Como esperado, o Parlamento é um problema
Edmundo Siqueira 15/04/2023 19:18 - Atualizado em 15/04/2023 19:23
A ciência política tem por praxe dizer que o parlamento é o espelho da sociedade. Afinal, lá estão (ou deveriam estar) representados as mais diversas correntes de pensamento, interesses e as regionalidades de um país continental.

O problema é que no Brasil há uma sub-representação. Em uma sociedade com 51% de mulheres e 56% de negros, a imagem refletida no “espelho” congresso é distorcida. Além dessa disparidade, alguns parlamentares eleitos no último pleito vieram de uma onda de extrema direita que não havia antes na política brasileira. E apesar de poucos, fazem bastante barulho principalmente onde o debate público se concentra, hoje: nas redes sociais.

Os discursos desse grupo de parlamentares são feitos para conseguir engajamento, curtidas, compartilhamentos e serem espalhados para diversos grupos de WhatsApp. Um deputado que se dedica a anos à uma política pública, nas áreas de educação e cultura por exemplo, não consegue ter o mesmo alcance que outro que posta uma foto com um fuzil nas mãos ou protagonizando alguma briga.

É como a política funciona no novo mundo digital. As redes sociais se tornaram a ágora — a praça pública — moderna, e não há muito o que fazer a esse respeito. Discute-se marcos regulatórios para a internet, tenta-se banir quem passa do ponto, mas é nas redes que os debates acontecem e é lá que as pessoas buscam informação.

O problema é que as instituições públicas não podem atuar em busca de curtidas. O Estado é o organismo que a sociedade criou para regular as relações humanas, para criar condições mais justas de convivência e para tratar a desigualdade. O parlamento é a voz do povo e tem o poder de criar as leis, por isso precisa ser plural e o mais representativo possível.

Existem também organismos independentes ao Estado, que servem para que a sociedade saiba o que acontece nos ambientes do poder e exerça sua cidadania da forma mais plena possível. Esse não servem apenas fiscalizar, mas também para que os permitir que os debates aconteçam com contraditório, ouvindo as partes envolvidas e tentando mostrar quais são os interesses reais em disputa. A imprensa cumpre esse papel, assim como o Ministério Público e os conselhos comunitários.

As redes sociais são caixas de reverberação — quando um som incide sobre uma superfícies refletivas, causando um grande número de reflexões. Muitas vezes não produzem informações verdadeiras, diferente da imprensa profissional que precisa da verdade para sobreviver.
E o som alto de polemistas do Congresso costumam ser o que chegam aos ouvidos e cliques dos usuários. E os algoritmos das redes tratam de amplificar ainda mais esses ruídos. Fenômenos eleitorais como Bolsonaro e seus apoiadores eleitos podem ser explicados por essa lógica.
Mesmo assim, dentro do Congresso, o jogo político não reflete os sons das redes sociais, na maioria das vezes. Apesar de barulhentos, os deputados e senadores que buscam likes não estão em posição de poder no legislativo. Na última semana, o presidente da Câmara Arthur Lira anunciou a criação de um super bloco, com 170 deputados. Foi uma resposta à articulação do executivo que tentou formar uma base com 142. Embora não se coloque na oposição, o “blocão” de Lira serve para barganhar poder. E mostrou que o controle do parlamento ainda é de alguém que se acostumou ao papel de “primeiro ministro” do governo Bolsonaro.

No embate de Lula e Lira o que prevalece é a política, principalmente de bastidor. E acaba por definir as iniciativas que passam e que não passam nas casas legislativas. É ainda de onde vem o poder real. Mas é preciso alertar: o espelho distorcido da sociedade no parlamento pode dar azar; e por mais de 7 anos.

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