Cinema: A saga da mosca
Folha1 18/01/2021 17:58 - Atualizado em 21/01/2021 10:23
 "A maldição da mosca"
"A maldição da mosca" / Divulgação
Lembro de ter sido um impacto forte para mim assistir, aos 12 anos, a um filme proibido (não apenas impróprio) para menores de 18 anos. Tratava-se de “A mosca da cabeça branca”, de 1958. Ele foi exibido no Clube da Vila Militar, no Rio de Janeiro, do qual meu pai era sócio. Lembro de ter ficado muito impressionado com as cenas inicial e final. O filme principia com a esposa esmagando a cabeça e o braço do marido numa prensa industrial, e termina com um inspetor de polícia matando uma mosca com cabeça humana prestes a ser atacada por uma aranha.
O miolo do filme mostra um casal feliz com um filho pequeno. Ele é um cientista empenhado numa experiência revolucionária: desintegrar corpos físicos e biológicos num lugar para reintegrá-los noutro. Se desse certo, a experiência representaria um fantástico avanço em termos de meio de transporte. Ela é uma típica esposa dos anos 1950: bela, fiel, dedicada ao lar, amorosa. Acompanha as pesquisas do marido de longe e cuida bem do filho. Alerta quanto aos perigos da pesquisa, embora não a compreenda bem.
Certo dia, o marido a leva ao laboratório para que ela assista a uma experiência. Ele vai teletransportar um objeto de uma cabine para outra. Foi um sucesso. Mas não tanto com um gato, que se desintegra e não se reintegra. Seus miados são ouvidos no espaço. Por fim, o marido se torna cobaia de si mesmo. Ao se teletransportar, uma mosca entra na cabine sem ser vista. Ao se reintegrar, ele sai com a cabeça e uma pata da mosca, e esta sai com sua cabeça. Ele revela o resultado à esposa e lhe pede que procure a mosca rapidamente para efetuar a troca a fim de ter sua humanidade recuperada. Os gritos da mulher ao ver o marido transformado são típicos da época. As artistas deveriam saber gritar.
Tanto ela quanto o filho passaram perto da mosca da cabeça branca, mas a perderam. Não resta à esposa senão atender à súplica do marido: matá-lo antes que ele se torne uma ameaça às pessoas. Nem seu cunhado (Vincent Price) nem o inspetor acreditam em história tão absurda. Ela será condenada à morte possivelmente. Mas a verdade aparece no momento final, com a localização da mosca pedindo socorro ao cair numa teia de aranha e ser morta pelo investigador. Se a esposa assassinou o marido-mosca, o delegado assassinou uma mosca-humana. Ambos são assassinos. O fim do filme é rápido, como acontecia nos filmes daquele tempo.
“A mosca da cabeça branca”tem direção de Kurt Neumann e é estrelado por Vincent Price (François Delambre), David Hedison (André Delambre) e Patricia Owens (Hélène Delambre). Na época, foi um filme de bastante sucesso. Hoje, exemplifica bem um filme B, embora não saibamos caracterizar esta classificação. O êxito de bilheteria foi estrondoso e motivou continuação típica de uma franquia atual. O segundo filme da trilogia — “O monstro de mil olhos” (Return of the fly) — foi lançado em 1959. Dirigido por Edward Bernds, o centro das atenções agora é o filho de André Delambre, Philippe Delambre (Brett Halsey). Vincent Price é o único do primeiro elenco A permanecer no segundo filme, que apelou bastante para os resultados das experiência de teletransporte, pois elas representaram o sucesso do primeiro filme. Se a primeira película foi filmada em cores, a segunda foi em preto-e-branco.
O terceiro filme da saga é “A maldição da mosca”, dirigido por Don Sharp e lançado em 1965. Agora, não apenas o filho de André Delambre, como também os dos netos, continuam tentando criar um meio de transporte rápido e seguro para a humanidade. O filme começa com uma cena antológica: uma vidraça se espatifa em mil pedaços, e os cacos se espalham em câmara lenta. Da janela sai uma mulher em trajes íntimos, que foge também em câmara lenta. Ela será encontrada seminua por um dos netos de Delambre e rapidamente se casará com ele.
Aos poucos, a mulher evadida de um clínica para tratamento de doentes mentais descobre as experiências de seu marido e sogro e seus resultados. Entre a Inglaterra e o Canadá, pessoas são transportadas e sofrem mutilações. Da trilogia, este é o filme mais pálido, destoando dos dois primeiros. Na década de 1980, David Cronenberg, com sua originalidade, refilmará o primeiro da trilogia, criando a mais asquerosa das criaturas do cinema. Ele terá continuação logo depois. Mas aí já é outra história.

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