Arthur Soffiati - Seu Davino
* Arthur Soffiati 14/12/2024 10:10 - Atualizado em 14/12/2024 10:11
Rodrigo Silveira
 
Conheci seu Davino em 2020. Talvez tenha sido em 2021. Não tenho certeza. E não o conheci pessoalmente, mas pela imprensa. Uma notícia informou que um homem nascido em 1910 havia contraído Covid-19, fora hospitalizado e se recuperou sem sequelas. Era seu Davino, que contava, então, com 110 ou 111 anos de idade. Será que seus pais quiseram batizá-lo com o nome de Davino? Ou Divino? Talvez o padre ou o cartório tenha entendido mal. Mas o que importa é que eu Davino alcançou hoje 114 ou 115 anos. Depois que o homem mais idoso do mundo se cansou de viver e abandonou este mundo, a faixa passou para um cearense de 112 anos.

As pessoas que fazem livros dos recordes não estão devidamente informadas. Seu Davino é o homem mais idoso do mundo até alguém mais velho ser encontrado. Seu Davino nasceu em Barra do Itabapoana, que, em 1910, fazia parte do município de São João da Barra. Ainda se chamava São Sebastião? Ele trabalhou muito. Não praticou respiração tântrica. Não fez meditação budista. Não adotou a dieta mediterrânica. Trabalho pesado. Feijão, arroz e carne. Talvez uma bebidinha de vez em quando ou um trago diariamente. Seu Davino nasceu menino e não pensou muito em sua identidade sexual. Não sei da sua vida particular, mas seu Davino teve muitos filhos, netos, bisnetos e um tataraneto.

Hoje, ele mora com filhos em Guarus. A imprensa não tem lhe dado a devida atenção. Após ter sido celebrado por superar a Covid sem sequelas, seu Davino virou notícia. Foi esquecido logo em seguida até voltar às folhas para declarar que desejava encontrar uma namorada. Seu Davino gosta de namorar. Não sei se alguma moça atendeu a seu desejo, mas ele bem que merece uma companhia feminina mais íntima.

Revelo que escrevi um conto inspirado em seu Davino. Seu título: “Narrador onisciente”, incluído no livro “O ano da pandemia”, de 2021. Para disfarçar, mudei o nome dele para Deucicler. Mostrei que ele nasceu em Brejo Grande, perto de Barra do Itabapoana. O lugar existe. Dizem que a melhor pizza do município é feita lá. Não sei se Brejo Grande existia em 2010. Mas ficção é ficção. Não é mentira porque o autor deseja apenas criar sem induzir o leitor a erro. Não é notícia falsa.

No conto, seu Davino (Deucicler) trabalhou no corte de cana e depois na fábrica Tipiti. Conseguiu aposentadoria e veio para Campos morar com os filhos. Imaginem uma pessoa que nasceu antes do início da Primeira Guerra Mundial, que a atravessou talvez sem saber de sua dimensão. Naquele tempo, as notícias eram escassas e tardavam a chegar. Seu Davino trabalhava. Veio a gripe espanhola. Não sei se ele a contraiu. Se sim, a superou. Se não, a enganou. Depois, atravessou toda a Segunda Guerra Mundial e tudo o que aconteceu posteriormente a seu fim.

Seu Davino é um herói e um monumento. Herói por ter superado muitos problemas. Monumento porque é memória e história viva. Enquanto o idoso do Ceará, com 112 anos, está ou estava um caco na sua inconsciência, seu Davino está inteiro. Campos tem agora três universidades públicas interessadas em temas sociais. Por que seu Davino ainda não foi procurado por uma ou pelas três para relatar sua trajetória de vida? Seu Davino deve ser um livro vivo. Ele tem muito para contar com sua lucidez. No meu conto, ele pergunta sobre o mundo ao repórter designado para fazer uma reportagem especial com ele e sobre ele. Seu desejo era visitar Gargaú.

Fica, então, a proposta: 1- reportagem especial com seu Davino, o homem mais longevo do mundo, hoje morando logo ali, na margem esquerda do Rio Paraíba do Sul; 2- reconstituição da história de São João da Barra/São Francisco de Itabapoana a partir de suas memórias. Aliás, ele mesmo tem uma história muito rica. Quero conhecer seu Davino pessoalmente. Desejo saúde a ele e gostaria muito de ser longevo como ele. Parabéns, seu Davino.

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