem.
— Certo, continue.
— Foram quatro anos dele na presidência. Depois da posse, ele explicando para a gente o que era golden shower, aquela ministra explicando que menino veste azul e menina veste rosa...meu Deus, era demais. Aquela fase da euforia, sabe? Mas dura pouco. Durou tão pouco…
Muitos confirmaram, novamente, com a cabeça.
— Eu preciso assumir para vocês. Cheguei ao fundo do poço. Quando vi, já estava lá naquele cercadinho, lá em Brasília. Quando olho para trás...quanta humilhação, como podemos chegar naquele ponto?
— Tudo passou, Roberval.
— Não sei…ainda tenho muitas dúvidas na minha cabeça. E essa mídia golpista — Eleonora fez "não" com o indicador da mão direita — quer dizer, a imprensa, falava da rachadinha, da mansão do Flavinho, do Queiroz, daqueles cheques…depois do superfaturamento de vacinas, das bíblias de ouro do ministério da educação, do orçamento secreto, das joias da Michelle…eu não aguentava...
Roberval chorou. O companheiro de grupo ao seu lado colocou a mão no seu ombro, dando-lhe tapinhas de leve.
— Hoje a gente sabe de tanta coisa — Roberval falava ainda com voz de choro — como é doído meu Deus. Que dor. Será que seremos vencidos pelo comunismo...
Mal a palavra “comunismo” foi dita e um senhor de bigodes e camisa de time se retorceu na cadeira. Um rapaz de camisa polo que chorava, olhou assustado. Duas senhoras suspiraram alto.
— Roberval, vamos dar espaço para outras pessoas poderem falar?
— Claro, claro…uma última coisa, que preciso dizer. Eu sou médico, e tinha certeza da necessidade da vacina. Mas cada vez que ele levantava aquela caixa de cloroquina…eu entrava em êxtase. Como explicar aquilo? Eu sabia que não era possível, e a vacina cada vez era mais atrasada propositalmente…ele chamava os vacinados de maricas, era um misto de euforia e dor, sabe? Quando ele andava sem máscara, de moto sem capacete...
— Eu me salvei com cloroquina! — gritou Nildo, um senhor com a camisa da Jovem Pan, levantando-se da cadeira.
— Nildo, já conversamos sobre isso. — repreendia Eleonora — O que dizemos para o Nildo pessoal?
“Vacinas salvam vidas. Eu acredito na vacina. Eu tomei a vacina”, todos repetiram, em coro.
— Roberval, nós te entendemos. Mas não desanime. Precisamos nos unir. Lembra dos acampamentos? Ainda não superamos o 8 de janeiro.
Todos, inclusive Roberval, fizeram uma expressão de orgulho, mas sem externar nenhuma palavra. Eleonora continuou:
— Acho que podemos terminar por hoje, pessoal. Ele está inelegível agora, precisamos nos lembrar todos os dias — uma senhora ao lado de Eleonora colocou as duas mãos no rosto, como se chorasse — precisamos nos curar, precisamos viver cada dia. Só por hoje.
— Só por hoje — todos repetiram.