Rui Barbosa entendia que a imprensa era algo essencial para construir o estado democrático de direito — ainda é, apesar da insistente deturpação desse papel por veículos contemporâneos —, e sabia, desde sempre, que os ideais abolicionistas e republicanos dependiam diretamente da atuação do jornalismo independente e acessível à população. Estava certo. Está na ampliação jornalística das vozes de personagens como Luiz Gama, José do Patrocínio, Castro Alves e do próprio Rui, as bases da República e do fim da escravidão no Brasil.
A imprensa, e o direito, eram as suas principais ferramentas. Participou ativamente dos movimentos que levaram a fundação da República, inaugurou o Senado em 1890, foi membro fundador da Academia Brasileira de Letras (ABL) e teve atuação fundamental para que o Supremo Tribunal Federal (STF) tivesse o papel de guardião da Constituição Federal. Era maçom, como muitos dos abolicionistas, e defendia a ampliação dos direitos trabalhistas, e é um dos pais do liberalismo social e democrático no Brasil, linha ideológica que em muito se afasta de premissas neoliberais vistas anos depois de sua morte.
Era também um homem de contradições — como qualquer um que se dedique muito tempo à exposição pública e a causas que atravessam tempos históricos. Em uma atitude completamente incondizente com o que defendia, Rui Barbosa decidiu queimar todos documentos que encontrou sobre a escravidão. Queria “acabar com o nosso passado negro”. Estava errado. Apagar a memória significa destruir a possibilidade de uma sociedade compreender de onde veio, de problematizar seus erros e de aprender com sua história.
Há também controvérsias quanto a sua capacidade como orador. Seus seguidores, fiéis até hoje, tratam de manter a lenda de que Rui era alguém dotado de uma enorme talento oratório. Seus inimigos, de antes e de agora, sempre o criticaram por proferir discursos maçantes e pouco eficientes quando analisados apenas pela oralidade.
Nascido em Salvador (BA), com praticamente 1 metro e meio de altura, Rui Barbosa mudou a história do Brasil e do mundo apenas com inteligência e com a palavra. Criou as bases civilizatórias que a sociedade brasileira precisava depois do Império, após abolir a atrocidade da escravidão. Em um dos seus textos mais famosos, a “Oração aos Moços”, lido em discurso a formandos da Faculdade de Direito de São Paulo (Rui estava acamado, não pode comparecer), dizia sobre o mal que estava, e continua a estar, no cerne de todos os problemas brasileiros: a desigualdade.
“O direito dos mais miseráveis dos homens, o direito do mendigo, do escravo, do criminoso, não é menos sagrado, perante a justiça, que o do mais alto dos poderes. Antes, com os mais miseráveis é que a justiça deve ser mais atenta, e redobrar de escrúpulo; porque são os mais mal defendidos, os que suscitam menos interesse, e os contra cujo direito conspiram a inferioridade na condição com a míngua nos recursos”.
Rui Barbosa não viveu para ver a ditadura militar de 1964, não pôde escrever sobre a redemocratização e a Segunda República, e não viu seu busto ser vandalizado no STF por bolsonaristas que queriam destruir as bases democráticas e republicanas. Quando completam 100 anos de sua morte, Rui Barbosa passa a ser novamente muito necessário. Ainda bem que é eterno.