Arthur Soffiati - Margem esquerda do Paraíba em seu final
Podemos delimitar a restinga do Paraíba do Sul em sua margem esquerda desenhando um triângulo cujos pontos são a foz do rio Guaxindiba, a ilha do Peçanha e a lagoa do Campelo. Essa imensa restinga, a maior do estado do Rio de Janeiro, começou a se formar a partir de 5.000 anos passados com o transporte de areia pelo mar. No final do processo, que não acabou nem acabará, uma grande área se
estendeu. Enquanto as correntes marinhas erodem a foz do rio Paraíba do Sul na margem direita, erosão agravada por ações humanas, na margem esquerda, as correntes engordam a restinga.
Originalmente, esta restinga apresentava um sistema hídrico complexo ligado ao rio Paraíba do Sul. Ele era formado por chuvas, córregos e lagoas que recebiam água de transbordamento do grande rio, favorecendo a entrada de peixes para as lagoas (piracema). Com o fim das cheias, as águas voltavam ao leito do Paraíba do Sul, com a retenção de parte delas e de peixes nas lagoas.
A restinga foi colonizada por espécies vegetais que desceram da Mata Atlântica, nas partes altas. Tanto o solo arenoso quanto a salinidade dos ventos selecionaram as espécies resistentes ao novo ambiente. Formou-se, assim, uma zona pioneira com influência marinha. Perto do mar, onde os ventos são mais fortes e salinos, as plantas assumem porte herbáceo (baixo). Em área intermediária, o porte é
arbustivo. Finalmente, na parte afastada do mar, várias espécies alcançavam o porte arbóreo.
Os povos nativos, do grupo linguístico macro-jê, desceram da serra e dos tabuleiros, distribuindo-se por essa extensa restinga. Esses grupos, provavelmente guarus, puris e goitacás, viviam numa economia de subsistência à base de pesca e de caça. Não havia necessidade de desmatamento. A lenha e a madeira necessárias eram obtidas sem grandes derrubadas ou queimadas.
Mas, tudo começou a mudar com a chegada dos europeus. A restinga da margem esquerda não foi ocupada nos primeiros tempos da colonização. Só no final do século XVII, o trecho final da margem esquerda do Paraíba do Sul começou a ser ocupado pela cultura europeia. O primeiro passo foi a criação de uma redução por padres capuchinhos para cristianizar indígenas. Recebeu o nome de Santo Antônio de Guarulhos. Mas ela se ergueu em terreno de tabuleiros. A restinga era, então, um terreno arenoso cujas águas doces distribuíam-se na área de influência do Paraíba do Sul, enquanto que, perto do mar, a salinidade era imprópria à agricultura.
Mesmo assim, a cana e o gado penetraram em toda a restinga. No famoso mapa desenhado em 1785 por Manoel Martins do Couto Reis, não há um palmo de terra sem dono na restinga. O acesso era difícil. Vários engenhos antigos se instalaram nessa região. Quando houve a modernização da indústria açucareira, entre 1870 e 1920, os pequenos engenhos foram suplantados por modernas usinas
adquiridas na Inglaterra e na França. A margem esquerda do rio Paraíba do Sul em seu trecho final não parecia apropriado para fábricas de açúcar e álcool de grandes dimensões.
Registro apenas três grandes unidades produtivas que se instalaram nas proximidades da restinga: usinas São João e Abadia, além da Destilaria Central. As três consumiam lenha como combustível. As três devastaram as matas de restinga e recorreram a outras florestas até passarem, tardiamente, a consumir bagaço de cana.
Quem lê “A cultura da cana e a indústria açucareira em Campos”, livro de Arthur E. Magarinos Torres Filho lançado em 1920, poderá fazer essa constatação. Naquele tempo, desmatar para cultivar lavouras e implantar pastos era sinônimo de civilização. Essas poucas unidades produtivas e a criação de gado, porém, não promoveram a urbanização da baixada da margem esquerda do Paraíba do Sul. O
núcleo mais antigo e mais denso é Gargaú, na foz do rio. O nome já aparece registrado por Couto Reis em 1785. Em Gargaú, havia uma feira semanal famosa que funcionava nos fins de semana. Dela, resta o galpão, cujo valor imaterial acaba de merecer registro para proteção pelo governo estadual Guaxindiba também aparece como núcleo ativo. Pode-se incluir no conjunto dos núcleos a ilha do Pessanha, onde
Osório Peixoto ambientou o romance “Mangue”. Registrem-se a colônia pesqueira de Mundéus, na margem da lagoa do Campelo. Em direção a Gargaú, formaram-se os núcleos de Campo Novo e de Cacimbas.
Existem bens materiais que merecem proteção numa área tão esquecida por Deus? No entendimento deste articulista, existem, embora a área, segundo um estudo acadêmico, esteja muito degradada. E o grande risco que ela corre é a nova ponte ligando São João da Barra a São Francisco de Itabapoana. Ela está a exigir um Estudo de Impacto Ambiental.
Podemos delimitar a restinga do Paraíba do Sul em sua margem esquerda desenhando um triângulo cujos pontos são a foz do rio Guaxindiba, a ilha do Peçanha e a lagoa do Campelo. Essa imensa restinga, a maior do estado do Rio de Janeiro, começou a se formar a partir de 5.000 anos passados com o transporte de areia pelo mar. No final do processo, que não acabou nem acabará, uma grande área se
estendeu. Enquanto as correntes marinhas erodem a foz do rio Paraíba do Sul na margem direita, erosão agravada por ações humanas, na margem esquerda, as correntes engordam a restinga.
Originalmente, esta restinga apresentava um sistema hídrico complexo ligado ao rio Paraíba do Sul. Ele era formado por chuvas, córregos e lagoas que recebiam água de transbordamento do grande rio, favorecendo a entrada de peixes para as lagoas (piracema). Com o fim das cheias, as águas voltavam ao leito do Paraíba do Sul, com a retenção de parte delas e de peixes nas lagoas.
A restinga foi colonizada por espécies vegetais que desceram da Mata Atlântica, nas partes altas. Tanto o solo arenoso quanto a salinidade dos ventos selecionaram as espécies resistentes ao novo ambiente. Formou-se, assim, uma zona pioneira com influência marinha. Perto do mar, onde os ventos são mais fortes e salinos, as plantas assumem porte herbáceo (baixo). Em área intermediária, o porte é
arbustivo. Finalmente, na parte afastada do mar, várias espécies alcançavam o porte arbóreo.
Os povos nativos, do grupo linguístico macro-jê, desceram da serra e dos tabuleiros, distribuindo-se por essa extensa restinga. Esses grupos, provavelmente guarus, puris e goitacás, viviam numa economia de subsistência à base de pesca e de caça. Não havia necessidade de desmatamento. A lenha e a madeira necessárias eram obtidas sem grandes derrubadas ou queimadas.
Mas, tudo começou a mudar com a chegada dos europeus. A restinga da margem esquerda não foi ocupada nos primeiros tempos da colonização. Só no final do século XVII, o trecho final da margem esquerda do Paraíba do Sul começou a ser ocupado pela cultura europeia. O primeiro passo foi a criação de uma redução por padres capuchinhos para cristianizar indígenas. Recebeu o nome de Santo Antônio de Guarulhos. Mas ela se ergueu em terreno de tabuleiros. A restinga era, então, um terreno arenoso cujas águas doces distribuíam-se na área de influência do Paraíba do Sul, enquanto que, perto do mar, a salinidade era imprópria à agricultura.
Mesmo assim, a cana e o gado penetraram em toda a restinga. No famoso mapa desenhado em 1785 por Manoel Martins do Couto Reis, não há um palmo de terra sem dono na restinga. O acesso era difícil. Vários engenhos antigos se instalaram nessa região. Quando houve a modernização da indústria açucareira, entre 1870 e 1920, os pequenos engenhos foram suplantados por modernas usinas
adquiridas na Inglaterra e na França. A margem esquerda do rio Paraíba do Sul em seu trecho final não parecia apropriado para fábricas de açúcar e álcool de grandes dimensões.
Registro apenas três grandes unidades produtivas que se instalaram nas proximidades da restinga: usinas São João e Abadia, além da Destilaria Central. As três consumiam lenha como combustível. As três devastaram as matas de restinga e recorreram a outras florestas até passarem, tardiamente, a consumir bagaço de cana.
Quem lê “A cultura da cana e a indústria açucareira em Campos”, livro de Arthur E. Magarinos Torres Filho lançado em 1920, poderá fazer essa constatação. Naquele tempo, desmatar para cultivar lavouras e implantar pastos era sinônimo de civilização. Essas poucas unidades produtivas e a criação de gado, porém, não promoveram a urbanização da baixada da margem esquerda do Paraíba do Sul. O
núcleo mais antigo e mais denso é Gargaú, na foz do rio. O nome já aparece registrado por Couto Reis em 1785. Em Gargaú, havia uma feira semanal famosa que funcionava nos fins de semana. Dela, resta o galpão, cujo valor imaterial acaba de merecer registro para proteção pelo governo estadual Guaxindiba também aparece como núcleo ativo. Pode-se incluir no conjunto dos núcleos a ilha do Pessanha, onde
Osório Peixoto ambientou o romance “Mangue”. Registrem-se a colônia pesqueira de Mundéus, na margem da lagoa do Campelo. Em direção a Gargaú, formaram-se os núcleos de Campo Novo e de Cacimbas.
Existem bens materiais que merecem proteção numa área tão esquecida por Deus? No entendimento deste articulista, existem, embora a área, segundo um estudo acadêmico, esteja muito degradada. E o grande risco que ela corre é a nova ponte ligando São João da Barra a São Francisco de Itabapoana. Ela está a exigir um Estudo de Impacto Ambiental.