Criado em 1939, Batman é um personagem que já passou por diversas fases nos quadrinhos, algumas radicalmente opostas. Fato é que ele se tornou um dos personagens mais queridos da cultura pop. Essas mudanças chegam também aos cinemas, principalmente a cada nova encarnação do personagem. Escrito e dirigido por Matt Reeves, “The Batman” é um projeto antigo que finalmente ganha as telas, reiniciando o universo do homem morcego e trazendo um personagem ainda em início de carreira, com algumas novas características dentro das suas adaptações na sétima arte e outras nem tão novas assim.
É situado no segundo ano de atuação do cavaleiro das trevas, uma decisão muito interessante, que nos permite acompanhar o herói no início de carreira, mas sem precisar recontar sua origem e já estabelecendo a relação do protagonista com Jim Gordon e principalmente como uma espécie de lenda urbana no submundo de Gotham. Esta relação é um dos pontos mais interessantes do filme, apesar de não ser uma abordagem inovadora.
A trama acontece próximo a uma eleição municipal, quando vários membros da elite de Gotham começam a ser mortos por um misterioso assassino, que deixa charadas para Batman. Ao investigar o caso, o cavaleiro das trevas se envolve em um jogo sádico que vai levá-lo ao submundo de Gotham e vai revelar segredos que podem pôr em risco tudo o que ele sabe sobre o passado de sua família.
Uma das promessas de Matt Reeves era fazer um universo mais pé no chão, trabalhando o lado de detetive do protagonista, algo pouco explorado nas outras obras. O filme traz essa pegada, com uma pesada atmosfera de filme noir. A Gotham retratada aqui é sombria, banhada em sombras e uma intensa chuva que parece não passar. Com uma arquitetura que mistura modernidade com um estilo gótico, retratado principalmente na Torre Wayne e na catedral da cidade, esse estilo soturno casa muito bem com o personagem e com a proposta da história.
A cena de introdução do homem morcego é muito interessante, precedida por uma narração eficiente em nos situar no real status do vigilante frente aos bandidos da cidade. Outro ponto interessante é a relação do protagonista com a polícia de Gotham. Com uma parceria já consolidada com Jim Gordon (Jeffrey Wright), mas sendo naturalmente mal visto pelo restante da corporação, que desconfia de um homem mascarado.
O filme busca ser bem realista. Ao trazer o personagem em início de carreira, o acompanhamos sem tantos equipamentos. Seus veículos são adaptações muito próximas da realidade. As lutas são mais violentas e menos estilizadas, trazendo o personagem até meio inconsequente em diversos momentos, uma característica compatível com sua juventude e imaturidade enquanto vigilante. A escolha do Charada (Paul Dano) como vilão principal é acertada, dada a intenção de explorar o lado detetive do personagem, tornando o filme quase um suspense de serial killer que traz Batman e Gordon como a dupla de policiais tentando desvendar o caso.
Em seu segundo ano de atuação, faz sentido que Batman ainda não seja o grande detetive dos quadrinhos, mas o roteiro se utiliza demais de conveniências para desenvolver a história. Algumas situações, além de estender desnecessariamente a história, chegam até a ser meio ridículas.
Dentro dessa proposta realista, o Batman de Nolan trouxe o delírio vigilante pós-11 de setembro como temática. Já aqui, Reeves aposta na desigualdade social, tema já abordado no filme do Coringa e que traz a corrupção como um dos elementos centrais, que ganham ainda mais força em uma cidade degradante como Gotham. Assim como em “Coringa”, o filme trabalha as consequências dessa desigualdade, criando gerações de pessoas sem oportunidade que estão dispostas a se vingar de quem está no poder. E o jogo do Charada expõe exatamente esses crimes, levando o personagem a ganhar seguidores que, diferente do Batman de Nolan (é um filme mais pessimista), levam a cruzada do homem morcego para outro lado.
Uma das características mais marcantes do Batman,é sua inigualável galeria de vilões, e, apesar de o filme contar com três dos mais clássicos, esse é um dos pontos fracos. O Pinguim (Colin Farrell) não possui praticamente nenhuma função narrativa. Sua inserção parece ter um propósito futuro, e a interpretação de Farrell não ajuda. Mesmo com a excelente maquiagem o personagem parece um cosplay do Al Capone de Robert De Niro em “Os intocáveis”. A Mulher Gato (Zoë Kravitz) é o contraste nessa trinca. Adotando uma de suas origens mais pesadas, a personagem abandona (não por inteiro) sua vestimenta sexy fetichista e se torna uma personagem com uma história pesada, que usa seus dons como meio de sobrevivência.
Fechando com o Charada, um personagem que troca seu figurino geralmente espalhafatoso por uma vestimenta que até descaracteriza o personagem. Com um estilo instável que lembra o Coringa, o personagem nunca soa realmente ameaçador. Cheia de discursos (alguns realmente cansativos), a versão de Paul Dano (excelente ator) nunca convence. Talvez a versão mais fria e calculista dos novos 52 funcionasse melhor na história, já que o vilão é o personagem que mais destoa da proposta do filme.
Um dos maiores questionamentos dos fãs era em relação a Robert Pattinson como Batman. A escolha, que não agradou a alguns fãs em um primeiro momento, se mostra um dos grandes acertos do filme. Pattinson encarna um Bruce Wayne submerso no luto, de longe a versão mais sombria e raivosa do personagem, e a entrega do ator impressiona. Mesmo como Batman, ele mostra uma postura imponente, que contrasta com a postura retraída de Bruce, criando uma relação interessante.
Matt Reeves traz um trabalho de direção interessante. Trabalhando bastante o uso de luz e sombras (mesmo que as sombras sempre dominem os ambientes), o diretor se sai melhor na construção de cenas visualmente impactantes do que na construção do ritmo do filme, já que, além da longa duração, o filme tem alguns momentos bem arrastados. Além do problemático terceiro ato, que, após o plano do Charada ser revelado (sem nunca conhecermos as reais consequências do ato), o clímax do longa é muito representativo e um ponto de virada para o personagem, que será mais sentido nas vindouras continuações, mas é o momento mais fraco da obra, tanto em termos de tensão quanto de espetáculo visual.
“Batman” é um recomeço interessante para um dos personagens mais queridos do grande público. É um filme longo, com um desfecho decepcionante, mas apresenta elementos que podem fortalecer a mitologia do personagem nos cinemas. Não é inovador, mas consegue ressignificar o símbolo do morcego para novos tempos, em um longa pessimista, na jornada profunda de um homem pelo luto, que precisa vencer seus demônios para servir de guia na luta pela alma de sua cidade.