Edgar Vianna de Andrade - Presença de Jacques Tati
*Edgar Vianna de Andrade 17/07/2024 14:12 - Atualizado em 17/07/2024 16:55
Jacques Tati (1907-1982) parece ter tentado criar um personagem de humor como Carlitos, Buster Keaton e Harold Lloyd. Seria a França dando a sua contribuição para a comédia no cinema. Ele chegou tarde e não conseguiu o sucesso alcançado pelos Estados Unidos. Os curtas “On demande une brute” (1934), “Gai dimanche” (1935), “Cuida da tua esquerda” (1936) e “Escola de carteiros” (1947) não criaram um personagem. Mas revelaram seu caráter de mímico e a grande agilidade de Tati.

“Carrossel da esperança” (1949), seu primeiro longa, retoma o personagem do carteiro diligente e atrapalhado que se esforça por imitar um carteiro norte-americano. Algumas cenas de “Escola de carteiros” são retomadas no filme. Tati começa a revelar suas qualidades de comediante e diretor. “Carrossel da esperança” foi filmado em preto-e-branco e em cores. Esta segunda versão foi encontrada muitos anos depois. Foi o primeiro filme em cores da França. A restauração foi um trabalho de pesquisa e de artesanato. Mas Tati ainda não encontrara seu lugar.

Finalmente, em “As férias do senhor Hulot” (1953), ele cria um personagem que vai imortalizá-lo como um dos grandes comediantes do cinema. Hulot é um homem desajeitado e trapalhão fora do seu tempo. Ele não faz crítica explicita à modernidade, mas, com simplicidade, mostra que os tempos modernos excluem o ser humano. Hulot vive o presente como se estivesse no passado. Daí as situações cômicas que ele cria.

Em “Meu tio” (1958), Hulot alcança seu momento mais lírico. O filme tem um roteiro explicito. É claro o contraste de uma França antiga e uma França que se americaniza. Hulot vive uma vida simples, morando numa casa com acesso complicado. Sua irmã casou-se com o executivo de uma empresa de tubos de borracha que, para demonstrar sua posição social, tem uma casa toda automatizada e um automóvel moderno. O filho do casal gosta do tio porque ele representa a liberdade e a simplicidade. Até mesmo o cachorro do casal gosta da liberdade que Hulot lhe proporciona de viver entre vira-latas.

Mas o executivo considera Hulot um vagabundo e mau exemplo para o filho, conseguindo-lhe um emprego na fábrica de tubos. As cenas decorrentes de um desajeitado tentando um emprego moderno são impagáveis. O filme mereceu um Oscar e rendeu recursos de bilheteria.

Num esforço descomunal, Tati reuniu todos os seus recursos para “Playtime” (1967), filme ambicioso. Para tal, construiu uma cidade a fim de fazer um filme “limpo”, em que entrasse apenas o que o diretor desejava. Mais uma vez, Hulot se movimenta num mundo moderno de modo antigo. Não há crítica explícita à modernidade, como em “Tempos modernos”, de Chaplin. Hulot se limita a criar situações impagáveis num mundo dominado por uma tecnologia que ultrapassa a escala humana. Quem se formou num mundo analógico entenderá bem as dificuldades de Hulot num tempo que ainda não é digital.

O filme não foi bem de bilheteria. Começa o declínio de Tati, que morrerá endividado. O curta “Aula noturna”, de 1967, nada acrescenta à sua filmografia, sendo mesmo uma espécie de retorno a seus primórdios. Mas seu personagem marcante retorna em “As aventuras do sr. Hulot no tráfego louco” (1971). Ele não mais financia seus filmes, mas continua a viver à moda antiga num mundo novo. Um traço que observei na filmografia de Hulot e que ainda não encontrei comentado: sua relação com as mulheres. Elas são moças esbeltas e discretas que entram na vida do comediante, produzindo uma forma de encantamento. Mas não existe aproximação mais íntima.

Por fim, “Parada” (1974), seu canto do cisne. O centro do filme não é mais o senhor Hulot, mas o próprio Jacques Tati, que, aos 67anos, demonstra toda sua agilidade e capacidade mímica. Ele volta aos tempos em que imitava lutadores de boxe e tenistas, além de outros. O filme foi produzido na Suécia. É pequena a filmografia do grande diretor e ator francês.

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