"Ameaça comunista" em 37, 89 e ainda em 2022
Edmundo Siqueira 03/08/2022 21:42 - Atualizado em 03/08/2022 21:56

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A “ameaça comunista” em 37, 89 e ainda em 2022 - As mentiras repetidas, as ameaças fabricadas e as assustadoras semelhanças entre a primeira eleição direta depois da ditadura e as atuais eleições de 2022 para presidente da República. 

 
Em 1937, um grupo de militares brasileiros falsificou um documento oficial e criou pânico na população. Uma ameaça comunista iminente foi forjada no Estado-Maior, com a anuência do então presidente Vargas, que possibilitaria acuar o Congresso e implantar a ditadura do Estado Novo. Era o Plano Cohen. Uma fraude, descoberta anos depois.
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A sociedade brasileira acreditou, naqueles anos, que um grupo de comunistas iria derrubar o governo brasileiro, incendiar prédios públicos, promover saques, depredações e assassinato de autoridades. O mesmo medo foi a base para outra sangrenta ditadura se impor ao país, 27 anos depois. E que se perdurou por mais de duas décadas.

Em 1989, um governador desconhecido, do pequeno estado de Alagoas, seria a principal aposta dos brasileiros para derrotar a "ameaça comunista" que Brizola e Lula representariam. Fernando Collor de Mello, usando habilmente a televisão e com apoio de grandes grupos de mídia, ganhou visibilidade e saiu de apenas 9 pontos percentuais nas pesquisas de março, para 43 em junho, daquele ano eleitoral.
Lula tinha 16%, em março de 89. Em junho caiu para 8%. Durante toda eleição, inclusive no segundo turno, o medo de muitos brasileiros era que o metalúrgico mudaria a cor da bandeira brasileira para vermelho, que obrigaria as famílias de classe média e alta a dividir suas residências com famílias pobres que não tinham onde morar, que seria implantado o ateísmo e outras "ameaças comunistas" inventadas.
Mais uma vez a sociedade brasileira estava ameaçada por uma fraude. Panfletos nas ruas conclamavam “a população a pegar em armas, caso Lula perca as eleições” (Jornal O Estado de S. Paulo, 28/11/1989). Collor era cada vez mais vendido como um “caçador de marajás”, e um patriota, moralizador e incorruptível. Outra falcatrua, mas que o levou ao segundo turno.

Em 1989, a esquerda estava dividida entre Lula e Brizola, e o centro não encontrava um candidato viável. O deputado constituinte Ulysses Guimarães e o ex-presidente da Associação Comercial de São Paulo, Guilherme Afif, não chegavam a dois dígitos, somados. Contra a “ameaça comunista”, restava o direitista demagógico Collor — que não participou de nenhum debate no primeiro turno.
O segundo turno se confirmou. As pesquisas agora deixavam a eleição cristalina. Com apenas 7% de indecisos, Collor e Lula disputavam voto a voto. Em 15 de dezembro de 1989, o alagoano tinha 44,9% e o petista 44,4%.
Com a intensificação da campanha da "ameaça comunista", e outra mentira envolvendo Lula em um caso de aborto, somado ao fato de Collor ter sido treinado por Boni, da Rede Globo, no último debate (Mário Sérgio Conti, 1999), vem o resultado que todos conhecem: Collor vence as eleições de 1998 com 53,04% dos votos válidos contra 46,96% de Lula.
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Como um de seus primeiros atos como presidente, congela as contas poupanças de todos os brasileiros.
Qualquer semelhança de 1989 com 2022 não é mera coincidência. Além da polarização extremada, mentiras e ameaças comunistas fabricadas no imaginário de senhoras e senhores vestidos de verde e amarelo, tempos praticamente os mesmos personagens. Com uma diferença: Bolsonaro traz a novidade da extrema-direita no poder. Mas o contexto de 1989 parece não ter sido superado. Assustadoramente, existiu até um “Luciano Huck” naqueles anos 80: o apresentador Silvio Santos chegou a ser candidato, mas desistiu depois. 
Talvez não tenhamos superado as eleições de 1989 por ainda mantermos um percentual grande de brasileiros que confundem comunismo com outro tipo de ameaça. Alguns grupos sociais demonstram pavor com processos de transformação social e cultural e a ideia de que classes populares e os setores excluídos (negros, por exemplo) ascendam socialmente. O medo do comunismo é uma forma de expressar sentimentos de conservadorismo radical em relação a valores morais e religiosos.
Historicamente os comunistas defendiam a revolução para estabelecer igualdade social e questionavam os valores morais religiosos. Muitas vezes de forma violenta e ditatorial. Alguns regimes comunistas foram tirânicos e assassinos.
Mas, isso não significa — e nunca significou — que mudanças sociais e de comportamento tenham relação com o comunismo. Fica a máxima, essa nascida neste século, com o bolsonarismo: “O comunismo exerce o mesmo papel do ‘homem do saco’ pra adultos com capacidade cognitiva reduzida”.

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