Cinema - Medos e desejos
Felipe Fernandes - Atualizado em 08/02/2022 19:26
“Spencer” é mais uma obra a retratar a Princesa Diana e sua situação frente à Coroa Britânica, mas com uma proposta diferente, a começar pelo título do filme, que remete ao nome de solteiro da protagonista.
O filme não é uma adaptação fiel de fatos que aconteceram, pelo menos não da forma como são apresentados. O roteiro de Steven Knight funciona como um estudo de personagem em um trabalho de imaginação de como teria sido o último feriado de Natal de Diana junto à família real, um período difícil, já que o desprezo de Charles e o conhecimento público do caso dele tornavam a situação insustentável.
O longa abre mostrando os preparativos para o tradicional feriado na casa de campo da família real. Uma preparação absurda, que chega a envolver o Exército e trabalha o contraste de quão grandioso é aquele evento, ao mesmo tempo em que é tratado de forma natural pelos membros da família.
O longa é repleto de simbolismos que buscam retratar a condição da personagem. Em sua primeira aparição, Diana surge solitária em um conversível e perdida, sem saber como chegar à mansão de campo da família real. Após ser encontrada pelo cozinheiro chefe, ela descobre que estava perto da antiga mansão de sua família, onde ela passou sua infância. Essa desorientação causa estranheza em um primeiro momento, mas é eficiente para apresentar o estado mental da personagem.
Praticamente isolada em seus aposentos, a interação dela com a família só acontece em momentos breves e oficiais. As únicas relações dela são com os filhos e alguns funcionários da mansão. Ao conhecer e se identificar com a história de Ana Bolena (Rainha consorte da Inglaterra, que também foi abandonada pelo marido), ela passa a ser atormentada por uma série de visões, que são trabalhadas quase como um filme de terror, exaltando a desorientação e os medos da protagonista.
Não por acaso, o símbolo maior da subserviência de Diana a Charles e a toda aquela situação é um colar de pérolas que ela ganhou de presente, assim como a amante do marido. Além do claro simbolismo de sufocamento, a forma como Kristen Stewart interpreta Diana, com uma voz fraca, como se lhe faltasse ar para concluir suas falas, reforça essa sensação.
É dirigido pelo chileno Pablo Larraín, um cineasta que, desde “Jackie”, tem realizado trabalhos que trazem um olhar para protagonistas femininas. Com seus travellings elegantes e sua composição de quadro minuciosa, Larraín se mostra um artista mais poderoso na construção de imagens e de sensações do que propriamente na construção narrativa convencional. Seus filmes buscam retratar essas mulheres, através de seus medos e desejos, em diferentes situações sociais.
A escolha de Kristen Stewart, uma atriz americana, para interpretar uma personalidade inglesa chamou a atenção, e me parece que a escolha é mais uma forma de ressaltar Diana como uma figura estranha dentro daquele ambiente. Enquanto todos agem como se tudo o que acontece ali fosse bem normal, Diana questiona e se mostra apavorada em diversos momentos. De certa forma, é um longa sobre aparências e tradições, e como elas sufocam quem não está disposta a devotar seus dias a elas.
Com uma proposta diferente, Larraín e Knight criam uma obra diferente sobre uma das personalidades mais marcantes do século XX. Fugindo da cinebiografia tradicional, é um longa que trabalha os medos e sensações, na construção imaginativa de uma personagem retratada de diversas formas em diferentes obras, mas que poucas vezes teve um olhar tão voltado para seu interior, fazendo o título da obra ganhar total sentido, já que o filme busca a pessoa por trás dos títulos e da coroa.

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