A Constituição brasileira já define em seu artigo 2º que os poderes são “independentes e harmônicos entre si”. É uma cláusula pétrea, como tal não pode ter seu conteúdo alterado. Não é um princípio novo, remonta ao século XVIII, ainda aceito na maioria das democracias modernas, e significa dizer que um poder não pode interferir no outro, embora exista algum tipo de interdependência.
A Câmara de Vereadores de Campos é um poder — o legislativo. Em uma eleição conturbada, esse poder elegeu para a presidência da Casa o líder da oposição, Marquinho Bacellar, no último dia 15. A votação teve 12 votos governistas, contra 13 oposicionistas. O atual presidente Fábio Ribeiro decidiu (utilizando-se de sua prerrogativa) antecipar a eleição para a mesa diretora, que poderia ser realizada até o fim do ano, já que se refere ao comando da casa para o biênio 2023-2024. E perdeu.
Alguns motivos políticos são aventados para justificar a possível precipitação de Fábio, que perdeu por um voto, após a mudança de posição do vereador Maicon Cruz, visto como traição pelos governistas. Um dos possíveis motivos mostra que há uma divisão na base do governo na Câmara, e a decisão de adiar a votação seria um forma de o presidente garantir seu nome no pleito. Político experiente, possivelmente tinha consciência de que, com uma margem tão apertada, a votação era arriscada.
Eleição feita, apurada e anulada
O fato é que o Governo perdeu no voto. A oposição se articulou, inclusive com união de líderes que até então representariam de grupos distintos — e venceu as eleições para a mesa da Câmara. Assim funciona uma democracia saudável, promovendo alternância de poder e possibilitando que o legislativo municipal atue mais livremente em uma de suas funções essenciais; como “freio e contrapeso” ao poder executivo.
Porém, a decisão foi contestada por dois vereadores. O primeiro alegava falta de publicidade. O segundo apresentava vício no processo, denunciando que não houve o voto nominal do vereador oposicionista Nildo Cardoso. As contestações seguiram o rito necessário e foram apreciadas pela mesa diretora. Uma negada e outra aceita, o que levou a anulação da eleição(links levam a apuração da Folha e do jornalista Arnaldo Neto). Foi apurado que Nildo Cardoso de fato não votou.
A Casa de Leis cumpriu regimentalmente os ritos necessários para anular a votação tida como viciada. Foi uma decisão interna corporis, tomadas internamente por cada poder. Em se comprovando o “não voto” de um vereador, a votação não se sustenta.
Por mais que seu voto seja previsível. Não é possível definir um voto parlamentar por suposição e previsibilidade. É preciso a sua livre e clara manifestação na sessão que define a matéria. O vereador deve deixar claro e líquido o seu voto, justamente para que não haja questionamentos ao processo eleitoral.
Situação e oposição apelam a judicialização da política
A eleição para o próximo biênio da Câmara foi tumultuada desde seu início. Por decisões políticas, governistas e oposicionistas encontraram dificuldades em manter suas posições, e abriram margem para questionamentos. E embora tenha existido a acusação de abuso de poder por parte do presidente da Casa, os movimentos para tentar reverter a decisão foram regimentais, atenderam à pedidos protocolados à mesa diretora por vereadores no exercício de seu mandato. E foram decididos pela coletividade da mesa, sem arroubos autoritários visíveis.
Política exercida internamente por um órgão político, goste-se ou não dos resultados.
A Câmara é uma instituição política. E como poder, exerce funções importantes no município, que não se limitam a decidir quem comandará a Casa daqui a mais de 10 meses. Outros tantos assuntos devem ser postos em votação, para que o município possa seguir funcionando. Embora “travar a pauta” seja também uma forma de pressão — de política —, deve-se manter o interesse coletivo como norte.
Mas o saída encontrada pela maioria dos vereadores envolvidos envolve o poder judiciário e a polícia. O presidente atual chegou a ser intimidado pessoalmente a comparecer na delegacia nesta quarta (23). A decisão de delegar ao judiciário a palavra final de suas decisões políticas parece ser a tônica na Câmara.
Caso os vereadores mantenham no judiciário a saída para resolver suas disputas internas, passarão uma mensagem perigosa. Não haverá clima democrático para decisões em matérias que afetem diretamente a população? A Câmara delegará assuntos polêmicos a outro poder? Beligerância e judicialização serão naturalizadas?
Responder essas perguntas é dever do poder legislativo em Campos.